Integra

As mudanças do paradigma produtivo e nova forma de educação

Após a queda do Muro de Berlim, o socialismo real foi considerado algo superado. Intelectuais apologéticos ao capital como Fukuyama (apud Frigotto, In: Frigotto, 1998, p.38-39), afirmaram que era o "Fim da História". O sistema capitalista foi considerado vencedor, não restando outra alternativa senão adaptar-se a essa nova ordem social. O atual sistema vigente do capitalismo é denominado de neoliberalismo.

Segundo Anderson (In: Sader e Gentili, 1995, p. 9-10), essa doutrina tinha como objetivo ser uma reação contra o Welfare State, atacar qualquer limitação dos mecanismos de mercado e combater a social democracia que estava numa fase de expansão na Europa Ocidental. Como o capitalismo vivia seus anos dourados, as teorias neoliberais tiveram que esperar até o início da década de 70 para começar a ganhar destaque no cenário mundial. Para os defensores do neoliberalismo a causa da recessão era o poder dos sindicatos e dos movimentos operários que na luta por melhores condições acabaram com as bases de acumulação do capitalismo. A solução para essa recessão era romper o poder dos sindicatos e economizar nos gastos sociais e intervenções econômicas. Para isso ser efetivado eram necessárias: estabilidade monetária, disciplina orçamentária e a criação de um exercito de reserva de trabalho.

No começo dos anos 90 a política de globalização começou a ganhar destaque. Para Chesnais (1995, p.1), trata-se de um regime mundial de acumulação, dependente do capital privado, com características como baixas taxas de crescimento do PIB, deflação rastejante, conjuntura instável, alto nível de desemprego estrutural, marginalização de regiões em relação ao sistema de trocas e uma concorrência internacional intensa, geradora de conflitos comerciais entre as grandes potências da Tríade.

Atualmente o neoliberalismo e as políticas de globalização vêm se modernizando, procurando adaptar-se às novas exigências econômicas. Nesse sentido ganha grande destaque o "New Labour" e a "Terceira Via" do ministro britânico Tony Blair. Segundo Antunes (2001, p. 95-99), essa prática capitalista procura ser um caminho alternativo entre a social democracia e o neoliberalismo clássico. Devido ao desgaste natural da forma clássica tornou-se necessário que o capital formulasse uma alternativa que preservasse o essencial das transformações neoliberais. Blair continuou a defender valores clássicos como economia de mercado, flexibilização do trabalho, desregulamentações e economia globalizada e moderna. Trata-se de uma política econômica que se apresenta como uma alternativa entre a social democracia e o neoliberalismo clássico. Antunes aponta que essa variante capitalista neoliberal é fruto do esgotamento da sua forma clássica e trata-se de uma renovação da social democracia.

Com a crise o paradigma de produção fordista começou a emitir sinais de esgotamento. Como resposta houve um processo de reestruturação da produção. O objetivo era instrumentalizar o capital para retornar aos antigos patamares de desenvolvimento. Nesse período ocorreu um grande ataque do capital aos trabalhadoras. Um fator que agravou essa crise foi que nesse período surgiu no cenário as ações do movimento operário contra o capitalismo. Uma consciência de classe foi construída pela social democracia. A luta de classes estava novamente presente nas ações dos trabalhadores. (ANTUNES, op. cit. p. 36-41).

Com a implementação do neoliberalismo o capital começava a exigir a substituição do paradigma fordista. O fordismo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado e na divisão das tarefas. Suprimia a dimensão intelectual do trabalho transferindo esse cargo para a esfera da gerência científica. A atividade laboral reduzia-se a mera ação mecânica e repetitiva. Nesse sentido a introdução do toyotismo na Europa foi ao encontro dos novos interesses capitalistas que objetivavam enfraquecer o Welfare State e toda a "classe que vive do trabalho". Surge uma nova forma de relação produtiva, passando do modelo fordista pautado na divisão do trabalho para o modo toyotista relacionado no princípio da acumulação flexível mais participativo, descentralizado, autônomo e com maior capacidade de abstração.

Segundo Assis (In: Ferretti et. al. 1994, p. 194), as novas qualidades exigidas por essas novas tecnologias e pelos processos organizacionais foram: o raciocínio lógico, a habilidade para aprender novas qualificações, a capacidade de resolução de problemas e de decisões, a responsabilidade com o processo de produção, ou um profissional multidisciplinar, flexível e polivalente. Devido a essas competências exigidas ocorreu uma alteração qualitativa na forma de ser do trabalhador acarretando maior qualificação do trabalho e uma desqualificação do trabalhador. Todo esse reordenamento do capitalismo fez com que houvesse por parte do capital uma grande ampliação do setor de serviços trabalhos de caráter parcial, temporário, precário, subcontratado e terceirizado. Suas principais características são a precariedade dos empregos e salários, desregulamentação das condições de trabalho, regressão dos direitos sociais e ausência de proteção sindical. A atual tendência desses mercados de trabalho e a redução dos números de trabalhadores centrais e a contratação cada vez maior de trabalhadores que ingressam no mercado de trabalho facilmente e são demitidos posteriormente sem custos.

Devido aos fatores mencionados tornou-se de grande importância para o capital que os trabalhadores adquirissem novas competências. Segundo Andrade (1996, p. 88-102), surge a exigência de um novo tipo de homem orgânico ao capital e sintonizado com o novo tipo de trabalho e produção, além de estar sintonizado com nova ótica de livre mercado e consumo.

A partir de 1990, o Brasil passou a seguir à risca a cartilha neoliberal. O governo começou a implementar as reformas propostas pelo Banco Mundial. Segundo Soares (In: Tommasi, Warde e Haddad, 1998, p. 15), esse organismo exerce influência nos rumos do desenvolvimento mundial. A recusa dessas políticas levaria a uma marginalidade econômica, política e cultural. Então no campo educacional tudo vem sendo muito alterado. A teoria do capital humano volta a ser defendida, a educação passa a ser vista como uma forma de garantir a empregabilidade. Nesse sentido, que teóricos do capital como Fukuyama (apud Anderson, 1992), afirmam que não existe desemprego estrutural mas trabalhadores inadaptados culturalmente.

Nesse sentido Silva (1997b, p.126-127), indica que nessa nova perspectiva de educação o currículo escolar deverá ser mais por que fazer e não como fazer. Com isso o fator instrução passa a ser fundamental para as novas propostas de formação de mão-de-obra.

Dentro deste contexto de amoldamento ao capital surgem políticas de ajustes estruturais que têm como objetivo qualificar para o novo modelo capitalista. Exemplos dessa reforma são a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares.

A educação física e a reestruturação produtiva: a regulamentação da profissão

Como a opção do estado brasileiro foi o receituário neoliberal e nesse contexto de corte de gastos a Educação Física parece ser descartável do modelo de formação humana. A LDB, em seu artigo 26, parágrafo 3º , estabelece que: " A educação física, integrada a proposta pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa no ensino noturno." E no seu artigo 27, inciso IV, traça como diretriz " a promoção do desporto educacional e o apoio às praticas das atividades não formais." (OLIVEIRA 1998). A interpretação das passagens permite perceber que a Educação Física não está garantida como componente curricular.

Nesse contexto de amoldamento ao capitalismo surgem várias propostas para a Educação Física. Silva (2000, p.3), destaca que sob rótulo de "modernização nacional" grupos conservadores se reordenam de modo corporativista, em favor das atividades físicas não-formais por meio da regulamentação da profissão., mudança que segundo esse grupo acarretará melhores condições de trabalho e salários, além de garantir a empregabilidade em tempos de grande desemprego. Silva (1997a, p. 900) indica-nos que o interesse dos professores de Educação Física pela áreas não-formais decorre da pouca valorização social, dos baixos salários e das precárias condições que são oferecidas aos profissionais que se dedicam ao ensino básico.

Em relação a esse reordenamento surgem algumas dúvidas. Será que esse crescimento do prestígio social realmente ocorre no exercício profissional do ramo não-formal? As atividades escolares propiciam salários menores? E os direito sociais conquistados pelos trabalhadores da área escolar? E a precarização das atividades não-formais? O reordenamento profissional não é fruto do "sucateamento" do ensino público promovido pelo governo neoliberal?

Apoiando-se nas análise sobre o mundo do trabalho acha-se que o sistema CREF/CONFEF surgem como forma de adaptação a esse tipo de sociedade. Isso pode ser visualizado ao analisar os textos de Steinhilber (1996 e 1998). Ao invés de se elegerem o sistema neoliberal e os detentores do capital como os principais fatores do desemprego estrutural escolhem-se como inimigos centrais dos trabalhadores da Educação Física os denominados "leigos". Esses dados só enfatizam o caráter funcional desse conselho. A sua pretensão é adaptar a Educação Física a essa ética de livre mercado onde a preocupação não é com a qualidade da formação e sim com a garantia do mercado de trabalho

Apesar de a literatura a respeito desse assunto ser limitada já existem artigos denunciando esse conselho. Palafox e Terra (1996), levantam questões relacionadas à ideologia e ao projeto de mundo presentes. Lucena (2001) e Nozaki (1998), mostram quais serão os impactos desse processo na formação profissional. Nozaki (1999), sinaliza para onde enquadra-se a regulamentação no reordenamento do mundo do trabalho, enfatizando também, sobre o discurso da perda da centralidade e a crise da categoria trabalho. Sadi (2002), argumenta a relação do processo de regulamentação com a face podre da burocracia nacional. Carvalho (2000), utiliza os conceitos da dialética com o objetivo denunciar o real significado da ética e da moral presente no código do CONFEF/CREF. Entretanto somente Sadi (2000), aponta para a relação da regulamentação com a Educação Física escolar.

Então percebe-se um movimento de setores conservadores e ligados a regulamentação da profissão que, inconformados com o enfraquecimento da Educação Física escolar e a perda de prestígio buscam mostrar a sua utilidade nesse novo projeto de formação humana. É com a intenção de organicidade a nova sociedade capitalista que emergem propostas pautadas no paradigma da aptidão física para serem aplicadas na escola. Destaque para a metodologia da Iniciação Esportiva Universal de Greco e Benda (1998). A obra tem como matriz científica o positivismo. Possui os mesmos anseios e a mesma linha epistemológica que a apregoada pelos defensores da regulamentação. Será coincidência? Acredita-se que não, senão sim mais uma metodologia utilizada para recuperar o prestígio perdido junto a hegemonia dominante.

Por isso acha-se que ganha destaque a metodologia proposta por Greco e Benda, na qual Silva e Landim(2001 e 2002) denominaram de neoesportivização/neotecnicismo da Educação Física. Essa proposta se diz "universal" servindo tanto para a escola como para a área não-formal. Apresenta características que mascaram a realidade por incorporarem valores presentes nas propostas críticas como o Coletivo de Autores (1992) e Assis de Oliveira (2001). Isto pode confundir o professorado, segundo Caparróz (In: Caparróz, 2001, p. 205), estes conhecem muito superficialmente as teorias críticas. O objetivo não é analisar tal proposta. O intuito é somente apontar a relação existente entre a neoesportivização com o sistema CONFEF/CREF e o que ela remete para a escola, para que dessa forma se possa ter fundamentos claros para defender uma prática menos atrelada aos interesses da lógica do capital.

Considerações finais

Precedida à análise sobre o atual modelo capitalista e o que ela conduz para a Educação Física fica evidente que se acredita numa perspectiva de Educação Física crítica. Deve-se posicionar de forma contrária ao sistema CONFEF/CREF. Esses organismos são o que existe de mais conservador dentro da Educação Física e o seu objetivo não é o fortalecimento da classe trabalhadora mas servir mais uma vez aos interesses dominantes. Esse processo poderá levar à discussão iniciada na década de 80 e aperfeiçoada na década de 90 a estaca zero. Com isso a prática pedagógica escolar não conseguirá efetivar-se como um componente curricular e continuará a ser um mero apêndice da escola ou até mesmo vir a desaparecer. Para evitar tamanho retrocesso deve-se encampar a luta contra esse conselho.

Obs.Os autores, professores Marcelo Moraes e Silva e Renata Aparecida Alves Landim são licenciados pela UFJF, o primeiro cursando especialização em Pedagogia Escolar no IBPEX, UFPR

Referências Bibliográficas

  • Anderson, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER. E. e GENTILI, P. (orgs.). Pós- neoliberalismo. São Paulo: Paz e Terra, p. 09-23, 1995.
  • __________. O fim da história: de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.
  • Andrade, Flávio Anísio. Jogando no campo do adversário: o projeto empresarial de formação do "novo trabalhador". Dissertação de Mestrado, Niterói, 1996.
  • Antunes, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5º ed. São Paulo: Boitempo, 2001.
  • Assis, Marisa. Educação e a Formação Profissional na Encruzilhada das Velhas e Novas Tecnológicas. In: FERRETTI, C. J. et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, p.189-201, 1994.
  • Assis de Oliveira, Sávio. A Reinvenção do Esporte: possibilidades da prática pedagógica. Campinas: Autores Associados, 2001.
  • Caparróz, Francisco Eduardo. Discurso e prática pedagógica: Elementos para refletir sobre a complexa teia que envolve a educação física na dinâmica escolar. In: CAPARRÓZ, F. E. Educação Física Escolar: política, investigação e intervenção. Vitória: Proteoria. v. 1, p.193-214, 2001.
  • Carvalho, Máuri. Educação Física e Ética. Mimeo. 2000.
  • Chesnai, François. A globalização e o curso do capitalismo de fim- de- século. Economia e Sociedade. Campinas (5): p.01-30, 1995.
  • Coletivo de  autores. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
  • Frigotto, Gaudêncio. Educação e Crise do Trabalho Assalariado e do Desenvolvimento: Teoria em Conflito. In: FRIGOTTO, G. Educação e Crise do Trabalho: Perspectivas de Final de Século. Petrópolis: Vozes, p. 25-54, 1998.
  • Greco, Pablo Juan. e BENDA, Rodolfo Novellino. (orgs.). Iniciação Esportiva Universal. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2v, 1998.
  • Lucena, Renata Christiane Salgues. Formação Profissional em Educação Física. 2001. Disponível em: www. mncr.rg3.net Acesso em fevereiro de 2002.
  • Nozaki, Hajime Takeuchi. Pós- Regulamentação da Profissão: Para além do contra e do a favor, reflexões no campo da formação profissional. 1998. Disponível em: Erro! A origem da referência não foi encontrada.. Acesso em fevereiro de 2002.
  • __________ O mundo do trabalho e o reordenamento da Educação Física brasileira.1999. Disponível em: www. mncr.rg3.net Acesso em fevereiro de 2002.
  • Oliveira, Marcus Aurélio Taborda. Existe espaço para o ensino de educação física na escola básica? Pensar a Prática. Goiânia, 2: 1-23, jun./jul. 1998.
  • Palafox Gabriel H. Muñoz e TERRA, Dinah Vasconcellos. Regulamentação da profissão de educação Física: uma questão ideológica. 1996. Disponível em: www. mncr.rg3.net. Acesso em fevereiro de 2002.
  • Sadi, Renato Sampaio. Impactos da Regulamentação no projeto pedagógico ideal para a Educação Física escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 21, n. 2 e 3, 2000.
  • __________. Regulamentação da Educação Física: A face podre da burocracia. Mimeo. 2002.
  • Silva, Marcelo Moraes. A Educação física e os processos de reordenamento no mundo do trabalho. In: IV Encontro Fluminense de Educação Física Escolar, Niterói, 2000. Anais... Niterói, p. 01-05, 2000.
  • SILVA, Marcelo Moraes e LANDIM, Renata Aparecida Alves. Metodologia da Iniciação Esportiva Universal: Uma análise crítica. In: XII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE. 2001. (no prelo).
  • __________. A Educação Física como componente curricular: Uma nova proposta hegemônica. Mimeo. 2002.
  • Silva, Marcelo. S. da. Enfoques sociológicos sobre a profissionalização docente: A questão da regulamentação da Educação Física. In: X CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, Goiânia, 1997, Anais... Goiânia, v.2, p. 896-904, 1997a.
  • Silva, Paulo da Trindade Nerys. Globalização: a nova cultura do trabalho e seus impactos na Educação Física. Motrivivência. Florianópolis, 9(10), p. 121-141, 1997b.
  • Soares, Maria Clara Couto. Banco Mundial e reformas. In: TOMASSI, L. De , WARDE, M. J. e HADDAD, S. (orgs.) O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. 2º ed. São Paulo: Cortez, p.15-40, 1998.
  • Steinhilber, Jorge. Profissional de Educação Física... Existe? In: CICLO DE PALESTRAS CAEFALAF- UERJ, Rio de Janeiro, 1996. Anais... Rio de Janeiro: CAEFALF/ UERJ, p. 43-58, 1996.
  • __________. Pontos, contrapontos e questões pertinentes à Regulamentação do Profissional de Educação Física. Mimeo. 1998.