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Não foram só as urnas que mostraram a tendência do eleitorado por administrações municipais mais jovens. O mestre e doutor em Educação Física, Pedro Curi Hallal, de 36 anos, venceu a disputa para a o cargo de reitor da Universidade Federal de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, com 6.170 votos contra 2.392 de Mauro Del Pino, atual reitor. 

A principal votação veio dos estudantes, onde Pedro Curi conquistou 4.882 votos, contra 1.523 de Del Pino. Entre os docentes, Pedro Curi fez 696 a 353, e entre os servidores e técnicos administrativos as urnas apontaram 592 a 516 .

Professor da Escola Superior de Educação Física e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPEl, Pedro Curi é membro da Academia Brasileira de Ciência. Seu nome  ganhou destaque nacional quando ele se tornou, há cinco anos, o único pesquisador estrangeiro a conquistar uma das 27 bolsas da agência The Wellcome Trust, da Grã-Bretanha. O investimento de R$ 7 milhões está sendo aplicado em pesquisa sobre a prática da atividade física , num período de sete anos. 

Em meia hora de conversa, Pedro Curi concedeu esta entrevista. 

Sua vitória confirma a tese de que a vez de comando é dos jovens?

- Foi uma vitória inesperada. Há quatro anos teve uma eleição que acabei me envolvendo, participando da campanha, não como candidato. Mas acabei conhecendo os rumos da universidade. Chegou este ano e tínhamos um grupo que discutia a universidade, mas não tínhamos um candidato. Perto da eleição o grupo resolveu que eu seria o candidato. Entrei num conflito pessoal e profissional grande, mas acabei aceitando o desafio e estou fazendo esta migração do mundo acadêmico, que eu faço muito, para o administrativo. 

A Chapa 4 que você liderou, tem vínculos político-partidário?

- Não. Este grupo não tem nenhum vínculo partidário. É totalmente acadêmico. Foi um a decisão nossa de não nos atrelar com ideologia partidária. Estabelecemos alguns princípios de gestão que é o pensamento do grupo. 

Qual o orçamento da UFPel para 2017? 

- É de R$ 670 milhões, quase do tamanho do orçamento da cidade de Pelotas (R$ 1,1 bilhão. E se o reitor estiver atrelado a apenas um desses grupos pouco conseguirá dialogar com os governos municipal, estadual e federal. Daqui a pouco o prefeito é do partido tal e o reitor é do outro... E nós pretendemos dialogar independentemente da cor partidária.

Como é assumir uma reitoria federal no momento em que o governo anuncia cortes e contingenciamentos nas verbas públicas? 

- Ninguém está preparado para enfrentar esta realidade, porque o ideal é que não se tivesse esta dificuldade, especialmente numa área estratégica para o país como a Educação. Mas, na prática, tem muito que se pode fazer. O orçamento é uma parte do que entra da receita da universidade brasileira, porque há uma grande diversidade de captação de recursos. Temos que recuperar a capacidade de obter recursos extra-orçamentários. E precisamos disso urgentemente para construir uma moradia estudantil, por exemplo. Até hoje, somos uma das poucas universidades que não oferece isso aos estudantes. Temos que ampliar nosso espaço físico para construir um hospital, que ainda hoje a gente aluga um prédio. Enfim. Temos que recuperar esta capacidade de captaç ;ão, inclusive com resistência em Brasília contra cortes (orçamentários).

Qual a realidade da UFPel na sua área específica, a Educação Física?

- Quando fui aluno, de 1997 a 2000, a estrutura era delicadíssima. Tínhamos um prédio pequeno e as aulas práticas eram fora da Universidade. Crescemos muito, mas precisamos de investimentos. Faz 40 anos que a ESEF (Escola Superior de Educação Física) aluga piscinas. E com o dinheiro desse aluguel em quatro anos se constrói uma piscina. Essa é uma prioridade de gestão, inclusive.

E quanto à pesquisa 

- A pesquisa também é prioridade de gestão. O objetivo é que a UFPel colabore mais no mundo da pesquisa, porque, hoje, a pesquisa na UFPel é muito independente da gestão. Usamos uma frase para explicar isso: “A pesquisa cresce apesar da gestão”. 

O que isso significa?

- É uma pesquisa de grupos isolados, que tem nichos que fazem bons trabalhos, mas não têm interligação entre eles. Temos pesquisa de excelência na área de educação, de excelência da saúde pública, da odontologia, na área da história. Inclusive um dos maiores pesquisadores do país foi meu concorrente é da área de história. Mas o que acontece é que estes grandes grupos dialogam muito pouco. A prioridade é uma maior relação entre os grupos, e a segunda prioridade é que a pesquisa se aproxime do ensino. Este é um nó que temos que desatar rapidamente. 

Atualmente a pesquisa na UFPel reflete no ensino?

- Hoje a pesquisa da UFPel em algumas áreas é fortíssima, mas reflete muito pouco no dia-a-dia do ensino. É preciso que aquilo que se produz de pesquisa aqui chegue ao aluno para melhorar na sua formação. A pesquisa tem que chegar ao nível do ensino. É outra grande prioridade de gestão. E a terceira prioridade de gestão é a equidade. Hoje o mundo da pesquisa tem poucos grupos com grande concentração de recursos, de equipamentos, e outros não tem quase nada. Precisamos que os recursos sejam mais bem distribuídos e mais bem administrados. Temos que inverter esta lógica de quem mais tem cada vez mais ganha. Às vezes é preciso fazer ao contrário e decidir que quem menos tem precisa de mais atenção. A pesquisa na UFPel precisa mudar muito e espero fazer isso nos pr& oacute;ximos anos. 

E a pesquisa na Educação Física?

- Em 2005, a Educação Física na UFPel tinha um curso que, historicamente, sempre foi muito forte no componente da pesquisa. Mas, engatinhávamos no mundo da pesquisa. Hoje, produzimos pesquisas de altíssimo impacto na área de atividade física e saúde, que é o nosso carro chefe; temos bastante produção na área de treinamento esportivo, especialmente na área de luta e um grupo muito bom, de meninas que vieram de Porto Alegre, que estão trabalhando com a biomecânica, treinamento de força no meio aquático; também na área de aprendizagem motora. E nas áreas sócio-culturais tempos pesquisa como na história do futebol etc. Hoje, a pesquisa na área de educação física da UFPel é uma das mais bem avaliadas do país, principal mente na área de atividade física e saúde, é considerada disparadamente a mais forte do país.

- Em 2011 você se tornou o único pesquisador não-britânico a receber uma das 27 bolsas de pesquisas da agência The Wellcome Trust, da Grã-Bretanha.

- A Wellcome Trust é uma agência de financiamento que decidiu fazer uma mudança de paradigmas na forma de distribuir dinheiro para a ciência. Isso ocorreu exatamente quando eu estava na Inglaterra fazendo o meu pós-doutorado. Normalmente, escreve-se um projeto e recebe-se o recurso ou não. Esse pessoal da Inglaterra decidiu fazer uma coisa diferente, por achar o sistema muito engessado. De repente o pesquisador descobre, no meio do trabalho, que é para outro lado que ele tem que ir, mas não pode. Então, eles decidiram pegar grandes pesquisadores, reconhecidos nas diversas áreas do conhecimento e dar um pote de dinheiro para eles e dizer: por um período X vocês fazem o que vocês quiserem. E eu fui selecionado na primeira leva que a Wellcome fez. É um recurso grande, de R$ 7 milhões, mais um menos um milh&at ilde;o de reais por ano, para conduzir uma pesquisa na área da atividade física e saúde. 

E qual o atual estágio da sua pesquisa?

- Ao longo destes sete anos (que terminará em 2018) tenho desenvolvido vários estudos. Criei o Observatório Global de Atividade Física, que é um projeto grande, abrangendo 139 países e que consumiu boa parte do investimento. A outra parte do investimento foi para o acompanhamento de crianças que nasceram em Pelotas em 2015. Acompanhamos desde a gestação, envolvendo a atividade física da mãe, da criança, comportamento físico, desenvolvimento, saúde mental. Tudo o que se pode imaginar está sendo investigado nessas crianças. Então, nestes dois grandes projetos estou usando o que a Welcome me deu com o compromisso de eu fazer o que achasse mais adequado durante o andamento da pesquisa. 

Explique mais, sobre a sua pesquisa, por favor

- Uma das análises, por exemplo, que estamos fazendo é se as mães que foram mais ativas durante a gestação, seus filhos, agora com um ano de idade, apresentam desenvolvimento motor melhor. É uma hipótese que está na literatura. Quando se fala que a atividade física emagrece, melhora a pressão arterial etc, a gente já sabe há muito tempo. Agora, estes outros resultados começamos a conduzir na área de atividade física e desempenho na escola, mostrando que as crianças mais ativas tendem a viver melhor, por exemplo. Também estamos fazendo alguns estudos na área de atividade física e cognição. Temos um estudo mostrando que criança ativa tem valores de QI mais alto. Tudo isso numa linha de pesquisa para entender bem a importância da atividade físi ca, a importância da atividade física para a saúde.

E no Brasil, qual a realidade da pesquisa?

- Pode-se dizer que nos últimos dois ou três anos o financiamento caiu um pouco. Mas tem alguns engessamentos que atrapalham. Um grande gargalo é a dificuldade de importação, por exemplo. É um problema gravíssimo. Custo e Burocracia. Um segundo gargalo é a prestação de contas, que é toda aquela lógica de que “todo mundo é desonesto até que se prove em contrário”. E isso é gravíssimo no mundo da pesquisa. Hoje já melhorou um pouco, mas houve época, como os pesquisadores que me orientaram contavam “causos espetaculares”. Por exemplo, faziam o orçamento do projeto e previam comprar um determinado computador, e davam as características e cotação. Mas projeto demorava seis meses para ser aprovado, mais seis meses para sair o dinh eiro. Ou seja, quando o dinheiro saía, um ano depois, aquele computador orçado, às vezes, já nem existia mais no mercado. No seu lugar tinha outro dez vezes melhor com preço também melhor. Mas o nível de burocracia era tão grande que o pesquisador era obrigado a comprar que citou no projeto, um computador fora de linha, porque não podia trocar por um computador melhor e mais em conta. Isso atrapalhou muito e atrapalha a pesquisa até hoje. 

E no seu projeto especificamente, como foi o acordo?

- No meu caso, a equipe da Wellcome Trust me disse: seu projeto foi aprovado e o valor é de R$ 7.113.000,00. Dentro deste valor e do que você se propôs, pode fazer o que quiser. A nossa avaliação do trabalho será no final, lendo os seus relatórios. Se não for dentro do combinado, não vamos financiar a próxima vez. 

E aqui no Brasil?

- Aqui no Brasil, não é assim. É uma prestação de contas exagerada para saber sobre a diárias, etc. Isso faz com que o pesquisador vire um gerenciador de recursos. As universidades têm que criar fundações para gerenciar, quando, na verdade, a grande avaliação que se faz numa pesquisa, hoje, é quando eu olho o projeto e vejo se é compatível com o valor do orçamento apresentado e, depois, quando o pesquisador publicou o artigo.  Aí vamos avaliar se o recurso foi bem usado etc. Agora, ficar fazendo microgerenciamento de recursos financeiro é um problema sério. 

Que outros problemas existem?

- Um outro problema é sobre a avaliação de produção científica, que é muito baseada em quantidade e não em qualidade. Este é um problema!!! E quem está dizendo isso é um cara que, no último triênio da CAPES, foi o pesquisador que fez a maior pontuação do país na área de Educação Física, e a maior pontuação do país na área de Saúde Coletiva. E eu estou dizendo que o formato de avaliação da produção científica no Brasil é equivocado. Enfatiza a quantidade e não a qualidade. Às vezes, aqui, vale mais publicar cinco porcarias do que um grande artigo. A ciência brasileira tem que ter coragem de enfrentar esta distinção de produção que envolve quantida de contra a qualidade. 

Você assumirá a Reitoria (em janeiro) num momento de grandes e polêmicas mudanças, na educação, inclusive. Qual a sua avaliação? 

- Dei uma entrevista ao O Globo sobre a proposta de reforma do ensino médio, me colocando fortemente contrário a algumas propostas dessa reforma. E junto à reforma do ensino manifestei-me sobre a PEC 55. Nos dois casos a linha argumentativa é adequada. A principal linha argumentativa da reforma do ensino é que os estudantes precisam ter mais flexibilidade curricular. Na PEC, a linha argumentativa é que o gasto público tem que ter limites. As linhas argumentativas dos dois casos são adequadas. Agora, o mote do proposto para resolver estes problemas é inadequado.

Como assim?

- Não pode se dar tanta flexibilidade, porque, daqui a pouco, o ensino médio vai virar única e exclusivamente uma preparação do aluno para o vestibular. Não faz sentido. Nos países onde há flexibilidade curricular ninguém tirou arte, educação física do currículo. Por quê? Porque estes conteúdos são de sustentação para outros conteúdos. Não faz sentido eu colocar toda semana matemática, ciências, português e achar que isso vai beneficiar os alunos. Não vai. Sem atividade física, ele não vai conseguir se concentrar na hora da prova, não terá a mesma tranquilidade, e terá menos capacidade de aprendizado. A proposta de reforma tem uma linha argumentativa razoável, mas com uma proposta de execuç&atil de;o que não é compatível.

E no caso da PEC dos gastos públicos?

No caso da PEC é o mesmo. Limitar o gasto público é necessário, mas jamais eu incluiria limites com a saúde. Os gastos com a saúde – e está é uma das minhas áreas de trabalho – é algo completamente imprevisível. A população brasileira está envelhecendo, é óbvio, e daqui a cinco anos vai se gastar com saúde muito mais do que se gasta hoje. Então, criar uma legislação que se bloqueia recursos é um equívoco conceitual. Já na área da educação é pior, porque nosso país está muito atrás. A gente conseguiu diminuir uns vinte anos a dificuldade de os jovens chegarem ao ensino fundamental. De uns anos para cá conseguimos resolver o problema de muita gente saindo da escola. Continua saindo, mas reduziu. Depois, o fato dos que saíam do ensino médio não iam para o ensino superior. Isso está melhorando.  Agora, congelar investimento na educação vai continuar mantendo este abismo entre quem está no ensino médio e o superior. E não vai dar suporte para os que estão superior continuarem. Não vão aguentar. O financiamento tem que ser aumentado. Pessoas que nunca chegariam à universidade hoje chegam. Mas, se cortar recursos, eles não se sustentam. O que precisa se fazer é colocar todo investimento na educação, porque em trinta anos vai se economizar 80% em gastos na segurança e em várias outras áreas. Não pode inserir educação e saúde junto com outras categorias de gastos públicos. De novo temos uma linha argumentativa boa, mas um método de execução equivocado . 

Mas isso está se tornando um debate político 

- É um debate de manifestações de posições. Não entendo que ser contra a PEC ou contra a reforma do ensino médio signifique ser inimigo ou amigo...

Os estudantes entraram neste debate geral. Você é um jovem reitor. Muitos jovens foram eleitos prefeitos. É a vez dos jovens?

- É a vez dos jovens no ensino, na política. Mas, é a nossa vez do quê? O contexto de eu ser jovem me favoreceu na eleição, sem dúvida. Tive facilidade de contato com os estudantes. Mas existe uma carga de responsabilidade muito grande. Fazer o que chegando lá (na Reitoria)?  Precisamos também ouvir a voz da experiência. Não é porque o jovem está tomando conta, mas sem dialogar com ninguém não vai resolver. O bom é que o jovem está engajado na luta, mas esta luta tem que ser feita com quem tem experiência, maturidade, quem já vivenciou coisas mais complicadas do que as que estamos vivenciando hoje.