Resumo

Introdução: Em 2015, cerca de 40 milhões de pessoas morreram em decorrência das doenças crônicas não-transmissíveis, sendo que 80% destas viviam em países de baixa ou média renda como o Brasil. Muitas destas doenças são associadas com baixos níveis de atividade física (AF) como resultado de hábitos da vida contemporânea. Estudos recentes têm demonstrado uma correlação inversa entre os níveis de AF e a mortalidade por doenças crônicas. Ainda, baixos níveis de AF se mostraram como um fator ainda mais perigoso que um elevado peso corporal isoladamente. Portanto, a caracterização da exata demanda energética (i.e, os níveis de AF) ao longo do dia é de grande interesse público pois seria possível investigar quais são os padrões de AF que precedem o aparecimento das doenças crônicas. Ainda, a partir do entendimento dos padrões de AF, programas de treinamentos específicos poderiam ser propostos no sentido de otimizar a performance esportiva. No entanto, a correta caracterização dos níveis de AF depende da coleta de sinais físicos e biológicos que muitas vezes só são possíveis em ambientes controlados. Logo, o desenvolvimento de equipamentos médicos vestíveis (i.e., wearables) que coletam sinais de maneira ambulatorial, fora do ambiente hospitalar ou de pesquisa, poderia suprir a necessidade de avaliação contínua das respostas fisiológicas. Portanto, profissionais da saúde ou os próprios usuários/pacientes poderiam usufruir da coleta de dados de maneira remota e a correta caracterização dos padrões de AF, por meio desses dados, representaria um avanço significativo no campo da tecnologia a serviço da saúde. Recentemente, técnicas de aprendizado de máquina vêm sendo utilizadas para o estudo de dados biológicos longitudinais, porém, ainda evidencia-se uma distância entre o campo da Fisiologia do Exercício e essas técnicas avançadas de processamento de sinais. Objetivo: O objetivo deste estudo foi utilizar técnicas avanças de aprendizado de máquina para a caracterização precisa dos níveis de AF por meio da coleta longitudinal de dados biológicos por sensores wearables. Materiais e Métodos: Foram avaliados 13 homens sadios ativos (26 ± 5.6 anos, 179 ± 9 cm de estatura e 79 ± 13 kg de massa corporal). Todos os procedimentos empregados neste estudo seguiram recomendações éticas e legais quanto à pesquisa com seres humanos. Este estudo longitudinal foi dividido em duas etapas. A primeira foi caracterizada pelo treinamento dos algoritmos de aprendizado de máquina. Para tal, os participantes se dirigiram ao laboratório onde vestiram uma camiseta (Hexoskin®, Carré Technologies Inc., Montreal, Canadá) que coleta diversos sinais biológicos através da fusão de diversos sensores wearables (eletrocardiograma, cinta respiratória e acelerometria de quadril). As variáveis, estimadas segundo-a-segundo, foram: frequência cardíaca (FC), ventilação minuto (VE), frequência respiratória (FR), aceleração total do quadril (AQ) e cadência da caminhada (CC). Nesta fase do estudo, os participantes também foram monitorizados por meio de um sistema metabólico portátil (K4B2, COSMED, Itália) que avalia o consumo de oxigênio (VO2) respiração-a-respiração. O VO2, neste contexto, foi interpretado como a variável relacionada com os níveis de AF, onde a resposta do VO2 é diretamente relacionada com a demanda energética. As atividades físicas realizadas pelos participantes foram compostas por atividades da vida diária (como: organizando um armário, caminhada livre, carregando compras, e utilizando o computador) e caminhadas controladas em diferentes cadências (75, 105 e 135 passos/s). Os dados coletados durante tais atividades foram alinhados, interpolados linearmente em 1 Hz e importados no Matlab R2016a (MathWorks, Natick, MS, USA) onde os algoritmos foram implementados. A estrutura do treinamento da máquina foi baseada na habilidade da mesma em "aprender", após um período de treinamento, a predizer o VO2 baseado nos dados obtidos pelos sensores wearables. A validação das predições foi baseada em um método padrão-ouro de cross-validação (leave-one-participant-out). Diante de todos os algoritmos testados (incluindo, por exemplo, redes neurais artificiais, regressões e árvores de decisão), a abordagem por florestas randômicas retornou as melhores predições do VO2. Portanto, o algoritmo final de predição dos níveis de AF (i.e., VO2) foi composto pela média de todas as florestas randômicas geradas na cross-validação, formando um algoritmo de selva randômica. Uma vez construído o modelo de predição, a segunda fase do estudo se iniciou. Neste momento, os voluntários vestiram os sensores wearablespor, em média, 6.3 ± 1.4 horas por dia durante 4 dias subsequentes. A selva randômica foi utilizada para se obter o VO2 ambulatorialmente baseado nos demais sinais captados pelos sensores wearables ao longo do dia. A acelerometria do quadril foi utilizada para definir quando o participante estava ativo ou não. Os níveis de AF foram classificados de acordo com o índice metabólico (METS) estimado pela razão VO2/3.5 em ml/Kg/min. Desta forma, a AF foi classificada como "Leve", "Moderada" ou "Vigorosa" quando os METS eram menores que 3, entre 3.1 e 6, e maiores que 6.1, respectivamente. Resultados: O algoritmo de selva randômica foi capaz de estimar o VO2 a partir dos sensores vestíveis com um erro médio de apenas 0.007 ml de oxigênio por kg por minuto (e uma correlação de aproximadamente 88%). A Figura 1 mostra os histogramas normalizados pelo número total de amostras referentes aos dados ambulatoriais dos níveis de AF obtidos pelos sensores vestíveis quando os participantes estavam inativos e ativos. Nota-se que, quando inativo, os participantes consumiram em média 4.8 ml de oxigênio por kg (equivalente a 1.3 METS, como representado por "A" na Figura 1). Ainda, é interessante apontar que, para cada nível de AF (leve, moderada ou vigorosa), há uma pico de incidência, ou seja, um padrão de comportamento entre os participantes (representados por B, C e D, respectivamente).
Figura 1. Conclusões: Em conclusão, o presente estudo mostrou que a utilização de tecnologias wearables, associadas a algoritmos de aprendizado de máquina, podem ser utilizadas para o monitoramento preciso dos níveis de AF durante atividades realistas não supervisionadas. A curto prazo, a tecnologia desenvolvida neste estudo tem o potencial de integrar sistemas wearables para um mapeamento mais preciso das associações entre os padrões específicos de AF com o aparecimento das doenças crônicas, impactando portanto, as políticas públicas de saúde.

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