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Em meio as discussões sobre a polêmica redução da jornada de trabalho entre nós, uma notícia me chamou muito a atenção nos últimos dias. E vem da China, país aonde o futuro já chegou, mas que convive com muitas tradições, especialmente em valores de disciplina e da valoração suprema do trabalho como condições de dignidade e humanidade. Vemos um misto dos dois aqui. Vamos aos fatos.

Com uma taxa de desemprego em os jovens alta (14%) muitos deles estão pagando para irem a escritórios e escritórios e fingirem, isso mesmo, fingirem que trabalham, ao invés de ficarem em casa.

Afora os nobres trabalhos voluntários, necessários ao bem-estar pessoal e social, parece inconcebível que alguém possa “trabalhar”, sem receber salários, ou ainda pior, pagar por isso.  Mas a reportagem de Sylvia Chang para a BBC News aponta essa tendência no país asiático, que vem gerando, dada a sua aderência, um aumento no número de empresas que fornecem os serviços. De modo geral as ofertas de espaços se assemelham com escritórios totalmente funcionais, equipados com dispositivos eletrônicos, acesso à internet, e locais para reuniões e chás.

As ocupações invidiais ou em grupos, podem incluir procura de empregos, e dependendo da diária, dão direito a almoço e lanches variados.

A reportagem destaca a afirmação de um Professor de Administração, especialista em economia chinesa, que considera os escritórios fictícios como uma “solução transitória”.

Será que isso poderia ser um avanço para a geração “nem, nem”, que tem como uma das suas causas de crescimento, no mundo todo, o descompasso entre sua formação escolar e o mercado de trabalho? Assim, talvez poderiam exercitar a disciplina e procurar emprego, ou mesmo pensarem sobre um negócio próprio, ao invés de ficarem o tempo todo à toa e largados?

Muitos jovens documentam suas experiencias e as enviam para Universidades que exigem estágios, cada vez mais difíceis de conseguir. Outros procuram dar uma satisfação às famílias que os pressionam pela falta de empregos.

O sucesso dos empreendimentos de escritórios fakes, segundo outros analistas advém de um sentimento misto de frustação e impotência, diante da falta de oportunidades de emprego.

O proprietário de uma das empresas, de 30 anos, afirma que o que vende não é uma estação de trabalho, mas, “a dignidade de não ser uma pessoa inútil”.

Talvez isso se aplique à cultura chinesa, mas dificilmente ocorreria entre nós, com valores bem mais flexíveis nesse sentido, e terra das bolsas governamentais de diferentes espécies.

Será que isso pode contribuir, como alegam os defensores da iniciativa para transformar o ambiente de trabalho fake, em ponto de partida para inserção na vida produtiva remunerada?

Atitudes fakes no mercado do trabalho sempre existiram, mas parece que agora ganham mais presença e variedade, como o "Task masking", popularizado pela geração Z, nas redes sociais, e que consiste em mostrar para as chefias sua produtividade, mesmo que fingindo: andando rápido nos corredores, atendendo telefonemas estressado, folheando folhas de papel, passando por planilhas nas suas telas etc. etc.

Tudo isso pode comprometer a saúde mental dos envolvidos, além de cansar muito, sem que as ações resultem em trabalho de fato.

Educação para o trabalho que inclua novas tecnologias, mercado preparado para receber as gerações que chegam a ele, e uma política de lazer variado e acessível, que estimule o desenvolvimento pessoal e social, parecem medidas bem mais eficientes.