Integra

1 - Introdução

O presente texto tem por objetivo pensar as possíveis mediações que as novas competências podem vir a estabelecer para a educação física, na medida em que têm-se através da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a tentativa de se justificar esta disciplina enquanto geradora de novas competências no interior da escola. Porém, percebe-se na essencialidade destas novas demandas uma certa impossibilidade da educação física gerir, pelo menos as demandas que estão colocadas, por conta da visão hegemônica com a qual esta é encarada.

2 - Educação e as novas competências

A educação, atualmente, tem passado por várias discussões no que concede a incorporar em suas ações pedagógicas, alterações na formação humana, para um dito mercado de trabalho cada vez mais dinâmico. A escola novamente se encontra em foco dos interesses hegemônicos sendo exigida desta uma formação humana antenada com os anseios deste mercado (Frigotto, 2000).

Pode-se dizer que o momento histórico por que passa a educação é sem dúvida de profundas mudanças capitaneadas segundo os contornos da reestruturação produtiva por que passa o capitalismo.

A partir de mais uma crise, que o capitalismo vem sofrendo, se faz necessário no campo educacional, a formação de um novo trabalhador para atender a nova fase de acumulação do capital, assim conhecida como globalização financeira (1)

Neste contexto tem-se presente um novo modelo de organização do trabalho conhecido como toyotismo (GOUNET, 1999), e que a partir de novas tecnologias veio para superar os modelos de produção do passado, o taylorismo/fordismo, que não conseguiram gerir a sua superprodução conseqüente, acompanhando, portanto, a natureza estrutural da crise do capitalismo.

Eis que se faz presente um novo tipo de trabalhador. O modelo fordista pautado numa qualificação do trabalho, hierarquizado e restrito a sua função na linha de montagem; além de esgotada na sua possibilidade de realizar as mercadorias, não atende mais a um mundo onde "acumulação flexível" são palavras de ordem. Segundo KUENZER (1999)

Compreendida desta forma, a formação humana para a vida social e produtiva não mais repousa sobre a aquisição de modos de pensar e agir definidos individuais e diferenciados a partir do lugar a ser ocupado na hierarquia do trabalho coletivo, deixando de ser concebida, como o faz o taylorismo/fordismo, como conjunto de atributos individuais, psico-físicos, comportamentais e teóricos, prévia e socialmente definidos. (p. 05)

Portanto uma nova noção perfaz o ideário da formação para o trabalho. Denominada de novas competências esta nova noção adentra no campo da educação provocando fortes mudanças no que concede a adequar os perfis dos futuros trabalhadores para as demandas do dito mercado de trabalho.

É sob esta nova noção em que se baseia o modelo de organização do trabalho denominado de toyotismo, ou modelo japonês. Ao contrário do modelo fordista, o toyotismo se desenha através de uma organização fabril bastante flexibilizada. O trabalhador para interagir com esta produção flexibilizada, também precisa ser flexível, ou seja, polivalente. Isto infere em se pensar em uma nova formação dita humana para os futuros trabalhadores.

O campo educacional, sem sombra de dúvidas, se torna um instrumento de vital importância no projeto hegemônico de formação humana. Segundo RUMMERT (2000)

No que se refere particularmente à educação; destaca-se sua dimensão empresarial, e a concepção da mesma como fator de produção e potenciadora do fator trabalho. Na sociedade moderna, em particular numa sociedade como a brasileira, que aspira incluir-se no quadro de modernidade vivido pelos países desenvolvidos, a educação assume papel de ponta, constituindo elemento fundamental ao êxito econômico do país, à sua inserção no competitivo mercado internacional e à sua transformação num ambiente cultural, social e econômico compatível com o mundo globalizado. (p. 104)

3 - Parâmetros Curriculares Nacionais e a educação física

Em vista desta reestruturação produtiva a escola tem passado por várias reformas na década de 90. NEVES (1999) ao tratar deste assunto, faz menção de que no governo de Fernando Henrique Cardoso, a educação tem sido uma das prioridades no que concede a promover várias mudanças no que se refere a uma nova formação para os futuros trabalhadores. Seja por intermédio de decretos, leis, propostas entre outros; este governo tem seguido, com todo o rigor, o receituário internacional imposto pelo Banco Mundial de investir ações no sistema de ensino elementar (educação básica) para que este possa ser proveitoso ao crescimento dos países do núcleo periférico do capitalismo.

Das várias mudanças, para efeito de estudo, destacaremos os Parâmetros Curriculares Nacionais(2) (PCN´s), enquanto uma proposta do governo, via Ministério da Educação (MEC) que vem a estabelecer uma direção no processo de formação humana no ensino fundamental prioritariamente.

Os PCN´s apresentados pelo governo FHC, apresentam-se em total consonância com a reestruturação produtiva fazendo referência ao novo tipo de trabalhador. No livro introdutório encontra-se escrito

Não basta visar a capacitação dos estudantes para futuras habilitações em termos de especializações tradicionais, mas antes se trata de ter em vista a formação em termos de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, "aprender a aprender". Isso coloca novas demandas para a escola (BRASIL, 1997, p. 34).

Ou seja, os tempos que se apresentam hoje, são outros, sendo assim a educação tem de estar em sintonia com a atualidade. Em vias disto, são necessárias mudanças. O eixo da escola deverá estar preocupado com a formação do futuro trabalhador.

No tocante às disciplinas que compõem o currículo escolar da educação básica, frente à demanda de novas competências, pode-se perceber que estas irão estabelecer uma hierarquização de algumas disciplinas, em relação a outras.

No caso da educação física, desde a sua gênese no Brasil, uma das suas premissas sempre foi de se alinhar ao projeto dominante de sociedade, contribuindo para a formação de um modelo de homem necessário aos anseios concretos de determinada classe hegemônica (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Seja pela instituição militar, como pela instituição esportiva; a educação física foi fortemente influenciada por estas ao propagar o ideário hegemônico da classe burguesa que estava em ascensão e que necessitava de um trabalhador fisicamente preparado para compor as forças de trabalho da indústria que estava se desenvolvendo.

Enfim, a educação física sempre foi utilizada como um instrumento de propagação dos ideários hegemônicos em que pese a formação humana para um determinado fim. E isto valeu à educação física escolar, uma posição de destaque em relação às outras disciplinas, garantida no projeto governamental dominante, de forma ímpar, hierarquizada.

Não obstante, atualmente tem se percebido um movimento diferente. Um novo projeto de formação humana se apresenta para a escola, tendo como balizador, a demanda de novas competências, que são necessidades decorrentes de novas tecnologias e das novas formas de organização do trabalho. Em sua essência, a posse destas demandas, recaem em "(...) uma série de habilidades intelectuais em detrimento das habilidades motoras" (TREIN, 2000, p. 03).

Assim, tem-se agora uma nova formação em que pese uma dimensão mais intelectual do que física, instaurando-se, de uma certa forma, o avesso das exigências que se apresentavam nos modelos de produção do passado (Taylorismo/Fordismo), o qual fazia-se necessária uma dimensão mais física do que intelectual ao trabalhador.

Quando se observa em que se baseiam as novas competências e como a educação física tem servido ao poder hegemônico constata-se a princípio que esta nova formação que prioriza uma dimensão mais intelectual a educação física não contribuiria imediatamente para as novas competências já que hegemonicamente a mesma foi/é entendida pela dimensão física de que trata.
Porém, contraditoriamente na medida em que se faz esta observação, vê-se através de um dos principais projetos do governo, os Parâmetros Curriculares Nacionais, a justificativa da educação física escolar na sua contribuição imediata para a demanda de novas competências.

Em vista disto, é controverso entender o papel que se pretende para a educação física escolar uma vez que de um lado os PCN’s apregoam a sua contribuição às novas demandas; por outro a dimensão intelectual e comportamental destas demandas traduz que as disciplinas que se aproximam mais desta dimensão tem maior contribuição, e com isto, destaque na escola. A educação física, aos olhos hegemônicos, trata mais da dimensão física. Sendo assim não contribuiria em primeira instância para a formação de um novo trabalhador no âmbito formal, o que implica a sua secundarização neste último.

O esforço governamental de se investir na construção do PCN - Educação Física, imediatamente apresenta-se mais numa demarcação da centralidade que as novas competências assumem no interior da escola, de tal forma que todas as disciplinas curriculares teriam que agremiá-las em suas ações pedagógicas numa idéia de todos pelas competências.

Mesmo que a educação física, hegemonicamente, seja afirmada pela dimensão física, faz-se importante que, politicamente, esta disciplina seja também um veículo de divulgação destas novas demandas no interior da escola, ainda que por via documental.
Neste sentido faz-se importante que os trabalhadores em educação física escolar estejam atentos à proposta dos PCN - educação física de forma a poderem captar a essência e as intencionalidades que não se apresentam dadas mas mediatizadas segundo os interesses de uma classe dominante que se ocupa a todo momento de ocultar a verdade camuflando a essência do fenômeno, o que impossibilita ao homem produzir a realidade reconhecendo-se como sujeito transformador (KOSIK, 1976).

Notas

  1. A globalização financeira se apresenta como a nova fase da fase monopolista capitalismo. A globalização em sua essência se desenha como a estratégia maior do projeto neoliberal, na busca da ampliação do mercado consumidor, para poder realizar as mercadorias provenientes da produção excedente.
  2. Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem-se em orientações do governo, por intermédio do Ministério da Educação (MEC), no que concede a estabelecer uma direção no processo de formação humana dos projetos de escolarização do Sistema Nacional de Educação, especificamente para o ensino fundamental. Não possuem caráter obrigatório, respeitando o princípio federativo de colaboração Nacional. Mas não deixam de ser da direção, centralização, orientação curricular do Estado.

Obs. O autor, professor Graziany Penna Dias é Pós-graduando em Fundamentos Teóricos e Metodológicas de Educação Física Escolar da Universidade Federal de Juiz de Fora e professor nível I do Estado do Rio de Janeiro no CIEP Marco Pólo e professor nível 3 do Estado de Minas Gerais na E. E. Ali Halfeld

Referências bibliográficas

  •  Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
  • Coletivo de  autores, Metodologia do Ensino da Educação Física Escolar. São Paulo: Cortez, 1992.
  • Frigotto, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real - 4ª - São Paulo: Cortez, 2000.
  • Gounet, Thomas. Fordismo e Toyotismo na Civilização do Automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.
  • Kuenzer, Acácia Zeneida. O Ensino Médio Agora é Para a Vida: Entre o pretendido, o dito e o feito. Texto mímeo, 1999.
  • Kosik, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
  • Neves, Lúcia Maria Wanderley. Educação: Um Caminhar para o Mesmo Lugar. In: LESBAUPIN, Ivo (organizador). O Desmonte da Nação - Balanço do Governo FHC - 3ª ed. - Petrópolis: Vozes, 1999.
  • Rummert, Sonia Maria. Educação e Identidade dos Trabalhadores: as concepções do capital e do trabalho. São Paulo: Xamã, 2000.
  • Trein, Eunice S. Educação e Transformações no Mundo do Trabalho. Encontro Regional de Educação Física Escolar. Anais - Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora - Faculdade de Educação Física e Desportos, 2000.