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Apresentação e contextualização

A educação brasileira vem passando por momentos de profundas transformações atuais, sobretudo a partir da década de 1960, quando começou a ser influenciada pelas políticas internacionais através das agências de fomento. As políticas educacionais que se apresentam aos países ditos em desenvolvimento se encontram em boa parte atreladas à agência de crédito do Banco Mundial (BIRD), o qual vêm interferindo diretamente na educação brasileira por intermédio do processo de cooperação internacional, na forma de incentivos financeiros à educação e de coalizões entre o Banco Mundial e as diversas regiões do Brasil, culminando em realizações de projetos para expansão da oferta de ensino, inclusive no setor privado (Trotte, 2005). Nesse sentido, afirma Pinto (2002. p.14):

"[...] a orientação educacional brasileira, principalmente a escolar, reafirmou seu compromisso com os princípios liberais no sentido da qualificação dos recursos humanos para o capital. É onde entram em cena as agências internacionais de cooperação, quando a escola é comparada à empresa e a educação se torna mercadoria. Assim o trabalho passa a ser visto como uma mercadoria especial que também poderá ser vista como capital".

Tendo como pano de fundo a manutenção de uma política de cunho neoliberal para a diminuição de custos e a criação de oportunidades de acesso ao sistema educacional público, ao longo dos anos, novos conceitos foram introduzidos na orientação educacional brasileira.

Para citar alguns conceitos tais como: globalização, competências e habilidades, competitividade, qualidade total, formação polivalente, entre outros. Diante do exposto, consideramos necessário atentar para o fato da educação brasileira estar vinculada em certa medida aos interesses da lógica do mercado.

Com as mudanças das políticas educacionais pelo MEC, observamos dois fenômenos distintos: Por um lado o Estado foi se descomprometendo gradativamente com o financiamento da educação pública e por outro lado, promoveu o incentivo às instituições privadas privilegiando-as com generosos recursos.

Esse contexto educacional acaba por influenciar todo o ensino superior e por volta da década de 1990, passam a se traduzir em leis e parâmetros educacionais de forma mais contundente. Novamente Pinto (2002, p.17) nos chama a atenção para as reformas dos cursos de licenciatura, pois, após a formulação da última LDB (nº 9.394/96), uma série de normatizações necessitou ser elaborada e implementada, possibilitando novos arranjos curriculares nas universidades.

Tais ações políticas polêmicas incentivam até os dias atuais, calorosos debates em torno do tema. Entretanto, apesar da posição crítica sobre o tema, nosso estudo focaliza especificamente os avanços acadêmicos resultantes dessas profundas mudanças no intuito de aproximar a universidade à prática profissional do cotidiano. Como exemplo, citamos a introdução de horas-campo como complemento dos conteúdos de algumas disciplinas e o aumento da carga horária da Prática de Ensino (o artigo 65 da LDB estabelece que: a prática de ensino deve ter no mínimo 300 horas).

Tais normatizações culminaram em uma rediscussão sobre a formação do professor de Educação Física que pretende atuar no contexto escolar. No entanto, toda essa discussão não garantiu uma efetiva/verdadeira aproximação dos licenciandos com as instituições escolares. Diante disso, Vaz, Sayão e Pinto (2002, p.9), ressaltam a necessidade de uma articulação real entre a docência e o conjunto de processos de formação inicial da parte dos licenciandos e os processos de formação em serviço da parte dos profissionais da escola atrelados a um aprofundamento das políticas educacionais, tais como: LDB, Diretrizes curriculares, PCN’S e o projeto político - pedagógico da escola.

Para destacar a importância dessa parceria Universidade e Escola Pública, tomaremos como ponto de partida o entendimento da prática de ensino como um eixo norteador curricular para a formação de professores. Por intermédio dos procedimentos pedagógicos, o licenciando pode perceber a realidade social de forma crítica e de como se estrutura a rede de relações estabelecidas no cotidiano escolar. Inclusive as relações de poder que são travadas entre os segmentos da escola, entre as disciplinas que compõem o currículo e a hierarquia escolar.

De acordo com o autor, também consideramos importante a compreensão do espaço escolar não apenas como um laboratório de vivências práticas para a formação de professores sem qualquer consistência teórica, mas como um espaço de experimentação do trabalho pedagógico que busca refletir sobre reais possibilidades de superação dos problemas enfrentados no cotidiano escolar no cumprimento de suas tarefas.

A articulação da universidade com a escola pública pode promover a construção dos espaços de democratização do conhecimento que vão ao encontro das necessidades de ambas instituições. A escola tem a possibilidade de refletir sobre seus limites e suas possibilidades do seu compromisso em formar um aluno-cidadão, além de oferecer à universidade questões de estudo do cotidiano escolar. E a universidade por sua vez, pode buscar as respostas para os problemas enfrentados pela escola pública, e ao mesmo tempo, redimensionar a formação de tais professores e investir no professor pesquisador do cotidiano escolar.

É necessário frisar que não podemos compartimentalizar os saberes e a construção do conhecimento entre a universidade que produz o conhecimento e a escola que o coloca em prática. Essa visão reduz as intervenções que as instituições produzem em seu cotidiano e que, não raro, essas ações não são exclusividade de uma ou de outra instituição.

Acreditamos na existência de tensões permanentes entre as teorias pedagógicas e a realidade social concreta. Dessa forma, pode-se afirmar que ambas se complementam e possibilitam a existência de uma práxis (relação dialética entre ação/ teoria/ação).

De fato, a universidade e a escola ainda encontram-se em posições distantes entre as pesquisas realizadas sobre o cotidiano escolar e a dinâmica encontrada nas escolas. O tripé universitário "ensino, pesquisa e extensão" carece de uma reformulação na busca de uma aproximação concisa com a realidade escolar. Observamos que grande parte dos cursos de licenciatura em educação física ainda mantém-se restritos ao ensino conteúdista desconectado dos conflitos e das contradições sociais reproduzidos na escola.

"A pulverização de disciplinas fragmentadas nos cursos de Educação Física é, em última análise, uma das conseqüências das reformas curriculares em curso - desde a Resolução de 03/87 - bem como sua reedição pela LDB e as inconseqüentes propostas de diretrizes curriculares hoje em discussão. Assim, os currículos de formação de professores de Educação Física costumam apresentar numa mesma fase-nomenclatura utilizada para denominar o rol de disciplinas a serem cursadas durante um semestre-disciplinas de diferentes áreas com pouca ou nenhuma articulação entre elas. Se não tem a Prática de ensino como eixo articulador, as disciplinas ainda não encontraram outra possibilidade que as faça desenvolver um projeto de ensino comum de formação de professores"(Pinto, 2002, p.30).

A universidade necessita discutir metodologias de ações que superem a função utilitarista em relação à escola. Nesse sentido, redirecionar e ampliar não somente a prática de ensino no currículo universitário, como também, rever as ementas e as metodologias das disciplinas que podem atuar no contexto escolar, valorizando o aspecto pedagógico, pode ser uma oportunidade na tentativa de rever o papel da universidade.

A hierarquização do conhecimento proporciona também uma forte barreira entre as instituições citadas. É comprovada a enorme dificuldade que o professor da escola tem em participar de cursos, palestras e discussões em sua área de estudo. Os baixos salários e a conseqüente necessidade de diversos empregos e o preconceito acadêmico existente entre os grupos citados, dificultam esse intercâmbio. Nesse sentido, perdemos a oportunidade da troca de experiências e estudos que proporcionariam aproximações entre as instituições.

Nesse aspecto específico, a prática de ensino ao longo dos anos vêm contribuindo para essa desejada aproximação por intermédio dos estágios supervisionados que proporcionam um intercâmbio essencial para ambas às instituições. A partir dessas análises, um grupo de professores do colégio estadual Visconde de Cairu e da disciplina de prática de ensino da UFRJ iniciaram reflexões e discussões acerca das aproximações do hiato verificado entre a escola e a universidade.

A construção da pretensão

O projeto teve início no ano letivo de 2000 em que passamos a receber estagiários de um dos professores da disciplina estágio supervisionado da UFRJ e atualmente mantemos a parceria com uma professora da disciplina que trabalha em ambas as instituições. O projeto consiste em relacionar o conhecimento específico da disciplina em confronto com as experiências vivenciadas no cotidiano escolar. Os conhecimentos produzidos nas instituições referenciam-se mutuamente nas teorias e metodologias aplicadas em comum acordo com os professores envolvidos no projeto. As discussões pedagógicas na construção do planejamento, das unidades a serem enfocadas, bem como, os métodos e estratégias e processo de avaliação são realizadas com a participação dos envolvidos das duas instituições, com a posterior participação dos estagiários envolvidos no projeto.


A relação com os estagiários

Recebemos no colégio há 6 anos, alunos do penúltimo período de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Quando os licenciandos chegam à escola no início do período letivo, passam no primeiro momento pelo SOE (setor de orientação educacional). A seguir, são realizadas reuniões para que se possam estabelecer algumas regras básicas de estágio (manuseio do diário de classe, regras de convivência do grupo e com os alunos e tarefas administrativas do cotidiano escolar) e lhes é passado o planejamento anual das turmas com cronograma de aulas. O objetivo dessas reuniões é apresentar a escola, definir metas de trabalho em conjunto e possibilitar aos licenciandos compreender a engrenagem da escola e do viés pedagógico da disciplina, refletido paralelamente nas aulas da disciplina da universidade e nas discussões em reuniões da escola. A avaliação das experiências dos licenciandos ocorre no cotidiano das aulas, ou seja, os licenciandos socializam suas experiências de estágio ao final de a cada aula, buscando possibilitar uma avaliação coletiva do trabalho pedagógico que está sendo realizado. O projeto possui como um dos pilares a consciência das limitações que enfrentamos, tanto no aspecto administrativo da escola, quanto às possibilidades acadêmicas experimentadas no cotidiano. Este projeto ainda carece de maior aprofundamento teórico e também de uma melhor organização de ambas as partes envolvidas. Entretanto, apesar da total falta de apoio da secretaria de educação e também da direção da escola, parte do conjunto de professores de Educação Física do colégio estadual Visconde de Cairu, que construiu e fundamentou a referida proposta, é formado por professores que buscam aprofundar-se nas questões profissionais, por intermédio de cursos de pós-graduação, bem como, na atuação nos sindicatos da categoria. Nesse sentido, o espaço entre o que se deseja e o que se pode realizar na escola parece ser bem resolvido no grupo.

Descrição do cotidiano escolar

"O entendimento ampliado a respeito das múltiplas e complexas realidades das escolas reais, com seus alunos (as), professores(as) e problemas reais, exige que enfrentemos o desafio de mergulhar nesses cotidianos, buscando neles mais do que as marcas das normas estabelecidas no e percebidas do alto, que definem o formato das prescrições curriculares. É preciso buscar outras marcas da vida cotidiana, das opções tecidas nos acasos e situações que compõem a história de vida dos sujeitos pedagógicos que, em processos reais de interação, dão vida e corpo às propostas curriculares" (Oliveira,2003,p. 69).

Apesar de se situar como uma das disciplinas de pouco prestígio nas relações de poder na escola, conquistamos um acordo tácito com os professores das demais disciplinas para que antecipem o término das aulas em aproximadamente dez minutos, objetivando que os alunos se desloquem das salas de aula para o setor de educação física, localizado no prédio anexo. É interessante frisar que, não raro, esse acordo é descumprido por alguns professores, pelo fato de considerarem suas disciplinas mais importantes, reproduzindo a hierarquia escola citada anteriormente, gerando o que consideramos conflitos sociais reproduzidos na escola, enquanto representante institucional no reforço das relações de poder.

A cada início de ano letivo os professores envolvidos no projeto se reúnem para elaborar o planejamento anual denominado plano de curso. Apesar de teoricamente possuirmos semelhantes concepções, a dinâmica do cotidiano denuncia as contradições entre o discurso e a prática pedagógica do grupo e constantemente os conflitos surgem, tal como afirma Oliveira:

"[...] os estudos do cotidiano buscam trabalhar sobre as práticas curriculares reais, entendendo-as como complexas e relacionadas a fazeres e saberes que nem sempre, ou raramente constituem um todo coerente. Isso significa que os professores tecem suas ações pedagógicas no cotidiano a partir de redes. Essas redes podem ser, na maioria das vezes, contraditórias em relação às convicções e crenças, às possibilidades e limites, que vão da regulação à emancipação." (2003, p.81/82).

O grupo de professores baseia-se em alguns referenciais teóricos tais como O Coletivo de Autores, a abordagem crítico-emancipatória de Eleanor Kunz, a cultural de Jocimar Daólio, a Sistêmica de Mauro Betti, PCN’s, entre outros. A equipe entende que a dinâmica do cotidiano escolar e a própria concepção teórica de cada integrante não se forma em apenas uma ótica teórica. Por muitas vezes, a prática pedagógica se realiza de forma mais voluntariosa que acadêmica. A convergência se dá no compromisso com uma educação de qualidade, crítica e participativa, seja qual for o sistema social vigente. Tal grupo de professores tem como desafio à adequação de conteúdos e métodos para atender a essa necessidade.

O projeto privilegia os seguintes princípios norteadores: a) valorização das experiências/vivências anteriores dos alunos (tem como ponto de partida a realidade vivida dos alunos/diagnose); b) planejamento e a tomada de decisão em grupo (professores e alunos); c)

Utilização de conteúdos temáticos significativos para os alunos, contextualizados historicamente e socialmente (aulas problematizadas);

d) valorização da cultura popular; e) o reconhecimento do conceito multifatorial da saúde e sua relação com a prática da atividade física regular; f) avaliação diagnóstica, formativa e contínua, que identifica conflitos no processo pedagógico e busca a superação coletiva com os envolvidos.

Partindo desses princípios, os conteúdos elencados pela equipe são desenvolvidos em forma de temas e problematizados durante as aulas. Tais conteúdos estão baseados na cultura do movimento humano, entendida aqui como uma forma de se movimentar no mundo.

São eles: os jogos (populares, e cooperativos), as ginásticas (diferentes tipos de ginástica, consciência corporal, entre outros), as danças atuais e manifestações folclóricas (capoeira e maculêlê), os esportes tradicionais com regras transformadas pelo grupo e corrida de orientação. Dessa forma, o planejamento para o ano letivo de 2006 utiliza uma diagnose realizada na primeira semana de aula. Essa diagnose tem como objetivo traçar um perfil das turmas, bem como, investigar suas perspectivas e o entendimento dos alunos sobre o que é Educação Física A partir dos dados colhidos na diagnose e posteriormente analisado pela equipe de professores, procura-se adequar as necessidades das turmas, em conjunto com os estagiários recém chegados à escola, ao planejamento pré-determinado pelos professores. O planejamento, apresenta-se dividido em 4 bimestres da seguinte forma:
1º Bimestre - tema: Conscientização corporal e meio ambiente.

Possibilitando ao aluno conhecer seus limites e capacidades corporais com isso adquirir graus consecutivos de autonomia para praticar atividades motoras em relação ao seu meio.

2º Bimestre - tema: Copa do mundo de futebol.

Por conta do apelo da mídia e a conseqüente influência no período, planejamos um campeonato, na qual, além das regras construídas pelo grupo, os alunos se dividiram em times, representando países participantes da Copa e paralelamente, pesquisas e debates sobre a cultura, política, curiosidades, a localização, clima, vegetação, densidade demográfica, em parceria com outras disciplinas da escola.

3º Bimestre - tema: Danças e manifestações folclóricas.

Elaborado a partir dos temas transversais: saúde, meio ambiente, sexualidade, ética, pluralidade cultural, trabalho e consumo. As turmas optam por músicas e coreografias de acordo com o tema escolhido e constróem suas apresentações.

4º Bimestre: Jogos populares e esportes coletivos com regras transformadas pelos alunos.

Incentivamos os alunos a pesquisarem em suas localidades, os jogos de seus antepassados que eram utilizados no cotidiano e os resgatamos para o espaço escolar. Posteriormente, incentivamos as transformações dos esportes tradicionais de quadra, com objetivo de torná-los adequados às capacidades dos alunos.

O processo de avaliação baseia-se na mesma estrutura de avaliação implementada no projeto para a reflexão das análises dos alunos da escola. Nosso objetivo em relação ao processo de avaliação é diagnosticar a construção do conhecimento nas esferas das aulas levando-se em conta aspectos como: presença, pontualidade, participação e cooperação nas aulas; evolução realizada na apreensão dos aspectos técnicos da unidade em questão e auto-avaliação do processo observado pelos alunos.

Limitações e possibilidades da realidade escolar

Apesar do contexto desfavorável, o professor da escola pode empreender ações que possibilitem a inversão dos valores em que a escola se propõe a reforçar e eternizar. Nesse sentido, a experiência vivenciada nos últimos anos da parceria escola e universidade entre o colégio Visconde de Cairu e o curso de Educação Física da UFRJ, além de proporcionar condições aos estagiários que ali se encontram com a esperança de compreender o seu papel crítico/social no magistério e as ações e reflexões necessárias para a tentativa de mudança, carregam consigo a possibilidade de renovação essencial para os professores necessitados de esperança em tempos de desânimo e descrença.

Obs. Os autores, prof. Dr. Marco A. Santoro Salvador (marcosantoro@uol.com.br) é professor da UNESA, Colégio Pedro II e C. E. Visconde de Cairu , a prof. Ms Sonia M. Siqueira Trotte (soniatrotte@globo.com) é professora da UFRJ, UNESA e C. E. Visconde de Cairu e Juliana Falcão (jufalcao@bol.com.br) é aluna UFRJ

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