Participação X Marginalização: Uma Reflexão Sobre a Abordagem Multicultural e Inclusiva em Aulas de Educação Física
Por Walmer Monteiro Chaves (Autor).
Em VI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Introdução
A questão central desse tema baseia-se na ocorrência de exclusões de alunos nas aulas de Educação Física escolar. Essas exclusões não são compatíveis com um discurso de educação progressista e crítico-superadora, capaz de formar cidadãos críticos e participativos na sociedade onde interagem.
O objetivo do presente trabalho é refletir acerca da importância da participação de todos os alunos nas atividades de aula, para que tenham acesso à cultura corporal e dela se apropriem, adotando um estilo de vida saudável e contribuindo para a formação geral.
A visão multiculturalista dá ênfase ao reconhecimento do pluralismo destacando a significância das diversidades culturais. A preocupação, pois, com o tema surge da compreensão de que todo indivíduo deve ser respeitado, reconhecendo-se e valorizando-se as diferenças individuais e as diversas formas de participação, criando-se, principalmente, oportunidades para que todos possam participar das atividades propostas e se apropriarem de seus benefícios.
Participação x marginalização
A importância da Educação Física escolar foi ressaltada no "Manifesto Mundial da Educação Física"- FIEP/2000 (Fédération Internationale D’Éducation Physique), que no capítulo XVI, tratou da "Educação Física e seu compromisso contra a discriminação e a exclusão social", concluindo que: " A Educação Física deve ser utilizada na luta contra a discriminação e a exclusão social de qualquer tipo, democratizando as oportunidades de participação das pessoas, com infra-estruturas e condições favoráveis e acessíveis".(art. 18, p.43)
Barros (1998), ressalta, que o período escolar é importante para introduzir as crianças na alegria e satisfação vivenciadas na prática de atividades físicas, sendo garantida pela legislação educacional a responsabilidade da escola em oferecer essa oportunidade.
Para Betti (1999), o aluno deve ser considerado como um sujeito humano e não somente como um objeto, tendo direito à Educação Física não como direito formal, mas como participação plena. Neste sentido todos os alunos devem ter acesso a todas as vivências e conteúdos oferecidos, adotando-se para isto estratégias adequadas.
Diferenciar o ensino, segundo Perrenoud (2000), é fazer com que cada aprendiz vivencie, tão freqüentemente quanto possível, situações fecundas de aprendizagem. A preocupação de ajustar o ensino às características individuais não surge somente do respeito às pessoas e do bom senso pedagógico. "Ela faz parte de uma exigência de igualdade: a indiferença às diferenças transformam as desigualdades iniciais, diante da cultura, em desigualdades de aprendizagem e, posteriormente, de êxito escolar" [...] (p.9)
William e Susan Stainback (1999) afirmam que a exclusão nas escolas lança as sementes do descontentamento e da discriminação social e o ensino inclusivo é a prática para todos, independente de talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural, visando atender às necessidades dos alunos.
Dentro de uma visão multicultural, a sociedade se torna cada vez mais diversificada e com isso faz-se necessário a aceitação e o respeito pelas diferenças, buscando-se ampliar as oportunidades para que todos possam desfrutar do aprendizado de novos conhecimentos, experiências e valores subjacentes à cultura corporal, bem como, da apreensão da prática social identificada com a formação de uma cidadania humanista e democrática.
Quando se discute sobre o pluralismo cultural e as diferenças, surge a necessidade de se atentar para grupos minoritários que, por vezes, são discriminados ou marginalizados. Essa exclusão, na Educação Física, recai sobre diferenças associadas ao gênero, raça, etnia, nacionalidade, naturalidade, classe social, religião, idade, habilidades motoras, biotipo, desempenho esportivo, classe trabalhadora, fatores sociais e emocionais, doenças crônicas, e portadores de necessidades especiais, dentre outras.
A escola tem um papel relevante em relação à educação da personalidade e, como conseqüência, no estilo de vida das pessoas visando a promoção da saúde. Sendo assim, a Educação Física tem um papel importante no desenvolvimento da motivação dos alunos para a prática de atividades físicas, não só no contexto escolar, mas também nos momentos de lazer.
Feijó (1998) considera que a Educação Física pode contribuir na aventura de descoberta da própria personalidade, que para existir precisa do social, pois [...] "no contato com as diferenças dos outros, fica mais fácil acompanhar e descobrir aqueles traços e modos que constituem o conjunto típico da própria personalidade".(p. 28)
O lúdico é uma das necessidades básicas da personalidade, do corpo e da mente. A atividade lúdica caracteriza-se por ser espontânea, funcional e satisfatória, contribuindo assim, para a auto-expressão e para o processo de auto-descoberta do aluno. Portanto, uma perspectiva de Educação Física escolar voltada para o rendimento esportivo, aptidão física, descoberta de talentos e esporte competitivo, estará fechando espaços para que alguns alunos excluídos desfrutem e se apropriem das contribuições para suas personalidades.
Bordenave (1992) coloca a participação como uma necessidade fundamental do ser humano. Através dela o indivíduo realiza, faz coisas e explora o mundo, interage com pessoas, satisfaz suas carências, desenvolve o pensamento reflexivo e sua auto-expressão, cria e recria coisas e se valoriza perante outros. Nesse sentido, a frustração da necessidade de participar constitui uma mutilação do homem social.
O autor acima citado, define marginalidade como estar fora de alguma coisa, às margens de um processo sem nele intervir. Para que haja marginalidade, ocorre a marginalização, de forma explícita ou velada, e esse preceito básico da exclusão, está pautado na exploração e sacrifício de alguns, para crescimento de outros.
Quando se trata do contexto escolar, deve-se atentar para a auto-exclusão do aluno, a exclusão por parte do grupo de alunos e professores e do estabelecimento escolar. Entender que existem diferenças individuais entre os alunos é importante no sentido de criar oportunidades para que todos participem das atividades propostas nas aulas, procurando identificar os motivos pelos quais alguns não participam.
A auto-exclusão do aluno ocorre, muitas vezes, por insegurança, medo, ansiedade, timidez, sentimentos de inferioridade, incapacidade e rejeição, dificuldade de socialização, baixa auto-estima, dentre outros fatores.
O aluno que se isola ou que é deixado à margem do processo, uma vez que "não incomoda ninguém", acaba recorrendo a mecanismos de fuga para não se expor. Por vezes a frustração de não participar gera atitudes agressivas que surgem como mecanismos de defesa.
A exclusão por parte do estabelecimento escolar ocorre, por exemplo, com reduções da carga horária, o não oferecimento da disciplina em determinados segmentos da educação básica, no ensino superior e no curso noturno, "dispensas" de alunos que estão envolvidos em alguma atividade na escola e falta de recursos materiais.
A Educação Física voltada para a formação da cidadania dos alunos deve ser crítica ao modelo que reproduz [...] "a marginalização, os estereótipos, o individualismo, a competição discriminatória, a intolerância com as diferenças, dentre outros valores que reforçam as desigualdades, o autoritarismo, etc.". (Resende e Soares, 1997,p. 33)
Ao contrário, o processo de intervenção educacional deve [...] "estar pautado em valores nobres de justiça, de tolerância às diferenças, de pluralidade, de liberdade, de fraternidade e de igualdade de condições e oportunidades".(ibid.,p. 31)
O Coletivo de Autores (1992,p.40) destaca a importância de uma reflexão pedagógica, [...] "sobre valores como solidariedade substituindo individualismo, cooperação contrastando a disputa, distribuição em confronto com apropriação, sobretudo enfatizando a liberdade de expressão dos movimentos, negando a dominação e submissão do homem pelo homem".
Considerações finais: enfrentando desafios...
A Educação Física no âmbito escolar deve ser entendida como uma disciplina curricular de enriquecimento cultural, fundamental à formação da cidadania dos alunos, baseada num processo de socialização de valores morais, éticos e sociais que consubstancia princípios humanistas e democráticos.
A participação nas aulas de Educação Física é um direito de todos os alunos que não deve ser visto apenas como uma questão legal ou formal, mas sob uma perspectiva de acesso pleno a todas as vivências que ela oferece. O professor deve oportunizar aos alunos atividades diversificadas e estratégias adequadas para que todos possam usufruir da cultura corporal e dela se apropriarem.
O direito dos alunos de participarem das atividades de aula está estreitamente vinculado ao dever dos profissionais da Educação Física de oferecê-las e, para isso, faz-se necessária a implementação de uma política de formação e atualização de professores, buscando instrumentalizá-los para atuarem dentro de uma abordagem multicultural e inclusiva.
Embora a legislação educacional garanta a responsabilidade da escola em oferecer a disciplina Educação Física nas grades curriculares, nem sempre isso ocorre e os profissionais da área devem estar atentos e atuarem em conjunto, no sentido de que esse direito seja oferecido aos alunos.
Utilizando o movimento como instrumento de diagnóstico, deve-se atentar para as diferenças individuais e as diversas formas de participação, sendo importante, para tal, um atendimento individualizado e a identificação dos motivos das possíveis exclusões, para que ocorram as devidas interferências buscando a superação dos conflitos.
A ação pedagógica deve permitir ao aluno: aquisição de novos conhecimentos, escalas de valores e modelos de ação; explorar as vivências corporais; exercitar a prática social; desenvolver o pensamento reflexivo e a criatividade; consolidar sua auto-expressão, autoconfiança, autocrítica, auto-estima e auto-realização.
A construção de um ambiente de aceitação, integração e um clima motivacional positivo nas aulas é de grande relevância para que os alunos se sintam seguros em realizarem as atividades e superarem suas dificuldades. Para Feijó (op.cit.,p.43) "comportar-se diferente é conseqüência natural da qualidade de ser diferente, e [...] quando se é aceito, o movimento flui com espontaneidade"[...], ampliando as possibilidades individuais e fortalecendo a afirmação da identidade dos alunos no grupo onde interagem.
Reconhecer que o ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de autocompreensão, de resolução de seus problemas, de busca da satisfação e auto-realização, deve servir como um desafio para o professor atuar no sentido de estimular: as potencialidades do aluno; a valorização da sua prática social; a busca da autonomia visando atitudes refletidas e deliberadas e o envolvimento ao invés da alienação ou da exclusão.
A escola contribui para o desenvolvimento da personalidade, das potencialidades e da autonomia dos alunos, sendo importante ressaltar que são elementos constitutivos da ética: o respeito mútuo, a justiça, o diálogo, a solidariedade, a cooperação, a sinceridade e a autenticidade. A Educação Física não pode se eximir da responsabilidade de colaborar com esses valores na formação dos alunos.
Finalizando, faz-se importante a inclusão de atividades lúdicas e reformas curriculares pautadas na perspectiva multicultural e inclusiva, visando a suplantação de práticas injustas e discriminatórias. Deve haver uma maior preocupação com o aspecto didático-pedagógico da atividade física, mudando a temática e os enfoques do ensino e da pesquisa.
Obs.O autor, Prof. Walmer Monteiro Chaves, é professor das redes municipais de Itaboraí e S. Gonçalo e mestrando em "Ciência da Motricidade Humana" na Universidade Castelo Branco
Referências bibliográficas
- Barros, José Maria. Cidadania e a prática esportiva formal e não formal. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Florianópolis, v.19, n.3, p.99-105, maio-1998.
- Betti, Mauro. Educação Física, Esporte e Cidadania. Revista Brasileira de Ciências do Esporte Florianópolis, v.20, n.2 e 3, p.84-92, abr-set, 1999.
- Bordenave, Juan E. D. O que é participação. 7 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992.
- Coletivo de autores. Metodologia do ensino de Educação Física São Paulo:Cortez, 1992.
- Féderation Internationale D’Éducation Physique. Manifesto mundial da.Educação Física.Paraná: Kaygangue, 2000.
- Feijó, Olavo G. Psicologia para o esporte: corpo & movimento.2 ed. Rio de Janeiro:Shape 1998.
- Perrenoud, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
- Resende, Helder G., SOARES, Antonio J. G. Elementos constitutivos de uma proposta curricular para o ensino-aprendizagem da Educação Física na escola: um estudo de caso.Perspectivas em Educação Física Escolar.Niterói, EDUFF, v.1, p.29-40, mar, 1997
- Stainbak, Susan e William. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.