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Há psicólogos que afirmam categoricamente que a punição não educa.

Isso quer dizer que a melhor forma dos seres humanos aprenderem é pelo uso da razão, ou seja, todo processo pedagógico envolve paciência, determinação e humildade, tanto da parte de quem aprende como de quem ensina.

O esporte é um daqueles fenômenos que presume essa relação intensa entre ensinar e aprender. Quem ensina teoricamente detem o conhecimento, muito embora o ser visível do processo de aprendizagem seja o atleta habilidoso que demonstra publicamente tudo o que já sabe e aprendeu.

O que observo com frequência é a flexibilidade com que se usa o conceito responsabilidade nesse processo. Quando o atleta ganha há sempre um séquito a ser lembrado e citado nos pronunciamentos. Nenhum esquecimento será perdoado, afinal, a foto da medalha ou do pódio corre o mundo e é sempre menor do que todos os que desejam aparecer nela.

Quando o atleta perde, ou comete algum erro, a solidão é a sua grande companheira. Soam alarmas que ecoam nos círculos próximos e distantes provocando uma debandada como se a terra tremesse sob os pés de todos.

Um resultado positivo de dopagem é uma cena assim.

O doping foi considerado contrário aos princípios fundamentais do olimpismo, do esporte e da ética médica não apenas por impedir a igualdade da competição, mas também por colocar em risco a saúde do atleta.

Considerado um pecado mortal, e não capital, no santíssimo reino esportivo, o doping deixou de ser uma forma de se alcançar a vitória a qualquer preço para se tornar o maior dos embustes. É pior do que gol de mão em tempos sem VAR, juiz comprado ou ponto registrado depois do atacante ter pisado na linha. Na atualidade o doping foi alçado à condição de pecado sem perdão. Um crime que deve ser punido com um castigo exemplar para que outros atletas jamais pensem nessa possibilidade.

Ao longo da pesquisa Memórias Olímpicas por atletas olímpicos brasileiros tive a oportunidade de entrevistar pessoas que tiveram a vida marcada por um resultado positivo de doping. Quando se busca alguma informação sobre suas carreiras as primeiras informações que os mecanismos de busca mostram são o doping, a substância utilizada, a pena e nada mais.

Nada aparece sobre os esforços para se tornar atleta, as vitórias conquistadas, os altos e baixos de uma vida dedicada a um único fazer. Somem as prescrições dadas por profissionais reconhecidos, a “ajuda” de benfeitores e toda sorte de apoio para se chegar a ser um campeão. O doping deixou de ser uma falha e passou a ser um crime. Atletas que testam positivo deixam de ser os heróis consagrados para serem quase bandidos.

Surgem textos impiedosos cuja única finalidade é fazer juízo moral de alguém que tem o mérito de se dedicar a ser aquilo que muitos gostariam de ser, mas apenas uma parcela mínima da população é capaz de executar.

Foi nisso que o controle de dopagem se transformou. Deixou de ser um mecanismo que promovia a igualdade para ser uma espécie de tribunal da santa inquisição cujos hereges merecem arder no fogo. Em nome do jogo limpo o atleta é tratado como culpado até que se prove inocente, uma vez que sua vida deve ser reportada às autoridades, com um cronograma detalhado de suas semanas, meses e anos de vida, com a violação de sua privacidade. E qualquer movimento de contestação a esse procedimento é considerado como uma declaração de culpa.

Temo por decisões que perdem o valor em si para serem a cortina de fumaça que encobre outros ilícitos. Com tantos problemas a rondar o esporte atual, penso que o controle de dopagem acaba por ser apenas isso.

Há sim que use substâncias para alcançar a vitória. Mas, os atletas limpos não podem responder por essa minoria.