Resumo
Os aplicativos fitness que prescrevem exercícios físicos baseados em inteligência artificial, entendidos como personal trainer digital, têm alterado o modo de se relacionar com a vida fitness. Com base na Teoria Ator-Rede proposta por Bruno Latour, analisou-se como um personal trainer digital e a rede sociotécnica da qual ele faz parte, atuam na mediação de imperativos para uma vida fitness. A empiria foi constituída por informações relacionadas ao aplicativo Freeletics Bodyweight & Mindset, tais como suas affordances e as publicações da empresa e de usuários em websites e mídias sociais. Isso possibilitou estruturar quatro imperativos: espetacularização fitness, datificação de si, desempenho fitness e autoconhecimento. A espetacularização fitness envolve a exibição de si, ao mostrar fatos cotidianos, como a própria “transformação”. Desse modo, conscientemente ou não, o usuário colabora com a “comunidade” e a divulgação da empresa. A datificação de si (conversão de si mesmo em metadados) é requisito para o funcionamento da inteligência artificial, que prescreve os treinos, já que a personalização é feita com base em dados dos usuários. Assim, o usuário adentra a cultura self-tracking e, ao navegar pela internet, aciona algoritmos que reconfiguram os mecanismos de vigilância e constituem uma bolha fitness. O desempenho fitness aparece de modo ubíquo, em qualquer hora e lugar; gamificado, ao reconfigurar a tradicional pedagogia do medo para a pedagogia da gamificação; e com glorificação do sofrimento, no sentido de se mostrar orgulhoso por “superar” desafios. Produz uma culpabilização fitness. O autoconhecimento, influenciado pela cultura do empreendedorismo, envolve um gerenciamento/estudo de si através dos números. Alinhado ao movimento quantified self, envolve práticas data driven mais vinculadas a caminhos sugeridos pela tecnologia, como o ciclo de feedback para mudança de comportamento, e autoexperimentação, constitutivas dos biohackers. O personal trainer digital possui modus operandi técnico, com grande potencial de articular um conjunto de variáveis. Tem como limite características como diálogo, escuta qualificada, criatividade, afeto e o encontro, aspectos que merecem investimento por parte dos profissionais da área. Conclui-se que esses imperativos sugerem ser: inspiração, self-tracker, mais forte que sua melhor desculpa e empreendedor de si.