Integra

I - Para alguns especialistas como Wagorn e colaboradores (1991), ainda não está claro como o corpo envelhece. O que se sabe é que envelhecer difere de pessoa para pessoa e que os principais fatores que influenciarão na questão do envelhecimento são, principalmente, o tempo, a hereditariedade e o meio-ambiente, sobre os quais se tem muito pouco controle. Segundo Meirelles, os gerontologistas acreditam que o envelhecimento começa desde a concepção e o definem como: "um processo dinâmico e progressivo onde há modificações tanto morfológicas como funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam a progressiva perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio-ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que culminam por levá-los à morte" (1997: 28). Entretanto, outros aspectos da vida como a dieta, o estilo de vida e o nível de atividade física podem afetar beneficamente o processo de envelhecimento, aumentando a qualidade de vida e o bem-estar do indivíduo. Por se acreditar que "não podemos querer menos do que o ser humano inteiro, integral, realizado em todo o seu potencial de vida ativa" (id, 24), é que se torna de extrema importância um efetivo trabalho de conscientização sobre o processo de envelhecimento - suas causas e efeitos. Historicamente a velhice e, conseqüentemente, o corpo idoso assumiram na sociedade um significado de inutilidade e incapacidade. Entre os gregos a velhice era tratada com desdém, enquanto os jovens por sua beleza e disposição física eram tomados com preferidos dos deuses e, por isso mesmo, "eram tirados da corrente da vida antes que o tempo os afogasse em sua velhice" (ibid, 16). Para os filósofos a velhice assumia diferentes significados a partir de diversas correntes de pensamento, em especial, aquelas defendidas por Platão, para quem a velhice fazia surgir um sentimento de paz e libertação, e por Aristóteles, que procurou relacionar a questão da velhice ao corpo saudável, em que aquela dependeria diretamente das vantagens corporais que se poderia ter. Platão, em sua obra "A Retórica", elogia a juventude e descreve a velhice da seguinte forma: "Porque viveram inúmeros anos, porque muitas vezes foram enganados, porque cometeram erros, porque as coisas humanas são, quase sempre más, os velhos não têm segurança em nada e seu desempenho em tudo está manifestamente aquém do que seria necessário [...]. Vivem mais de lembranças, do que esperança [...]. Lamentam-se, e não sabem mais rir" (Beauvoir apud Meirelles, 1997:17). Enquanto Aristóteles via a decadência, Platão via o apogeu. Enquanto aquele via o corpo, este via o espírito. Através dos tempos essas duas correntes serão abraçadas num dualismo que se reflete na visão de velhice, dividida entre os platônicos (velhice é alma, espírito, saber e ordem) e os aristotélicos (velhice é corpo, é fraqueza, ressentimento, decadência). Na Idade Média o regime feudal vai mais uma vez exaltar o jovem. Os heróis são sempre os cavaleiros e a velhice é um momento de preparação para o abandono do mundo terreno. Era preciso, portanto, utilizar a velhice para cuidar de sua salvação e libertação dos pecados. Na Idade Moderna o velho volta a ganhar seu espaço na sociedade. Ele "vai adquirir uma importância particular porque encarnará a unidade e a permanência da família, através dos bens materiais acumulados..." (p. 19). Isso significa que o homem, mesmo velho, assume um valor patriarcal e como chefe da família, pelo poder econômico que possuía como proprietário, passa a ser valorizado e torna-se o centro de atenção dos mais jovens. No século XIX começam a ser constituídas as duas ciências da velhice: a gerontologia e a geriatria. Na atualidade, o que se percebe é que ainda se vive na eterna dicotomia, ora platônica, ora aristotélica em que, apesar de presente na mídia, a sociedade ainda fecha os olhos para os idosos. Para Beauvoir "a condição das pessoas idosas é hoje escandalosa" (apud Meirelles, 1997, p.19). Tal fato é justificado dentro de uma visão hegemônica existente na nossa sociedade e onde o velho e a criança estão fora do mundo adulto do poder.. Apesar das aparências, a sociedade em que vivemos está longe de alcançar uma plena realização da trajetória dos seres humanos. De acordo com o autor, as palavras de Beauvoir continuam refletindo uma questão que é bem atual: o desrespeito ao idoso que é reforçado pelo tratamento que é dado à juventude e à maturidade, onde aquela só se preocupa com o indivíduo na medida em que este se torna capaz de ser uma força produtiva e que, portanto, faz com que a velhice se torne sinônimo de fracasso: "o fracasso de nossa civilização" (ibid, p. 23). De acordo com a biologia o processo de envelhecimento é o mais notado no homem, não só pela aparência como pela perda e/ou redução de determinadas funções orgânicas que podem afetar o desempenho do idoso em diversas áreas e atividades. Segundo Smith e Book "o envelhecimento é a perda da capacidade de se adaptar ao seu ambiente [...] e controlado pela constituição genética da célula" (1999:74). Apontaremos alguns aspectos que serão importantes na observação e que poderão auxiliar na elaboração de atividades físicas que venham a reduzir ou desacelerar o processo de envelhecimento. Dentre eles podemos citar o METABOLISMO BASAL que é mais baixo, o que acarreta menor dispêndio diário de energia e implica no aumento de peso e gordura enquanto a massa muscular fica reduzida. Há uma modificação no "mecanismo de transpiração que resulta na tolerância menor ao calor [...] e suscetíveis à desidratação" (ibid: 74). Com relação às ALTERAÇÕES NEUROMUSCULARES há redução do número de células nervosas, o que acarretam alterações na velocidade de propagação dos impulsos nervosos, tempo de reação e lentidão de movimentos; alterações na força muscular em função da perda da massa muscular (redução do número de células). Existe perda considerável da FLEXIBILIDADE em função de alterações no tecido conjuntivo do músculo, ligamentos, cápsulas das juntas e tendões. Observa-se que no SISTEMA CARDIOVASCULAR o músculo cardíaco apresenta sensível perda do número de células assim como há a redução da força e elasticidade, o que vai comprometer o fluxo sangüíneo que é reduzido ainda pela queda da flexibilidade das válvulas do coração. O aumento dos depósitos de gordura nos vasos sangüíneos assim como a redução de sua elasticidade vão alterar ainda a pressão arterial. No que diz respeito à CAPACIDADE RESPIRATÓRIA ocorre a redução da elasticidade do pulmão que é causada pela baixa capacidade de absorção de oxigênio provocando a diminuição da capacidade de expirar (eliminar CO2). Há ainda diminuição na flexibilidade da caixa torácica, da força dos músculos respiratórios, da superfície total dos pulmões e do oxigênio sangüíneo. Tais alterações irão provocar aceleração da respiração tornando-a mais profunda e ofegante, o que acarretará um aumento da fadiga.

Segundo Smith e Book, a perda de tecido ósseo nas mulheres acima de 60 anos e nos homens acima de 80 anos é bastante significativa. Tal processo aliado à redução de cálcio aumenta bastante o risco de fraturas generalizadas, alteração na postura que é acentuada pelo estreitamento dos espaços entre as juntas. Há ainda a redução da estabilidade articular, perda da integridade esquelética e do equilíbrio. É preciso destacar ainda alterações sensoriais como redução da acuidade visual, da audição, precisão de movimentos, tempo de reação, etc., que irão influir sobremaneira nas habilidades motoras que serão notadas principalmente no caminhar e nas diversas tarefas diárias. Alguns autores apontam esses fatores como determinantes para o sedentarismo e o declínio físico. Outros procuram associar o seu agravamento a uma redução da atividade física.

II - Atividade física na terceira idade

A importância da prática de atividade física pelo idoso é amplamente divulgada na literatura que de uma maneira geral preconiza que os programas de atividades físicas devem ser baseados nas capacidades fisiológicas e nas limitações dos participantes (princípio da individualidade biológica). Um dos motivos de desencorajamento dessa prática são os fatores psicológicos, sendo o mais importante a motivação. Os objetivos a serem alcançados através da prática regular e adequada de atividades físicas pelos idosos e pelos indivíduos parecem ser: bem-estar físico, autoconfiança, sensação de auto-avaliação, segurança no dia-a-dia através do domínio do corpo, estimulação de todo o sistema cardiocirculatório, melhoria da resistência, aumento da habilidade, da capacidade de coordenação e reação, hipertrofia muscular, aumento da força muscular com melhoria da postura, aumento da prontidão para a atividade, ampliação da mobilidade das grandes e pequenas articulações, melhoria da respiração, principalmente no aspecto da forte respiração (asma senil), intensificação circulação sangüínea, principalmente nas extremidades. Pode ser ainda, um meio de cura da depressão, circunstâncias de medo, decepção e vazios interiores, aborrecimento, tédio e solidão. Aliado a isso Alves Júnior ressalta que: "ainda que a prática de uma atividade física realizada por idosos no meio associativo, traz em si uma forte contribuição da reinserção social e que, segundo observamos, idosos e aposentados, juntos, praticando alguma atividade física, constatamos que isto é um fenômeno social recente, cuja finalidade é desconhecida, pressupondo-se uma preocupação com a saúde" (p. 11). Nessas atividades, não se observa consenso nas relações com a educação física. Apontamos ainda a forma com que o idoso é colocado nas relações sociais no que diz respeito aos meios de produção, que acabam por ditar quando o mesmo é útil (ativo) e quando deixa de sê-lo (inativo), de acordo com a lógica do mercado.

III - Por que o idoso não pratica atividade física?

Não temos absolutamente a intenção de reforçar determinados estigmas que a sociedade impõe ao idoso, mas logicamente apontar alterações observadas na maioria das pessoas. Sabemos que alguns aspectos podem ser mais ou menos observados dependendo do tipo de atividade que cada um exerceu durante toda a vida e qual sua relação com a prática de atividades físicas regulares. Alguns estudos apontam aspectos a serem considerados na análise da falta de prática de atividade física pelos idosos. Parece haver um forte indício de que isso ocorra principalmente pela baixa auto-estima na medida em que a sociedade cultua o "novo, o forte, o poderoso e que é considerado como belo" (Alves Junior: 108). Os meios de produção estão voltados para o jovem e culturalmente o idoso é colocado como um apêndice, um fardo, não se enquadrando, portanto, naquele contexto. Muitas vezes torna-se difícil conviver com a sensação de inutilidade, de desprezo por parte dos outros, com uma pessoa que deu toda a sua vida dita produtiva em benefício da própria família e hoje não é respeitada apesar de todo o seu saber, sua experiência de vida acumulada através dos tempos. Isso acarreta situações de isolamento e solidão que fazem com que a dependência, o desânimo frente à vida e a crença na incapacidade de atuar em diversos momentos da vida social levem o idoso a ter pena de si mesmo e ao conformismo com um estado de coisas que se estabelece. Outro aspecto a ser apontado é a falta de - ou pouca - experiência com atividades físicas que possibilitassem a prática regular de exercícios de maneira autônoma e consciente de sua importância para vida inteira. Observamos que a Educação Física, de certo modo, não conseguiu cumprir ainda o seu papel fundamental que seria educar o indivíduo para atuar em seu próprio benefício através de atividades diárias, sem a presença de um professor. Ainda não trabalhamos a consciência. Destacamos também a motivação como o mais importante fator psicológico, ausente na maioria dos idosos. Sabemos que é muito difícil para o sedentário qualquer alteração no seu ritmo de vida que implique em esforço físico ou no seu estilo de vida. Em menor grau, observamos a falta de programas destinados a essa parcela da população, a distância e o tempo necessários para a participação nos poucos programas existentes e a dificuldade de acesso a locais onde existam atividades de lazer apropriadas como fatores que podem influenciar no desinteresse por práticas de atividades físicas. Com o objetivo de enriquecer este estudo, realizamos uma pesquisa de campo, através de entrevistas semi-estruturadas para detectar os principais fatores que levam o idoso a não praticar atividade física, e para analisar o grau de interesse por uma possível prática e observar a freqüência desta, realizada pelos participantes da pesquisa ao longo de sua "vida produtiva". Responderam à entrevista indivíduos do sexo masculino (total de 20 pessoas). A idade média dos entrevistados foi de 59,3 anos, sendo 46 anos a menor idade e a maior, 75 anos. Percebemos que a maioria (70%) pratica algum tipo de atividade física, no mínimo três vezes por semana, estando a mesma voltada para o futebol (20%) e a caminhada (30%). Observamos que no grupo que não possui atividade regular, a maioria não tem tempo (35%) ou não tem motivação (25%). Existe ainda um grupo expressivo que não pode praticar qualquer atividade por problemas de saúde. É importante ressaltar que 55% desse último grupo gostaria de praticar uma atividade física prazerosa, pois segundo eles desenvolve a mente e o corpo (20%), é bom para a saúde (20%), funciona como rejuvenescimento e embelezamento (15%). A maioria (80%) respondeu que mantinha prática regular na infância, 75% na adolescência e 45% na idade adulta. Dentre os entrevistados, 75% já estão aposentados e desses, 55% ainda exercem algum tipo de trabalho remunerado. Concluímos que a maioria dos entrevistados não pratica atividade física atualmente, principalmente, pela falta de tempo, apesar de já tê-lo feito na infância e na adolescência. Foi observado que o processo de passagem da infância para a adolescência e, posteriormente, para a idade adulta, se caracterizou pela redução do nível de atividade física praticada. A justificativa para tal fato foi, principalmente o ingresso no mercado de trabalho. E hoje, pela necessidade de continuar trabalhando, apesar da aposentadoria, e/ou a falta de políticas públicas que sirvam como elemento de motivação para a prática regular de atividade física, o idoso continua sentindo-se à margem da sociedade, como aquele que para nada mais serve além de "ver a vida passar". Sendo assim, propomos a inclusão da disciplina "envelhecimento com uma vida saudável" nos currículos de graduação em educação física para possibilitar a discussão sobre o assunto, além de preparar melhor os futuros profissionais, permitindo a eles incluir o tema em suas aulas.

Acreditamos que tal iniciativa facilitará a conscientização dos alunos e, possivelmente uma mudança progressiva da sociedade na maneira de encarar o idoso. Apontamos ainda, a organização da sociedade como elemento de pressão junto aos órgãos governamentais para que os mesmos estabeleçam, de forma clara, políticas públicas para o setor que efetivamente atendam às necessidades dessa enorme parcela da população.

Obs. Os autores, professores Carlos Henrique dos Santos Martins e Rosane Medeiros, lecionam, o primeiro na Escola Técnica Estadual Juscelino Kubitschek e a segunda no CETEP Marechal Hermes, ambos da FAETEC_RJ

Referências bibliográficas

  •  Alves JR., Edmundo de Drummond. Da educação gerontológica à educação física gerontológica: em busca de uma educação física mais apropriada para idosos. (mimeo, s.d).
  • Alves JR., Edmundo de Drummond. Objetivando construir uma metodologia mais adequada para a prática pedagógica das atividades físicas dos idosos. (mimeo, s.d).
  • Amorim, Fúlvia; Santin, Gabriela; SIMÕES, Regina. Porque o idoso não pratica atividade física? On line: s.d . Capturado em 04/10/00.
  • Bento, Jorge. O idoso: a geração do próximo milênio. (mimeo, s.d).
  • Lira, Luis Carlos. O processo de evasão no projeto de atividades físicas idosos em movimento - mantendo a autonomia (projeto IMMA). (mimeo, s.d).
  • Meirelles, Morgana E. A. Atividade física na 3ª idade. Rio de Janeiro: Sprint, 1997.
  • Smith, Evereth I.; BOOK, Sally K. Processo de envelhecimento benefícios da atividade física. Aptidão física e saúde (artigos traduzidos). Vol. 3, n.2, 1999.
  • Wagorn, Ivone; Théberge, Sonia; Orban, William A. R. . Manual de ginástica e bem-estar para a terceira idade: para um envelhecimento saudável. Tradução de: Ronaldo Antonelli. São Paulo: Marcozero, 1991.