Resumo

A independência funcional é um dos principais objetivos de um processo de reabilitação de indivíduos com lesão medular (LM) traumática e é influenciada, em proporções diferentes, por um grande número de variáveis. Algumas destas variáveis podem ser modificadas pela atuação de profissionais da saúde, enquanto outras, como idade e nível de lesão, por exemplo, apresentam alterações em virtude do tempo ou pela evolução do trauma. Dentre as variáveis passíveis de serem desenvolvidas e treinadas por exercícios físicos, a força muscular apresenta grande importância, pois interfere positivamente na independência funcional. No entanto, três aspectos ainda precisam ser melhor elucidados para o treinamento adequado dessa variável em um processo de reabilitação. Primeiramente, os estudos que verificaram a relevância da força muscular na independência funcional realizaram correlações e comparações diretas, não sendo possível estabelecer se a força muscular influencia a independência funcional dentro de um conjunto de variáveis preditoras. Outro aspecto a ser considerado nessas análises é a utilização de grupos musculares totalmente preservados nos testes de força de pessoas com paraplegia. Embora os resultados encontrados tenham evidenciado boas associações com a independência funcional, músculos parcialmente comprometidos apresentam grande relevância para a independência funcional. A musculatura de tronco apresenta comprometimento a depender do nível de LM e é fundamental para o equilíbrio postural e estabilização do corpo, necessários à produção de força em situações cotidianas. Em testes de força realizados nos músculos totalmente preservados, o tronco é estabilizado e a transferência dos resultados para as atividades diárias pode apresentar distorções. Por fim, é imprescindível quantificar a força muscular para se estabelecer metas concretas de reabilitação a serem alcançadas nos diversos níveis de LM. Esses três aspectos estão intrinsecamente relacionados aos principais objetivos dessa tese e, para atingi-los, foram conduzidos dois estudos prévios. O primeiro consistiu na elaboração de um protocolo de familiarização para o teste de força no dinamômetro isocinético em pessoas com LM. Neste, demonstrou-se que uma sessão composta por 2 séries com 10 repetições submáximas, em uma classificação de “2” de percepção de esforço, pode ser utilizada como protocolo padrão para a familiarização em um teste de força máxima em exercícios de cotovelo e ombro. O segundo estudo teve como intuito principal adaptar e validar um circuito de habilidades em cadeira de rodas para o Português-Brasileiro. Como não existe padrão ouro para avaliação de independência funcional, normalmente utilizam-se questionários, tais como o de medida de independência em LM (SCIM-III) e os circuitos de habilidade em cadeira de rodas. Assim, foram analisadas a validade de critério e de constructo para elaborar a versão brasileira do circuito adaptado de habilidades em cadeira de rodas (AMWC-Brasil). Com a instrumentação metodológica estabelecida, o objetivo dessa tese foi verificar a capacidade preditiva da força muscular relativa e absoluta na independência funcional e nas habilidades em cadeira de rodas em homens adultos com LM traumática. Foram avaliados 54 indivíduos com LM nos testes de força de ombro (em musculatura totalmente preservada) e de tronco (em musculatura com comprometimentos de força a depender do nível de LM). Para analisar a relação da força muscular com a independência funcional, além do pico de torque absoluto e relativo, foi utilizada a eficiência neuromuscular (ENM) que associa o recrutamento muscular (RMS, root mean square, em μV) com os valores de torque. Como essa variável não foi aplicada em pessoas com LM, recrutou-se um grupo controle de 27 indivíduos para comparação. As variáveis de força e outras preditoras de independência funcional foram inseridas na regressão multivariada stepwise para elaborar equações de regressão com três preditores, considerando os desfechos de independência funcional da SCIM-III e AMWC-Brasil. Dessa forma, foi possível detectar a influência de cada variável preditora nos desfechos de independência. Concluída essa análise, foram calculados pontos de corte com os valores de pico de torque que apresentaram maiores importância para independência funcional. Os testes de força conseguiram discriminar indivíduos com paraplegia alta, baixa e o grupo controle. Constatou-se que as forças relativas, dentre as variáveis de força, apresentaram melhor capacidade preditiva para independência funcional e habilidades em cadeira de rodas. Em seguida, foram estabelecidos pontos de corte de picos de torque relativos de forma que possam ser utilizados como referências na relação com a independência funcional e habilidade em cadeira de rodas. Os resultados ainda identificaram a importância da abdução de ombro nos desfechos estudados, sugerindo-se que o treinamento ocorra com uma compensação de musculaturas antagônicas, evitando desequilíbrios musculares e, assim, reduzindo a possibilidade de lesões nessa articulação. Por fim, a ENM apresentou baixa capacidade preditiva e não foi adequada para analisar as alterações de força e estímulo neural em diferentes níveis de LM. Sugere-se o uso da ENM em pesquisas longitudinais entre os mesmos níveis de LM ou comparando com grupos sem lesão.

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