Integra

1. Críticas do que se tem: Formação fragmentada entre licenciatura e graduação

O embate que se trava no âmbito da formação profissional da educação física brasileira é, antes de tudo, o próprio embate entre as correlações de forças na luta de classes que apontam, por um lado, para a formação de um novo tipo de trabalhador, adequado às novas demandas do capital e, por outro lado, a formação de um novo tipo de homem, preparado para intervir nas contradições do mundo do trabalho e para perspectivar e interagir no sentido da superação da sociedade capitalista.

Desde a década de 80, no cenário mundial, com o advento das políticas de desobrigação do Estado na gerência das conquistas sociais, bem como o início da flexibilização das relações de trabalho que trouxeram duras penas para a classe trabalhadora, que é possível perceber, na educação física brasileira, um reordenamento no trabalho do professor. No cenário norte-americano e também brasileiro, proliferavam as academias de ginástica enquanto fenômeno caracterizador do empenho da iniciativa privada em gerir algo que deveria ser função do Estado, ou seja, a manutenção e promoção da saúde. Seja sob o pretexto da promoção da saúde, ou da busca de uma estética moldada à luz do mercado de consumo, houve uma aplicação, por parte do capital, num grande nicho do mercado do corpo que se abria, mercado este criado em função da simples desobrigação do Estado com a manutenção da qualidade de vida enquanto um bem comum da sociedade a ser preservado. Atentos a este movimento, tomaram o cenário da educação física brasileira os grupos privatistas que, seduzidos pela possibilidade da ocupação do assim denominado mercado das atividades físicas que se erigia, apologizavam tal campo, esquecendo-se das enormes contradições de precariedade que este último apresentava (Faria Junior, 2001). Em confronto a eles, situavam-se os setores que defendiam a educação física enquanto uma produção histórica da humanidade que deveria ser socializada a todas as camadas da sociedade.

Este confronto, desde então, desembocou vários debates na área, dos quais podemos citar o da regulamentação da profissão e o da formação profissional, o qual é objeto específico de análise deste trabalho. No que concerne a este último campo, em 1987, o grupo privatista conseguiu avanços na formulação da Resolução 03/87, quando esta previu a possibilidade do bacharelado para a educação física. Este foi o primeiro ataque fragmentador da licenciatura em educação física. A perspectiva do bacharelado apontava para a formação para os campos de trabalho não-escolares, numa vã tentativa de se assegurar tais campos para o professor de educação física, buscando, inclusive, descaracterizá-lo enquanto um trabalhador assalariado do magistério e caracterizá-lo como um profissional liberal, flexível ou empreendedor, trabalhador este característico do fenômeno de precarização do trabalho evidenciado mundialmente nos anos 90. Tratava-se, por outro lado, de uma descaracterização epistemológica da área, posto que o objeto dela é a prática docente, independente do espaço de atuação. Portanto, a fragmentação em duas habilitações pressupunha a não consideração do objeto epistêmico da área em detrimento da centralidade do mercado de trabalho enquanto epicentro das discussões sobre a formação profissional.

Ainda que os tão apologizados campos não-escolares pareciam tensionar a abertura dos bacharelados na área, o que ocorreu até a primeira metade da década de 90 foi a pouca abertura desta habilitação na formação profissional. Em 1994, após 7 anos da Resolução 03/87, dos 128 cursos superiores em educação física, apenas 5 se destinavam à formação do bacharelado (Quelhas, In: Cunha Junior, Martin, Zacarias, 2003). Além da pouca abertura desta habilitação, uma das características presentes, desde o início da implementação do bacharelado na educação física, foi a da possibilidade, a partir do modelo do 3+1, da conclusão desta formação juntamente com a da licenciatura, o que caracterizava a explícita falta de fundamentação teórica da diferença entre as duas formações. Outros cursos simplesmente chegaram a oferecer uma única formação, concedendo as duas habilitações aos seus concluintes.

Já a segunda metade da década de 90 no Brasil foi marcada pelos ajustes estruturais, que se trataram de política de reformas no Estado brasileiro para a gerência da crise mundial do capital. O campo educacional foi redimensionado, sobretudo a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, para orientar a formação do trabalhador de novo tipo forjado pelas demandas da produção flexível e para adequar o país às exigências das agências multilaterais do capital internacional no que concerne à nova formação humana. Neste plano, observou-se uma reforma educacional envolvendo os vários níveis de ensino - fundamental, médio, profissionalizante e superior - assegurada pelas modificações no aparato superestrutural do Estado, com reformulações jurídicas e orientações legais, tais como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Reforma do Ensino Técnico e Profissional (Decreto 2208/97), Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), Diretrizes Curriculares de Ensino Médio e Diretrizes Curriculares de Ensino Superior (Neves, In: Lespaubin, 1999):

"A educação escolar no Brasil, no Governo FHC, consolida a tendência já evidenciada nos governos Collor e Itamar Franco de responder aos imperativos da associação submissa do país ao processo de globalização neoliberal em curso no mundo capitalista, ou seja, o sistema educacional como um todo redefine-se para formar um novo trabalhador e um novo homem que contribua para a superação da atual crise internacional capitalista [...]"(ibid., p.134, grifos da autora).

Em suma, é possível identificar na política educacional brasileira da década de 90, o que Celi Taffarel (2001) sintetizou como: a) os ajustes estruturais, convertidos na reestruturação tecnológica e produtiva como formas de manutenção de taxas de lucro e da propriedade privada; b) As exigências estabelecidas pelas agências financiadoras como o Banco Mundial (BIRD), na definição de políticas educacionais no Brasil, contidos em documentos tais como "El desarrollo en la practica: la enseñanza superior  las lecciones derivadas de la experiencia", de 1994; c) A submissão das políticas do governo brasileiro à lógica, aos ditames e acordos com as agências financiadoras internacionais.

No que tange à orientação ao supracitado documento do BIRD (1994) para a educação superior destinada aos países periféricos do capitalismo, caso do Brasil, podemos encontrar as seguintes diretrizes:

Diversificar as instituições, propondo inclusive instituições não-universitárias;

Diversificar as fontes de financiamentos das universidades públicas, através do pagamento, doações e atividades universitárias geradoras de renda. Vincular o financiamento aos resultados;

Redefinir o papel do governo (autonomia financeira);

Focalizar políticas de qualidade e eqüidade (diretrizes curriculares e centros de excelência)

Somente na linha de formação do trabalhador de novo tipo é que podemos perceber as novas Diretrizes Curriculares do Ensino Superior, como componente dos ajustes estruturais no campo educacional, estando prevista desde a LDB e recolocada pelo Parecer 776/97 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) e pelo Edital 4/97 da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto (SESu/MEC). As Diretrizes Curriculares como parte da conformação das reformas estruturais e de cunho obrigatório, como ressaltava o próprio Conselho Nacional de Educação (Parecer 776/97), foram previstas para quase 50 carreiras divididas em 5 blocos, tratando-se, pois, de uma orientação geral para a modificação de vários currículos de formação profissional.

Não obstante, as Diretrizes Curriculares compuseram, antes de tudo, um projeto articulado de reforma do ensino superior inspirada pelas orientações do BIRD, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso e aprofundada pelo governo Luís Inácio Lula da Silva. Neste último governo, percebe-se o que denominamos de reforma fatiada, com a aprovação de leis e programas - Lei de Inovação Tecnológica, Programa Universidade para Todos (PROUNI), Sistema Nacional de Avaliação (SINAES), Programa de Parceria Público-Privado (PPPs), Regulamentação das Fundações de Apoio na Universidade Pública - tendo como síntese o Anteprojeto de Reforma Universitária proposto pelo MEC.

Na educação física, o resultado dos embates para a consolidação das Diretrizes Curriculares (Resolução CES/CNE 07/2004), apontou para o aprofundamento da fragmentação da formação profissional, criando-se a formação da graduação em substituição à antiga figura da formação do bacharelado. O que, na Resolução 03/87, foi algo que não passou de uma formação idealizada no papel, retorna, em outra dimensão, na Resolução 07/04, agora a partir de outra materialidade histórica, a qual imputa uma precarização das relações de trabalho enquanto forma de gerência da crise do capital e as ideologias da flexibilidade, da empregabilidade e do empreendedorismo enquanto norte para a formação do trabalhador de novo tipo.

Os setores conservadores e corporativistas da área contemplam uma vitória neste sentido e apostam, juntamente com a regulamentação da profissão, que finalmente galgarão a conquista das terras prometidas do além-mar, ou seja, os campos não-escolares das práticas corporais. Não apenas isso, mas no atual momento, a partir do espectro do CONFEF, insistem na tese de que a fiscalização empreendida por este último assegurará que apenas o graduado em educação física atuará nos campos não-escolares, uma espécie de ameaça para que os cursos de formação garantam a graduação, tendo em vista o domínio ainda corrente da licenciatura. Tal espectro custa a nos convencer ou mesmo intimidar, posto que este conselho profissional esmerou-se, até o presente momento, em arregimentar, junto aos seus quadros, o maior número de registros possíveis, enquanto a promessa de fiscalização e impedimento dos licenciados em atuar nos campos não-escolares equivaleria à não captação, por parte do CONFEF, dos registros destes trabalhadores.

Em síntese, portanto, das críticas que apontamos para o que se tem hoje na formação profissional, fragmentada entre licenciatura e graduação, podemos destacar:

Esta formação proposta é mediada fundamentalmente pela noção de mercado de trabalho, desconsiderando que a formação em educação física pressupõe enquanto objeto central a docência, o elemento pedagógico, independente do campo de atuação. Tal desconsideração submete a formação profissional à cisão entre licenciatura e graduação, o que fragmenta não só o conhecimento a ser socializado no processo formativo, mas, sobretudo, a visão de totalidade do futuro trabalhador;

A graduação em educação física não dará conta de formar para o chamado campo não-escolar a partir da lógica da formação para ocupação dos mercados de trabalho, visto que aquele se trata, antes de tudo, de vários campos com códigos diferenciados, com objetivos e práticas diferenciados;

Ainda que orientada pelas mudanças no mundo do trabalho, esta formação não leva em conta que o trabalhador da educação física esmera-se em efetivar seu meio de existência, tendo, para isso, de atuar, muito comumente, nos vários campos de trabalho, o escolar e os não-escolares. Assim, as Diretrizes Curriculares não conseguem assegurar um componente importante da formação do trabalhador de novo tipo para o capital, qual seja, o da polivalência, ainda que se situem no mesmo espectro de formação humana. A polivalência determina a possibilidade do trabalhador atuar em várias funções, o que sai comprometida tendo em vista a fragmentação proposta;

A proposição da graduação, a partir de claros contornos do modelo das competências, é uma conquista dos grupos que se esmeram, desde o século passado na educação física brasileira, em assegurar para si o domínio completo das práticas corporais do meio não-escolar. Trata-se, antes de tudo, de tentativa de domínio ideológico, propondo uma formação que não critique a precarização do trabalho docente em seus vários campos, portanto que se situe na lógica da competição e busca de reservas do trabalho precário, em confronto com outros trabalhadores. É neste ponto que reside a explicação do porquê o CONFEF vem intervindo tanto na formação profissional, donde se subtraem os argumentos de fiscalização dos campos não-escolares para o asseguramento da graduação nos vários cursos de formação;

Levando-se em conta a necessidade concreta de formação nos vários campos de atuação, é possível que várias instituições de ensino superior optem pelo oferecimento conjugado dos dois tipos de formação a partir de uma entrada única, seja no modelo 3+1, seja através de malabarismos contábeis tentando conjugar, desde o início da formação, os créditos exigidos para uma e outra habilitação. Tanto num quanto no outro modelo, repete-se o mesmo processo evidenciado a partir da Resolução 03/87 de mascaramento das duas habilitações, o que nos faz inferir que não haverá mudanças significativas da formação até aqui vivenciada, a não ser o aprofundamento ideológico da necessidade de formação diferenciada para a ocupação dos diversos campos de trabalho.

2. Críticas e propostas à formação do licenciado: O que sugerir a partir de o que se tem e o que se pode ter

Com relação à formação do licenciado, podemos afirmar que, se por um lado, a divisão da formação em duas habilitações não resolverá os seus principais impasses, tampouco a manutenção do modelo vigente da licenciatura plena não avança no sentido em que defendemos a formação de um novo tipo de homem, preparado para intervir e interagir nas contradições do mundo do trabalho, perspectivando a superação da sociedade capitalista. A formação em educação física ainda carece de fundamentos teóricos sólidos que orientem a construção deste novo tipo de homem, na presente fase da hegemonia do pensamento burguês.

Neste ponto, retomamos a defesa histórica de Alfredo Gomes de Faria Junior (In: Oliveira, 1987) do professor licenciado e generalista, portanto a licenciatura enquanto formação identificatória do professor de educação física, generalista para os vários campos de intervenção. Defendemos, hoje, a licenciatura ampliada enquanto uma noção que aglutinaria a idéia da formação generalista. Avançamos em sua elaboração estabelecendo como marco teórico a politecnia e a educação integral, enquanto formuladores das bases formativas do futuro professor.

É comum nos autores do campo marxista a centralização do conceito de formação omnilateral em contraposição à formação fragmentada adquirida na sociedade capitalista. A omnilateralidade compreendida em Marx (2001) pressupõe uma forma antagônica à unilateralidade, à qual o homem é levado através da divisão do trabalho. Tratar-se-ia, portanto, do desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões, de todas suas necessidades e suas satisfações. Não obstante, lembra Mario Alighiero Manacorda (1991) que, tendo em vista o caráter não utópico da formulação marxiana, existe a falta de elementos mais precisos sobre a descrição da omnilateralidade, já que esta se projeta para uma sociedade sem a divisão do trabalho. Com efeito, para Justino de Sousa Junior (1999), o conceito de omnilateralidade depende da ruptura com a sociabilidade burguesa, sendo o conceito de politecnia

, para o campo marxista, aquele afeto à formação que tenderia à busca da superação do capitalismo, ainda no interior dos seus marcos:

"Politecnia e onilateralidade são dois conceitos distintos, que se excluem mutuamente, mas que, na proposta de Marx, se complementam. Enquanto a politecnia diz respeito a um tipo de formação do indivíduo trabalhador no âmbito da produção capitalista, a onilateralidade se refere à formação do homem mesmo, ou seja, o homem que se libertou das determinações da sociedade burguesa, a qual nega sua generalidade [...]" (p.102).

"Portanto, politecnia e onilateralidade se encontram, pois a primeira é a formação dos trabalhadores no âmbito da sociedade capitalista que, unida aos outros elementos da proposta marxiana de educação, deve encontrar o caminho entre a existência alienada e a emancipação humana em que se constrói o homem onilateral" (p. 113)

Assim posto, encaminhamos nossa defesa da formação profissional a partir do conceito de politecnia, o qual está diretamente ligado à idéia da busca da omnilateralidade a partir da ruptura com a divisão do trabalho enquanto fundamento da sociabilidade humana. Ressaltamos, na linha em que atenta José Rodrigues (1998), que a politecnia se mostra alicerçada firmemente em uma visão social de mundo - a marxista - que contrapõe, da mesma forma que a omnilateralidade, à visão unilateral do homem forjadas pelas forças alienantes da sociedade capitalista.

Não obstante, vale a menção de que a politecnia tem sido utilizada, freqüentemente, para designar a formação privilegiadamente ligada ao ensino médio, ainda que determinado grupo de autores não tenha concordância com este enfoque (ibid.). Tendo em vista que o presente trabalho não tem a pretensão de adentrar a este profundo debate teórico, recorremos à defesa da formação politécnica e integral enquanto princípios fundantes da formação para além do capitalismo, mas situada em seus marcos. Recorreremos a contribuições de autores importantes neste debate, tais como Pistrak (2000) e Dermeval Saviani (1989, 2003), contudo, centralizaremos didaticamente a exposição conforme as análises de Acacia Kuenzer (2001), por se tratarem de sistematização pertinente ao quadro atual da formação profissional da educação física brasileira.

Um princípio fundamental para a defesa de uma superação à proposta fragmentadora da formação que ora analisamos encontramos nas formulações de Antonio Gramsci. Trata-se da escola unitária como estrutura educacional (ibid; Nosella, 1989). A escola unitária pressupõe a formação que articule o trabalho com as capacidades de pensar, estudar, dirigir e questionar quem dirige, ou seja, o trabalho enquanto princípio educativo. Neste empenho, defende a sólida formação cultural inicial e a necessidade da formação continuada. É contrária, neste sentido, à especialização precoce de caráter pragmatista. Ainda, defende uma formação cultural diversa da simples erudição, mas de caráter crítico, político e coletivo. A licenciatura ampliada em educação física deve formar o aluno não apenas para lecionar tecnicamente os conteúdos, porém para articular os conteúdos na perspectiva da totalidade e no empenho da própria formulação de políticas educacionais da área.

A escola unitária pressupõe, portanto, uma estrutura que contraponha a dualidade estrutural da educação fundada pela divisão do trabalho, dualidade esta que imputa uma escola para os que dirigem - classe dominante - e uma escola para os que são dirigidos - classe dominada. Enfrenta, neste particular, as políticas educacionais que destinam a formação e produção do conhecimento para determinadas instituições de ensino, tais como os Centros de Excelência - produção de conhecimento - e os Centros Universitários - socialização do ensino. É contrário, portanto, ao assim chamado ensino por vocações, que imputam contemporaneamente formações tais como o bacharelado acadêmico, os cursos seqüenciais.

A escola unitária como estrutura educacional coloca-se a favor do ensino público gratuito e de qualidade, o que pressupõe a exigência de condições físicas e materiais de ensino nas universidades públicas e a crítica ao financiamento privado do ensino público - PROUNI, Autonomia Universitária - bem como crítica à política de crescimento do ensino privado em detrimento do público.

Tendo em vista a base estruturante onde a politecnia se funda, esta última se torna o conteúdo da formação integral perseguida pela licenciatura ampliada em educação física. A politecnia é compreendida como a síntese superadora dos limites da divisão do trabalho, reunificando o trabalho intelectual - academicismo clássico - e o instrumental - profissionalização estreita (Kuenzer, op. cit.). Neste ponto, atua no resgate da relação entre conhecimento, trabalho e relações sociais, através da apropriação do conhecimento científico-tecnológico no interior de uma perspectiva histórico-crítica (Savani, 1992). No que concerne à educação física, seria a própria superação da formação por ocupações definidas pelo mercado de trabalho, ou seja, a habilitação dividida entre licenciatura e graduação. Tal princípio responde à questão da formação em torno dos vários campos, sobretudo os não-escolares, já que "não quer dizer uma escola onde estudam muitos ofícios, mas onde se ensina a [...] compreender a essência dos processos de trabalho, a substância laboriosa do povo e as condições de êxito no trabalho" (Machado, 1984, p.389).

A politecnia como conteúdo implica na superação da educação geral baseada nas áreas do conhecimento que se explicam em si mesmas. Desta forma, interpretamos que tal princípio se põe contrário à fragmentação curricular em formação ampliada e formação específica contida na Resolução 07/04. Não se trata de lecionar uma base geral na perspectiva de um conhecimento identificador ou de um núcleo comum, para depois partir para a formação chamada específica.

Por fim, destaca-se a dialética como método orientador da politecnia (Kuenzer, op. cit.). Neste ponto, é utilizado o trabalho enquanto princípio educativo, forma de ação transformadora da natureza e de constituição da vida social como ponto de partida. Os princípios da dialética fundar-se-iam na totalidade, historicidade, provisoriedade e contradição, da forma como bem o conhecemos descritos na obra do Coletivo de Autores (1992).

A título de apresentação das análises que têm como referência a politecnia, na perspectiva da defesa da licenciatura ampliada, apresentamos as contribuições do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Física & Esporte e Lazer (LEPEL, 2005). A denominação do curso proposta é a licenciatura ampliada em educação física, compreendendo-se aqui como licenciado o que está apto a agir, atuar, desenvolver a atividade docente em diferentes campos de trabalho, mediado pelo objeto - cultura corporal.

A consolidação desta identidade do professor de educação física para o exercício profissional requer, durante a sua formação acadêmica, de:

sólida formação teórica de base multidisciplinar e interdisciplinar na perspectiva da formação omnilateral;
unidade entre teoria/prática, que significa assumir uma postura em relação a produção do conhecimento científico que impregna a organização curricular dos cursos, tomando o trabalho como princípio educativo e como práxis social;

gestão democrática - que permitam a vivência e o trabalho com relações de poder democráticas, e não autoritárias;

compromisso social com ênfase na concepção sócio-histórica do trabalho, estimulando análises políticas sobre as lutas históricas pela superação da sociedade de classes, para que seja garantido o acesso aos bens a todos que dele participam em sua produção, especificamente no campo da cultura corporal;

o trabalho coletivo, solidário e interdisciplinar, o trabalho pedagógico como eixo articulador do conhecimento para a formação omnilateral;

formação continuada para permitir a relação entre a formação inicial e continuada no mundo do trabalho;
avaliação permanente como parte integrante das atividades curriculares, de responsabilidade coletiva a ser conduzida à luz do projeto político pedagógico da instituição, abarcando as dimensões da avaliação da aprendizagem, do docente, dos programas e projetos, da instituição.

A estrutura curricular do Curso de Licenciatura Ampliada Educação Física deverá pautar-se em uma política global de formação humana omnilateral que observe os seguintes princípios:

1) trabalho pedagógico como base da identidade do professor de Educação Física;

2) compromisso social da formação na perspectiva da superação da sociedade de classes e do modo do capital organizar a vida;

3) sólida e consistente formação teórica;

4) articulação entre ensino, pesquisa e extensão;

5) indissociabilidade teoria-prática;

6) tratamento coletivo, interdisciplinar e solidário na produção do conhecimento científico;

7) articulação entre conhecimentos de formação ampliada, formação específica e aprofundamento temático, a partir de sistemas de complexos temáticos que assegurem a compreensão radical, de totalidade, e de conjunto da realidade, na perspectiva da superação.

8) avaliação em todos os âmbitos e dimensões (estudante, professor, técnico-administrativos, gestores, planos, projetos e instituição), permanentemente.

9) formação continuada;

10) respeito à autonomia institucional;

11) gestão democrática;

12) condições objetivas adequadas de trabalho;

13) financiamento público para o ensino-pesquisa público.

O LEPEL elege a cultura corporal como objeto norteador do currículo da educação física envolvendo: a) relação ser humano natureza; b) relação ser humano sociedade; c) relação ser humano trabalho; d) relação ser humano educação. Destaca ainda, enquanto conhecimento identificador da área: a) cultura corporal e natureza humana; b) cultura corporal e territorialidade; c) cultura corporal e trabalho; d) cultura corporal e política cultural.

Conclusão

Concluímos este artigo afirmando que a divisão da formação em educação física entre licenciatura e graduação é a expressão momentânea da vitória dos setores conservadores e corporativistas da área, afetos aos desígnios do capital e, portanto, empenhados neste momento histórico no asseguramento da formação do trabalhador de novo tipo, exigido enquanto componente de gerência da sua crise estrutural. Este quadro coloca para os trabalhadores da educação física a tarefa de organização para a reversão das atuais Diretrizes Curriculares, bem como a luta contra a fragmentação do currículo em cada curso de formação.

Por outro lado, é possível afirmar que, no campo marxista, muito se avançou no que diz respeito à teorização acerca da formação para além do capital, baseada nos conceitos de omnilateralidade e politecnia. Tais conceitos devem permear propostas alternativas curriculares, que apontem necessariamente para a superação da sociedade capitalista. Neste aspecto, defendemos a licenciatura ampliada em educação física enquanto uma formação agregadora dos princípios de formação generalista e integral, com vistas a uma perspectiva revolucionária.


Obs.
O autor, Dr. Hajime Takeuchi Nozaki é da FAEFID/UFJF e membro do Grupo de Estudos do Trabalho, Educação Física e Materialismo Histórico (GETEMHI). E-mail: hajimenozaki@uol.com.br

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