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Os indícios são preocupantes: não há semana que não cheguem à caixa postal deste escriba duas ou três notícias de novos congressos científicos, mais uns tantos convites para publicar artigos nos mais recentes periódicos acadêmicos. Os eventos espalham-se por todos os continentes: de Glasgow a Bangcoc, de Macau a Orlando... Las Vegas parece ser um destino preferencial. 

Não faltam menções explícitas ao turismo. As novas publicações, por sua vez, têm nomes pomposos, sonoros e misturam termos ressonantes: interdisciplinary, cross-cultural, international, advances. Nada de nomes simples, como Science, Econometrica ou Journal of Finance. Os editores parecem gostar de nomes longos e sonoros, em inglês, obviamente.

Alguns diretórios internacionais listam quase 20 mil revistas científicas. É preciso mais? O que está acontecendo? Estaremos vivendo em uma nova era das luzes, com a explosão do saber científico em todo o planeta, ansioso por ver a luz do dia, a romper as barreiras impostas pelas revistas e congressos mais tradicionais, com novos espaços para anunciar as boas novas? O fim do câncer e da celulite? A descoberta da energia renovável e barata? A reversão do aquecimento global e a mitigação da tensão pré-menstrual?

Vamos aos antecedentes: muitas revistas científicas internacionais de sólida tradição e consolidada reputação são publicadas por editoras privadas, com a cobrança de pequenas fortunas para o acesso ao conteúdo, fazendo do negócio editorial uma grande e lucrativa indústria. Outras são publicadas por sociedades científicas. Estas têm, porém, despesas e usam as receitas de assinaturas para custeá-las. Afinal, não há almoço gratuito! Com a internet e a índole libertária de alguns cientistas, surgiram os periódicos abertos, supostamente mais democráticos. A maioria deles ainda não tem a tradição dos irmãos mais velhos, mas são vistos com crescente simpatia pela comunidade científica. Até aqui, tudo bem.

Contudo, o fenômeno parece ter gerado uma sombra nefasta. É o mundo da pseudoacademia, como diz Gina Kolata, jornalista científica do The New York Times, em texto veiculado em abril de 2013. Segundo a autora, o número de publicações e encontros científicos explodiu nos últimos anos, à medida que emergia um novo modelo de negócios, baseado no pagamento pela publicação, feito pelos autores, em substituição ao pagamento pelo acesso, feito por leitores e assinantes.

O sinal de alarme veio com o surgimento de revistas científicas dispostas a publicar (quase) qualquer texto, desde que o autor pague a taxa requerida. Curiosamente, muitos dos novos periódicos e das novas conferências têm nomes similares àqueles de revistas e eventos tradicionais. As consequências podem ser sinistras, pois certamente fica ainda mais difícil distinguir entre pesquisa séria e pesquisa frágil.

Segundo Jeffrey Beall, especialista ouvido por Kolata, existem hoje mais de 4 mil “periódicos predadores” sendo publicados, representando, no mínimo, um quarto do número de periódicos de acesso livre. Ele mesmo sintetiza o modelo dos predadores: baixas barreiras de entrada, pouco trabalho e dinheiro fácil. Em suma, um ótimo negócio, que tem dado origem a pequenos impérios editoriais. Um desses grupos, citados por Kolata, publica 250 revistas científicas e cobra dos autores 2,7 mil dólares por artigo.

A operação é relativamente simples. Cria-se um título que pareça acadêmico, convidam-se alguns incautos para o conselho científico – uma posição de honra em revistas sérias – e segue-se à caça de autores, frequentemente por e-mail. Como nos spams, alguns desavisados mordem a isca e enviam um artigo. Então, o texto é rapidamente aprovado e a cobrança, feita. Negócio fechado!

Naturalmente, nem todos são inocentes. O modelo de business dos predadores conta com a ingenuidade ou a ambição do “cliente” que busca, com a publicação do texto, embelezar seu currículo, fortalecer sua reputação e incrementar sua carreira acadêmica. O fenômeno traz um alerta para os trópicos, onde a comunidade científica foi seduzida há tempos pela ideia de fazer crescer quantitativamente sua lista de publicações.

Alguns diretórios internacionais listam quase 20 mil revistas científicas. É preciso mais? O que está acontecendo?

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