Resumo
Esta investigação teve dois objetivos centrais: o primeiro visou demonstrar e defender a coerência de utilizar perspectivas teóricas, epistemológicas e metodológicas culturalmente consistentes com a visão de mundo africana para analisar e produzir conhecimentos sistemáticos sobre a prática capoeira Angola. O segundo objetivo buscou produzir uma análise dessa prática social a partir das suas expressões culturais africanas com vistas a identificar o seu potencial enquanto uma práxis comunitária que pode promover descolonização mental e libertação pessoal e coletiva. Para tanto, realizei estudo sistemático de referências fundamentais da Psicologia africana e um Doutorado Sanduíche para aprofundar conhecimentos junto a pesquisadores mais experientes da área nos EUA. A partir da perspectiva africana, analisei processos históricos, políticos, filosóficos e práticos da capoeira Angola, bem como a maneira que eles foram experienciados por duas mulheres, uma branca aprendiz e uma negra mestra de capoeira Angola. A primeira é a própria pesquisadora que assumiu o duplo papel de pesquisadora-participante, e a segunda é a participante que não só colaborou com a sua história de vida, mas também com a confecção do trabalho, assumindo a dupla função de participante-pesquisadora. A análise das diferentes dimensões descritas foi produzida com base em referências teóricas de pesquisadores capoeiristas, ensinamentos de mestres transmitidos de forma oral, conhecimentos encarnados no corpo das participantes, registros em diários de campo de visitas a grupos de capoeira, conversas aprofundadas com a participante-pesquisadora e auto entrevista da pesquisadora-participante. A pesquisa demonstra que a prática da capoeira Angola perpetua conhecimentos linguísticos, ritualísticos, orais, musicais e corporais oriundos de culturas ancestrais africanas. Esses conhecimentos possuem múltiplos sentidos e são articulados de forma multifacetada proporcionando aprendizados sobre a vida em seus aspectos físicos, mentais e espirituais. A análise das experiências vividas pelas participantes na prática da capoeira Angola demonstra que esta cultura tem o potencial de promover uma autorreflexão crítica da pessoa na sociedade a partir da oportunidade de vivenciar e encarnar novas formas se ver, pensar, sentir e viver no mundo. Esta experiência crítica criou condições para que as participantes empreendessem processos de autodeterminação pessoal e coletiva na sociedade. Elas não só descolonizaram suas vidas como aprenderam a desenvolver uma práxis comunitária e libertária nas suas relações pessoais e em seus trabalhos profissionais