Questões raciais: Ciência ou fator social. Discutindo o tema através da Educação Física.
Por Luíza Alice Viana Martins (Autor).
Em V EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
O tema "questões raciais" foi apresentado aos alunos a partir de uma intenção educativa levantada pelos professores à respeito de esportes para negros e esportes para brancos. Todas as hipóteses e perguntas foram levantadas pelo grupo. Os professores trouxeram estudos de fisiologistas, depoimentos de grupos ligados a entidades negras, reportagem de moradores do bairro. Os alunos procuraram jornais, recortes de revistas e foram observar negros e brancos em atividades esportivas em clubes, campos de "peladas", televisão etc. As informações, observações e pesquisas foram debatidas pelo grupo e os professores trataram do assunto sem fechar diretamente com uma concepção científica ou com a observância de fatores sociais.
Segundo Bachelard (1993:81), o grupo de professores e alunos começou a desenvolver o espírito científico a partir da observação da realidade social de negros e brancos dentro de determinados esportes, das hipóteses científicas construídas como uma tese de livre docência da Universidade Gama Filho que assevera que negros são inaptos para a natação: "Um pensamento científico não é um sistema acabado de dogmas evidentes, mas uma incerteza generalizada, uma dúvida em despertar, de tal forma que o cientista é necessariamente um sujeito descentrado e dividido, ligado à sua prática mas, ao mesmo tempo, distanciado dela."
A importância do resgate de temas cruciais da sociedade brasileira na aprendizagem da Educação Física busca, na nossa opinião, interpretar dados de uma realidade para a explicação de um problema. Poderíamos notadamente descrever nossa visão sobre questões raciais sem que a pesquisa fizesse parte da aprendizagem. A atitude cognoscente se constrói na observação e na interação com o objeto cognoscível. Fomos obrigados a nos envolver com o tema e analisar através de cada situação de ensino e aprendizagem as transformações e assimilação dos nossos sobre o tema.
Encontramos suporte suficiente na teoria de Projetos Pedagógicos. Nosso objetivo de temas polêmicos na Educação Física nos levou a construir uma prática pedagógica de interdependência, cultura corporal e grandes problemas sócio-políticos atuais:
"Tratar desse sentido/significado abrange a compreensão das relações de interdependência que jogo, esporte, ginástica e dança, ou outros temas que venham a compor um programa de Educação Física, têm com grandes problemas sócio-políticos atuais como ecologia, papéis sexuais, saúde pública, relações sociais do trabalho, preconceitos raciais (...) A reflexão sobre esses problemas é necessária se existe a pretensão de possibilitar ao aluno da escola pública entender a realidade social interpretando-a e explicando-a a partir dos seus interesses de classe social." (Coletivo de Autores, 1998: 62)
Na nossa pesquisa com a natação, ao verificarmos os detalhes da tese da inaptidão de negros (Marquês,1992), não percebemos todo um trabalho de pesquisa social e de reelaboração do real em função de onde vivem as camadas populares da sociedade brasileira. Podemos dizer, que esta tese está dentro de um mundo irreal, certamente diferente do que refletimos nas nossas pesquisas. Em seu conjunto não leva à imagem da realidade social, apoiada na pesquisa de campo que fizemos, com o material vinculado por múltiplos suportes (jornais, revistas e observações sistemáticas).
Este projeto pedagógico fez com que o tema questões raciais refletissem mais do que imagem social dos esportes populares ou os esportes elitizados, mas a própria realidade social. Reflexo da exclusão, da segregação racial. Mais interessante que o trabalho de releitura social, foi o grau de consciência que despertou nos alunos que produziram o trabalho.
Todo o trabalho refletiu um conteúdo interessado e sofisticado a favor de uma classe social. Idealizado pelas forças que detêm o poder social. Percebemos que algumas explicações sobre a inferioridade de um grupo étnico estão vinculadas a uma visão particular de uma classe social, que ideologicamente tornam-se válidas para todas as outras classes desfavorecidas de um certo capital econômico. A classe dominante controla a divulgação do conteúdo científico mascarando as reais condições sociais das camadas marginalizadas, mostrando algumas aparências, acontecimentos e ações sem um estudo crítico da realidade. Concluímos que essas ações não são registradas no decorrer da história da humanidade, dentro dos conflitos de classes, mas como um conteúdo pronto e acabado e sem nenhum valor crítico e social.
"A abordagem positivista de ciência, pautada por este modelo do conhecimento, vai produzir um conjunto de teoria que passarão a justificar as desigualdades sociais pela via das desigualdades biológicas, e, como tal, "desigualdades naturais". Uma vez abstraído o elemento histórico-social na determinação do sujeito que conhece, o que resta é um ser determinado pelas leis biológicas, cujas relações humanas não vão além daquelas que estabelece a própria natureza". (Soares, 1994 p. 13)
Esta constatação nos fez submeter o ensino de questões raciais ao crivo dos determinismos sociais e apontar a interdisciplinaridade do tema, tendo em vista possibilitar o conhecimento de outras ciências sobre o tema em questão.
Desse modo, as questões raciais analisadas na escola refletiu para nós, depois de muitas intervenções e pesquisas, nossa própria transformação e novas representações sobre uma questão importante e interessante. Foi também surpreendente o que despertou nos alunos pesquisadores. O tema expressou efetivamente, um significado lúdico que ultrapassou o fazer por fazer e se apresentou como um ideal curioso que explica melhor a realidade da maioria dos nossos alunos.
Esse projeto pedagógico permitiu-nos colocar em evidência a significação de fatores sociais nos esportes do ponto de vista raças e etnias dentro de uma escola pública. A Educação Física apareceu, então como suporte norteador de aprendizagem para as demais disciplinas. Surgiu como fonte de confrontações com significações culturais para todas as áreas de conhecimento se dispusessem a contribuir com o nosso objeto de investigação.
Obs.
Os autores, profs. Luíza Alice Viana Martins, Carlos Henrique Rodrigues Nascimento e Marcelo Silva kecionam na E. M. Irene Barbosa Orlnellas
Referências bibliográficas
Albuquerque, Fernando. Negro não tem vez na natação. Jornal dos Sports. Maio, 1984.
Bachelar, G. Epistemologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
Castro, Lúcio. Genética e fatores sociais nas raias. Jornal do Brasil. Jun., 2000.
Coletivo de autores. Metodologia do ensino de educação física. Cortez, SP, 1998
Marques, Rafael Costa. Diferença no Rendimento do Aperfeiçoamento do nado crawl entre alunos pertencentes aos grupos étnicos negro e branco. (Tese de livre Docência) U.G.F., 1992.
Nogueira, Cláudio. Braçadas da Bahia à Austrália. O Globo. Rio de Janeiro. Nov, 1997.
Soares, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias. Campinas. SP. Autores Associados, 1994.