Resumo

Dentre os incontáveis mistérios da humanidade, a morte invariavelmente estará presente como conteúdo fértil para reflexão e pensamento. Mais complexo ainda é indagar sobre o desejo em tirar a própria vida. O suicídio constitui uma preocupante questão de Saúde Pública e as Unidades de Internação especializadas apresentam suma importância para o tratamento dos casos mais agudos, com o núcleo de conhecimento da Educação Física ocupando importante papel neste processo. O objetivo é verificar a reestruturação do afeto a partir de uma rotina estruturada de práticas corporais em pessoas hospitalizadas com ideação suicida. Além dos atravessamentos referentes ao afeto, pretende-se obter uma visão da realidade das práticas corporais em um centro de tratamento em saúde mental, assim como possíveis novas abordagens que auxiliem no processo de reabilitação psicossocial. Esse estudo busca uma possível forma de tornar a prática corporal algo mais relevante e próprio da psicoterapia. Em relação aos procedimentos metodológicos, os participantes da pesquisa foram convidados a realizar um ensaio (por meio de escrita, poesia, desenhos, pinturas, dobraduras ou qualquer outra forma de expressão artística ou corporal que estivesse alinhada às suas inclinações individuais), proposto na última semana de internação, podendo assim expressar sentimentos e percepções sobre as práticas corporais no processo de reabilitação. Foi realizada uma reflexão analítica e filosófica debruçada em Nietzche e Espinoza, com abordagem integral do processo de pesquisa, adotando o método clínico qualitativo. A análise partiu de uma perspectiva interpretativa e naturalística, englobando não apenas a narrativa do participante, mas também considerando o contexto ambiental e a experiência teórica e prática do pesquisador. Como resultados parciais, é apresentada a análise do ensaio de três participantes da pesquisa, sendo um relato escrito, um poema e um desenho. Todos são homens, sendo que o participante A tem 58 anos e é empresário do ramo farmacêutico; o participante B tem 19 anos e é estudante. O participante C tem 42 anos, é artista plástico, mas está há 5 anos sem trabalhar na área. A partir dos três ensaios apresentados, foi conduzida uma análise criteriosa e empática, buscando se aproximar do método filosófico conceitual. Foi possível vislumbrar o impacto das práticas corporais na vitalidade de indivíduos em tratamento. Como exemplo, o participante A apontou as dores musculares oriundas do exercício como algo revelador e capaz de mostrar diferentes formas de se sentir vivo. De maneira gradual e individualizada, foi possível observar um retorno ao essencial de cada ser, seja em aspectos laborais, pessoais ou de personalidade. Esta percepção pode ser ilustrada pelo participante C, que mesmo sem exercer sua profissão de artista, utilizou-se da arte para se expressar sobre as práticas. O encontro da mente, imersa em um conflito tênue entre vida e morte, com um desafio de natureza primitiva e essencial, parece proporcionar subsídios para que questões outrora relegadas ao esquecimento ressurjam com vigor. Neste sentido, o paciente B, utilizou-se de uma poema para a livre expressão, algo esquecido e relegado, porém que outrora significou muito na construção do “seu eu”. Os resultados parciais do presente estudo reforçam a importância da Educação Física como parte da equipe multiprofissional, no cuidado às pessoas com ideação suicida, em Unidades de Internação especializada. Assim, emerge a possibilidade das práticas corporais atuarem como catalisadoras de um reencontro com a essência mais profunda do ser, possibilitando uma reconfiguração das perspectivas existenciais diante da finitude e do sofrimento.