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 O objetivo desse trabalho é suscitar a reflexão acerca da importância de se estabelecer critérios para a seleção de conteúdos na educação física escolar. O que desencadeou o tema foi a observação de que, por vezes, os conteúdos se repetem durante a vida escolar sem ter um significado para os alunos, em detrimento do processo educativo.


 Pode-se evidenciar também no quadro atual da educação física escolar que os aspectos relativos à seleção, organização e sistematização dos conteúdos de ensino, estabelece-se em meio a antagonismos, conflitos e indefinições, se tornando algo problemático.


 Destacando o aluno como o centro do processo ensino-aprendizagem, deve haver por parte do grupo pedagógico uma preocupação maior ao se estabelecer os conteúdos, no sentido de adequá-los a uma realidade social, cognitiva/motora, política e histórica do aluno.
Segundo Medina (1987) as verdadeiras propostas de trabalho são projetos a serem construídos em cada situação concreta, sendo preciso que os profissionais envolvidos consigam distinguir o educativo do alienante e o fundamental do supérfluo nas suas tarefas.
A maneira como o conteúdo é selecionado, organizado e proposto ao aluno poderá facilitar ou dificultar sua aprendizagem, razão pela qual deve haver critérios para a seleção dos mesmos.


 2. Conteúdos curriculares


 Segundo Faria Júnior e Faria (1999), conteúdo pode ser definido como sendo o conjunto de conhecimentos sistemáticos sobre o fenômeno educativo. Já disciplina acadêmica ou científica é um termo utilizado para um campo de conhecimento específico [...]

 "caracterizado pelo fato de ter uma história conhecida e um objeto de estudo, um corpus de conhecimento e métodos próprios." (p. 342)
Pode-se dizer que o conteúdo de um determinado componente curricular é aquilo que, da ciência, foi pedagogizado e adequado, "tornado assimilável pelos alunos em espaço e tempo escolares." (Saviani, apud, Soares et al., 1992, p.213)


 "Educar, ensinar, é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim de que ele deles se nutra, que ele os incorpore à sua substância e constitua uma identidade intelectual e pessoal." (Forquin, 1993, p. 168).


 Forquin ressalta que, [...] "a educação escolar não consegue jamais incorporar em seus programas e seus cursos senão um espectro estreito de valores, competências e símbolos socialmente mobilizadores." (ibid., p. 16)


 Os conteúdos para não se tornarem a própria razão do ensino, são mais que o simples resultado de uma seleção de diversas áreas temáticas. "O ensino só se reporta ao sujeito quando os conteúdos são concebidos no sentido de uma situação de aplicação subjetiva" [...], não se tratando apenas de uma seleção, mas de uma preparação didática. (Hildebrandt e Laging, 1986, p. 23)


 O movimento humano tem uma intenção, um significado e os conteúdos da Educação Física passam pela sistematização desses movimentos que devem ser tematizados ou problematizados no sentido de se tornarem relevantes para a formação de um cidadão crítico e conhecedor de sua realidade.


 É importante ressaltar que, na escolha dos conteúdos a serem trabalhados, é preciso considerá-los numa perspectiva mais ampla, que leve em conta o papel não somente dos conteúdos de natureza conceitual (conceitos e princípios), mas também dos de natureza procedimental (saber, fazer, agir com metas) e atitudinal (normas, valores, atitudes). (PCN’s, 1998, p. 75)


 Os temas transversais (ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual e trabalho e consumo) abordados nos PCN’s não devem ser descartados na seleção dos conteúdos, devidamente adequados às necessidades de cada região ou escola e também numa perspectiva interdisciplinar.


 Dentro de uma visão crítico-superadora, [...] "existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela humanidade que necessitam ser retraçados e transmitidos para os alunos". (Coletivo de Autores, 1992, p.39)


 Os elementos da cultura corporal (dança, jogo, esporte, ginástica,...) podem apresentar-se na escola través de temas, tendo como objeto de estudo a expressão ou a linguagem do corpo.


 Resende e Soares (1997) ressaltam que a seleção de conteúdos de ensino, na perspectiva da cultura corporal, pode ajudar a desenvolver nos alunos a noção de historicidade, uma vez [...] "que a produção humana representa apenas um estágio da humanidade  ou seja, não existiam em determinadas épocas e serão superadas em outras". (p.34)


 Moreira (1992) faz três constatações sobre a questão do conteúdo programático da Educação Física. A primeira é que todas as propostas curriculares seguem uma sequencialidade e na Educação Física isso não ocorre. Aí se faz um questionamento, ou a Educação Física, ou os demais componentes curriculares, ou ambos, estão inadequados numa proposta pedagógica escolar.


 A segunda observação é que a Educação Física é tida como atividade periférica na escola, uma vez que professores e administração não dão a devida importância aos conteúdos dessa disciplina.


 E a terceira evidência é a constatação de que a Educação Física é apenas prática de atividades, subjugadas, ainda, por condições atmosféricas.


 De posse dessas reflexões acerca dos conteúdos curriculares da Educação Física escolar, procuraremos destacar alguns critérios para a seleção desses conteúdos.


3. Critérios para a seleção de conteúdos


 Veremos a seguir alguns critérios sugeridos para a organização, sistematização e seleção de conteúdos, visando a formação integral e a aprendizagem significativa e contextualizada do indivíduo.


 Algumas questões estruturais ou institucionais podem interferir na escolha do conteúdo e principalmente na forma a ser trabalhado, como por exemplo: tempo de aula, número de alunos na turma, recursos materiais disponíveis, espaço físico adequado, etc.
A abordagem dos conteúdos, numa perspectiva mais ampla, deve estar voltada para a natureza conceitual, procedimental e atitudinal.
Deve-se atentar para a relevância social do conteúdo no sentido de adequá-los à realidade sócio-política e histórica do aluno, tornando assim a aprendizagem mais concreta e significativa.


 A adequação dos conteúdos às condições dos alunos também se faz importante. Dessa forma devem ser observadas as características e potenciais cognitivos, motores, afetivo-sociais, interesses e necessidades, faixa etária, bem como, as competências e habilidades dos educandos.


 A atualização constante dos conteúdos e a possibilidade de integração com outros temas e disciplinas são necessárias para que o aluno tenha acesso ao avanço do conhecimento e da ciência e não tenha uma visão fragmentada da realidade.


 O Coletivo de Autores (op. cit., p. 33) destaca a "espiralidade da incorporação das referências do pensamento", para que se tenha a compreensão das diferentes formas de organizar as referências do pensamento sobre o conhecimento e ampliá-las, complementando, atualizando e relacionando com a totalidade do saber constituído.


 Finalizando, de uma forma geral, as escolas seguem um referencial curricular baseado na "concepção da lógica formal", caracterizando-se pela fragmentação, estaticidade, unilateralidade e linearidade. Em contrapartida, dentro de uma visão crítico-superadora que adota a "concepção da lógica dialética", os princípios que norteiam a seleção de conteúdos devem pautar-se na totalidade, contradição, movimento e mudança qualitativa.


 4. Considerações finais


 Quando se analisa a dinâmica curricular, numa abordagem de seleção, organização e sistematização de conteúdos, deve-se atentar para a importância de alguns critérios no sentido de viabilizar uma aprendizagem significativa e construtiva do educando.
Os conteúdos possuem sua importância na construção de um corpo de conhecimentos e de uma proposta pedagógica, mas não podem se tornar a própria razão do ensino.


 A pura transmissão de conhecimentos não pode ser considerada a principal função do professor, que deve ampliar horizontes para uma formação integral do aluno, envolvendo conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
Trata-se, pois, de uma perspectiva voltada para uma maior preocupação com o aspecto didático-pedagógico da atividade física, atualizando as temáticas, os enfoques e as preocupações do ensino e da pesquisa.


 Obs.
O autor é Mestrando em Ciência da Motricidade Humana (UCB), Professor de Educação Física da rede municipal de Itaboraí e São Gonçalo e da rede particular de Niterói.


 Referências bibliográficas


 Coletivo de Autores. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.


 Faria  júnior, Alfredo, FARIA, Eduardo J. C. Didática de Educação Física. In: FARIA JÚNIOR, Alfredo et al. Uma introdução à Educação Física. Niterói - RJ: Corpus, 1999. 486 p., p. 341-383.


 Forquin, Jean Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.


 Hildebrandt, Reiner, Laging, Ralf. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986.
Medina, João Paulo S. A Educação Física cuida do corpo... e "mente": bases para a renovação e transformação da Educação Física. 7ª ed. Campinas: Papirus, 1987.


 Moreira, Wagner W. Educação Física escolar: uma abordagem fenomenológica. 2ª ed. Campinas: Editora Unicamp, 1992.


 Resende, Helder G., Soares, Antonio J. G. Elementos constitutivos de uma proposta curricular para o ensino-aprendizagem da Educação Física na escola: um estudo de caso. Perspectivas em Educação Física escolar. Niterói: EDUFF, v. 1, p. 29-40, mar, 1997.


 Secretária de Educação Fundamental. PCN’s - 3º e 4º ciclos: Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998.


 Soares, Carmem L., et al. A Educação Física escolar na perspectiva do século XXI. In: GERBARA, A. et al. MOREIRA, Wagner W. (org.). Educação Física & Esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992. 260 p., p. 211-224.