Regulamentação da Profissão do Educador Físico
Por Lamartine Pereira da Costa (Autor).
Em Revista Mineira de Educação Física v. 5, n 1, 1997. Da página 65 a 68
Integra
1 - Quais as perspectivas para a Educação Física diante da regulamentação profissional?
R - O assunto é polêmico. No Brasil, tomou conotações, inclusive, ideológicas, a partir das origens da regulamentação profissional. Assim, eu preferia abordar esse tema sob um enfoque mais amplo, em que possamos ter elementos de análise da própria profissionalização.Não é um assunto restrito apenas no Brasil há trabalhos feitos na Europa. Revisando essa literatura, tanto [ia educação física como fora dela, uma vez que é um assunto que atinge praticamente todas as áreas, notam-se alguns aspectos relevantes:
Em primeiro lugar, regulamentação excessiva limita o mercado de trabalho, porque os elementos empregadores não têm flexibilidade, então, não aceitam o profissional; ou seja: a normatização exagerada impede que o profissional se torne de alto nível e ele passa a ser um especialista instrumentalizador. Portanto, não é conveniente o excesso, e o debate deve abordar limites. Em outras palavras, antes de entrar no aspecto ideológico, é preciso ver a parte operacional. O profissional ein ação no mercado de trabalho presta um serviço a sociedade; portanto, devem ser observados os limites dessa intervenção. De outra parte, o profissional pode tornar-se um algoz da sociedade, e isto é intolerável em qualquer tipo de regime. No Brasil os radicais querem uma regulamentação a todo custo; é um perigo se exagerar nessa fúria legislativa. Fazendo além do necessário, ele acaba com a própria profissão. O exemplo, aqui no Brasil, é o do jornalista - que teve tanta regulamentação que o mercado ficou muito restrito. Consequenteinente, ninguém quer contratar jornalista diplomado, preferindo burlar a lei com vários expedientes.
Por outro lado, se você não tem regulamentação alguma, que é o que um determinado grupo anda solicitando, você tira a responsabilidade social do profissional. Existe um meio termo, um ponto ótimo de regulamentação, que precisa ser identificado. Criam-se então problemas para identificar este ponto ótimo agora, na chamada crise da educação física, que nada mais é que um ajuste ao que as pessoas estão aspirando (talvez não seja nem crise, mas é um assunto até benéfico para os profissionais). Diante dessa demanda, o excesso de profissionalização faz com que o profissional da educação física perca a oportunidade ímpar de se expandir na sociedade e realizar as suas intervenções de modo adequado a própria sociedade.
2 - Quais são os entraves que estão dificultando esta regulamentação?
R - Os entraves que eu vejo são institucionais. Hoje no Brasil há muitos problemas na regulamentação profissional. O Ministério do Trabalho sempre fez excessivas exigências, as quais criaram os impasses do administrador e do jornalista, que são duas profissões que foram intimidadas pelo excesso de regulamentação. O número de profissionais regulamentados é limitado ao máximo pelo Ministério do Trabalho; por sua vez, aqueles que conseguem atravessar essas barreiras acabam regulamentando exageradamente a profissão, tornando-se, com isso, algozes da sociedade.
3 - Uma vez regulamentado, como irá ficar essa delimitação da competência profissional, uma vez que na educação física, a cada dia, surgem novas possibilidades esportivas?
R - Como já enfatizei, temos que ter um ponto ótimo. E, provavelmente, o ponto ótimo é o mínimo possível ou a regulamentação suficiente para legitimar o profissional que trabalha diante da sociedade. Eu posso estar repetindo, mas devo dizer que os excessos é que complicam a situação e impedem a busca deste ponto ótimo, isto é, os próprios profissionais são inimigos de si mesmos; ou eles querem demais para manter um mercado cativo ou eles não querem nada, o que também deslegitima a profissão. Isto passou a ser tão importante que a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) solicita uma regulamentação profissional feita pelos órgãos de classe, e quem não estiver adequadamente adaptado a esta regulamentação não pode trabalhar. Assim, se prevalecer a Lei de Diretrizes e Bases atual e os professores de educação física não regulamentarem a sua profissão, o mínimo que seja, nós estaremos fora do mercado de trabalho.
4- Nos anos 80, por volta de 1985 ou 1986, foi criado o bacharelado, que dava urna nova perspectiva para a educação física. Como o senhor vê o bacharelado com o passar dos anos e como este veio dar nova resposta a nossa profissão?
R - A criação do novo currículo de educação física, em 1987, permitiu que se descentralizasse o currículo e que as entidades de ensino superior criassem o bacharelado ou outros cursos. Está em aberto; portanto, cada currículo, cada região e cada escola se orieritarn com alguns parâmetros que estão rias resoluções do antigo Conselho Federal de Educação (atualmente Conselho Nacional de Educação); assim, foram criadas não somente novas disciplinas, mas tainbém até novos sentidos para a profissão, coino ocorreu com o bacharelado. Tecnicamente, não posso ser contra o bacharelado, como não posso ser contra qualquer outra profissão técnica de parcelas da educação física, porque o mercado de trabalho exige esse tipo de profissional; é o,caso do "personal training", de que todo mundo fala na educação física. É aquele professor que treina as pessoas isoladamente. É um novo tipo de profissional, e, se ele não for criado pelas instituições de ensino superior, vai aparecer através de leigos. O bacharelado em si foi uma inovação, mas ele, sobretudo, reflete uma demanda do próprio mercado de trabalho, que precisa de profissionais, no caso da educação física, não somente voltados para a escola e para a educação. São profissionais que vão fazer pesquisa, vão trabalhar em fábricas, hospitais, etc. Não precisamos, no momento, definir o bacharelado, porém precisamos dizer que ele é necessário, como qualquer outro desdobramento da profissão. Os argumentos contra geralmente levam em consideração que são cursos fracos.
Mas o curso também pode ser fraco em relação a própria educação física. Então, não é o tipo de curso que é nocivo a educação física, mas sim o modo corno ele é desenvolvido. Se ele for mal, cria problemas, se for bem, terá um aporte de benefícios a sociedade.
5 - A criação de cursos de formação em esportes, como tem ocorrido na Universidade de São Paulo, não está de certa forma fragmentando a educação física em geral?
R - Sim, todas essas subdivisões fragmentam, corno é o caso do bacharelado e das outras profissões técnicas. Para mim, profissão técnica é a de treinador e a desses tais cursos de esportes. Isto é inevitável, é uma tendência institucional e profissional no mundo inteiro, em qualquer tipo de profissão.
Há um sinal negativo nisso, que mostra que a sociedade, a cada dia, busca mais instrumentos, isto é, em vez de sermos humanistas, estamos nos transformando em instrumentalizadores de técnicas. Há, então, um aspecto nocivo na abordagem dessa questão da subdivisão, mas é incontestável que o mercado de trabalho solicita esses técnicos. Mais uma vez, acho que estamos nos aproximando da necessidade de termos um certo ponto ótimo, em que a sociedade pode receber seus profissionais especialistas; este ponto ótimo pode também ter o siginificado de não afastá-los excessivamente do humanisno, uma vez que eles se descaracterizariam do próprio sentido central da profissão, que é pedagógico.
6 - Como o conhecirnento teórico produzido pela academia (cursos de mestrado e doutorado) tem sido absorvido na atuação prática do profissional?
R - O problema das áreas profissionais hoje é o excesso de conhecimento, e a educação física é um dos exemplos. Produz-se muito conhecimento, mas não se criam, até mesmo por dificuldades naturais, dispositivos em que estes conhecimentos possam ser absorvidos em curto prazo pelas profissões. Até agora não se encontrou uma solução para isso. O que se vê é que o médico, o dentista ou o próprio professor de educação física, cada vez mais, fazem menos com relação ao conhecimento produzido, o qual é cada vez mais distante. Não que este conhecimento seja inoperante, mas sim que ele amplia-se numa progressão geométrica, e é impossível acompanhá-lo. Acredito que esse desnível deverá crescer mais ainda; é um problema central de todas as profissões e, nitidamente, da educação física.