Resumo
Este estudo analisou as pedagogias para o corpo feminino propostas pelo discurso da revista ALTEROSA (1939-1964), a partir de três noções propostas por Sant'Anna (2002) e Ory (2009): a dietética, a cosmética e a atlética/plástica. As fontes mobilizadas para a pesquisa foram os exemplares da revista ALTEROSA e documentos do Fundo Policial do Arquivo Público Mineiro. A revista ALTEROSA foi um impresso de variedades produzido para o público feminino que encontrou uma forma própria de negociar o espaço social das mulheres, tensionando os ideais e os valores a elas atribuídos, dentro de limites possíveis do período em que circulou. Pelas escolhas do conteúdo e do aspecto gráfico, ALTEROSA investiu na divulgação de pedagogias que que, organizadas em uma complexa rede de recomendações e apoiadas no discurso médico-científico, se refinaram em rituais, dietas, procedimentos e comportamentos de cuidados com o corpo e normatização da vida. Tais pedagogias atuavam de forma complementar sobre os corpos. A dietética configurou-se como uma pedagogia difusa, que visava a educação para a ingesta, a partir de duas vias principais: a do controle in natura das quantidades e da qualidade dos alimentos ingeridos e a do controle sintético, que propunha a ingestão de produtos com vistas à regulação das funções orgânicas, como reguladores digestivos, nervosos e das funções uterinas. A atlética foi definida como uma pedagogia centrada na manipulação das formas dos corpos femininos, organizada em dois tipos de intervenção: pela via passiva, da moda, investia no disfarce de formas indesejadas e na definição mecânica da silhueta feminina ideal, padronizada e universal, a partir dos modelos de corpos de misses e atrizes do cinema norte-americano); pela via ativa, a ginástica, que flexibilizava a forma do corpo quando relaciona à prática esportiva (atletas), mas que, por outro lado, estimulava a padronização das formas com a prescrição das ginásticas caseiras. Em ambas as vias, defendia-se o controle de práticas e do esforço exigido para que não houvesse prejuízo dos elementos femininos. Perpetuava-se ainda a ideia de que todo esforço deveria ser compensado por meio de práticas de lazer e de descanso ao ar livre, desde que submetidos a regras rígidas de organização. A pedagogia cosmética inclui todos os rituais, práticas e produtos destinados ao embelezamento e à higiene da mulher. Tal investimento foi responsável pela invenção, divulgação e renovação constantes dos cuidados com a aparência feminina e pelo estímulo ao consumo de produtos de beleza. Esse investimento reforçou, no período estudado, a diferenciação entre homens e mulheres pela ênfase insistente nos traços do rosto (com o uso da maquiagem) e nos cabelos (considerados a moldura do rosto) e nos cuidados com a higiene dita própria da mulher. A cosmética apareceu como último recurso de manipulação corporal, quando as ginásticas ou o controle dietético não geraram resultados desejados. Investiu assim, na correção de defeitos da aparência causados pela ausência de beleza ou pelo envelhecimento. A pedagogização do corpo da mulher pela revista ALTEROSA submeteu-o a diferentes provações, análises, verificações e julgamentos. A tríade Regular-se, exercitar-se e embelezar-se foi um discurso perene, uma orientação sub-reptícia que com e por tudo isso amalgamou um modo de ser e viver a feminilidade.