Reordenamento, novas competências e Educação Física
Por Graziany Penna Dias (Autor).
Em V EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
O objetivo deste texto é discutir a questão das novas competências , contextualizando os seus antecedentes calcados na reorganização do mundo do trabalho, e suas relações com a educação física. Para tal o texto baseou-se neste conceito proposto à instituição escolar, e que está sendo divulgado com o intuito a sua implantação nas ações pedagógicas das disciplinas que compõem o currículo formal. No caso da educação física, pode-se perceber então que estas competências terão por intenção balizar os objetivos-conteúdos-métodos que deverão estar orientados à formação do indivíduo para a esfera produtiva.
Reordenamento do mundo do trabalho e as novas competências
Atualmente estamos presenciando no mundo várias transformações provenientes de políticas estruturais que têm se pautado no processo de reestruturação do sistema capitalista, que havia adentrado em mais uma crise no começo da década de 90 (Anderson, 1999). Tais transformações estão sendo impostas aos países do capitalismo periférico, através de órgãos internacionais conhecidos como Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) e que estão à serviço dos países do capitalismo central (Leher, 1999; Soares, 1998).
No tocante a estas reestruturações uma das principais se encontra em voga atualmente é a globalização, construída na crise estrutural do capitalismo. Ideologicamente a globalização é divulgada/imposta como sendo um processo de integração mundial responsável por uma repartição menos desigual das riquezas. Porém, ao contrário desta tese, a globalização liberou "todas as tendências à polarização e à desigualdade que haviam sido contidos, com dificuldades no decorrer da fase precedente" (Chesnais, 2001: 12).
Essa construção hegemônica do neoliberalismo vai se impondo através de reformas em vários planos, sejam estas educacionais, sociais, econômicas, políticas, etc. Ideologicamente, os financiadores do neoliberalismo, incutem a idéia de que todo este processo é necessário para resolver os problemas sócio-econômicos derivados da crise que vem assolando todo o globo (Gentili, 1995).
No entanto, a análise de realidades recentes têm apontado o contrário. O que se tem percebido é o fracasso neoliberal em solucionar os problemas de miséria e pobreza. Tanto é que segundo Soares (ibid. pág. 30) "(...) o próprio Banco Mundial admite o seu baixo desempenho no combate à pobreza".
Com a reorganização do mundo do trabalho, ditadas pela globalização, um novo perfil de trabalhador se faz necessário para atender as exigências de um mercado dinâmico (Silva, 1997; Frigotto, 2000). Vale ressaltar que este mercado dinâmico encontra-se em quadros de precarização, partindo para a informalidade de empregos temporários sem garantias trabalhistas definidas e asseguradas (Antunes, 1997). Ao se pensar neste trabalhador, é válido imaginar quem vai prepará-lo. A partir daí nos remete a pensar na escola, e com isso, nas adaptações feitas no plano educacional.
Como nos afirma Gentili (ibid.: 232) em relação a esta reforma estrutural
"(...) os períodos pós-crise implicam em numerosos desafios para a classe dominante ou para as frações dela que hegemonizam o processo. Trata-se não apenas de criar uma nova ordem econômica e política (tal como defendem alternativamente as versões economicistas ou políticistas), mas também da criação de uma nova ordem cultural".
Desta feita temos que no âmbito da escola o futuro trabalhador deverá adquirir conhecimentos subordinados não só a uma visão multifuncional que agremie em seu interior as polivalências, visando a superação de modelos de produção do passado (Taylorismo/Fordismo) que entraram em crise (obsolescência). Para questão de elucidação, estes modelos se baseavam no trabalhador adquirir modos de pensar definidos e restritos a partir do lugar a ser ocupado no trabalho segmentado e hierarquizado, denotando total alienação de todo o processo (Frigotto, 2000).
Do exposto acima, parece que as polivalências são um dos importantes diferenciais para as novas exigências do capitalismo em seu processo de reestruturação neoliberal. Mas em que vão consistir estas polivalências? Em que se baseiam?
Em resposta a estas questões, tem se divulgado no âmbito educacional o ensino das novas competências que vão se basear nas qualidades sócio-psicológicas do ser humano (Castro, 1994 In: Frigotto, 2000). Sob este prisma tem-se capacidades tais como abstração, facilidade de trabalho em grupo, criatividade, decisão, resolução de problemas, entre outros. Porém é importante frisar que o ensino destas novas competências vão convergir para uma via à qual não se pretende indivíduos críticos à sua realidade. A superação aqui, encontra-se apenas nos modos de produção do passado supra citados.
Em vista disto, pode-se perceber que a questão das novas competências traz em seu bojo, uma versatilidade e consenso, que arrisco-me a dizer, nunca vista antes. Trata-se de um tipo de exploração que estabelece ligações muito complexas, introjetando no trabalhador seus códigos e sentidos.
A partir do exposto acima, podemos ver que estas novas competências vem a se instaurar para uma maioria (classe trabalhadora) para que esta possa atender aos anseios de uma minoria (burguesia). Disto temos que esta polivalência não irá atender à classe trabalhadora, não obstante é necessário fazer o contraponto ao discurso ideológico das novas competências na escola contextualizando os seus antecedentes históricos e apontando os seus determinantes, ou seja, para onde este processo está caminhando.
Portanto, percebendo que este necessita de muitos estudos e discussões de cunho crítico, ao contrário do que vem sendo feito.
As novas competências e a educação física
A educação atualmente tem passado por profundas modificações, principalmente no que concerne a incorporar nas ações pedagógicas às novas competências que o futuro trabalhador deverá possuir para atender às demandas provenientes das exigências do dito mercado de trabalho.
Nesta perspectiva é possível visualizar que a questão das competências é um dos marcos principais na educação e que tem impulsionado exaustivas discussões e formulações para a sua divulgação e empregabilidade nas escolas. Como exemplo disto, na revista Nova Escola do mês de setembro de 2000 saiu uma matéria com o título "Para Aprender (e desenvolver) Competências". Esta matéria basicamente tratava de divulgar as competências como sendo imprescindíveis para o momento em que estamos vivendo, sendo então importante que a escola e o professor procurem se informar sobre elas para poder implantá-las nas suas ações pedagógicas. Apesar de não se saber ao certo quantas e quais são estas competências, as autoras Gentile e Bencini (Nova Escola, 2000) arriscam algumas como a criatividade, criticidade, trabalho em grupo, compreensão e atuação no meio social e outros.
Inclusive, a questão das novas competências para a educação, pode ser claramente vista num dos atuais projetos da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), em cooperação com a Fundação Roberto Marinho (FRM). O Projeto Teleducação Para o Trabalho, que vai dizer nas suas considerações iniciais que:
"À educação compete, portanto, propiciar ao cidadão condições para que exerça funções políticas, produtivas e culturais, se o especialista é anacrônico, já não serve também o mero acadêmico, o dirigente literato, bom orador, com sólida cultura geral, mas que não domina a dimensão instrumental, científico-técnica do Trabalho.
Frise-se, portanto, que não se trata de uma estratégia de educação para uma categoria, mas constitui-se no novo princípio educativo a organizar as propostas pedagógicas para todos os cidadãos, a partir da organicidade entre ciência, tecnologia e cultura típica do trabalho no atual estágio de desenvolvimento dos fatores de produção na sociedade contemporânea" (FIESP/FRM, 1994 :5 In: Andrade, 1996: 81).
À primeira vista, estas competências parecem realmente imprescindíveis e necessárias extravasando os limites para além de uma visão mercadológica, mas para uma vida em sociedade. Porém uma análise simplista como esta, recai num equivocado entendimento destas competências. Isto porque analisar estas competências sem um viés histórico-crítico corresponderia a uma observação abstrata do fenômeno.
Não é possível entender o real papel das competências sem contextualizá-las sob o referencial do materialismo histórico dialético. Pois só a partir deste tipo de análise é que é possível entender que o papel destas competências é atender as necessidades, por parte do capitalismo, de um novo modelo de trabalhador polivalente para as novas tecnologias (Nozaki, 1999; Frigotto, 2000).
Desta feita, tenho portanto o entendimento de que sendo a escola uma das responsáveis para esta nova formação, as disciplinas que compõem o seu currículo deverão dar conta de atender a estas novas exigências. Pensando especificamente no caso da educação física, cabe aqui fazer alguns questionamentos que serão a base deste estudo. Sob a égide destas novas competências, a educação física contribui para formação do novo trabalhador? No caso dela não contribuir, como fica a sua situação na escola?
É necessário lembrar que a mesma já correu sérios riscos de ser retirada da escola quando da discussão/aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n.º 9394/96. No artigo que fazia referência à educação física, lia-se "valorização da disciplina", deixando livre a interpretação, justamente no momento onde se estava diminuindo gastos com a educação sob a idéia da ordem econômica além de priorizar disciplinas de cunho técnico científico definidos, imprescindíveis a formação de mão-de-obra (Pinheiro, 1997: 68).
Justificar tal estudo, para mim, se torna tarefa fácil pois a realidade que nos está sendo imposta é veiculada sem qualquer discussão crítica do assunto. Como dado importante sobre isto, em recente concurso público para professores PI e PII para o município do Rio de Janeiro, consta na bibliografia específica à educação física um livro escrito pelo sociólogo suíço Phillipe Perenoud cujo título é "Construir as Competências desde a Escola". Este autor pode ser considerado como um dos grandes influenciadores da implementação das novas competências no Brasil.
Fatos como este só vem a subsidiar ainda mais o argumento esboçado ao longo deste texto, de como este assunto esta sendo tratado sem discussão. Desta forma penso que este acontecimento se configura em uma mais uma estratégia de se estabelecer as novas competências no interior da escola.
Em vista disto se torna mais clara a necessidade de conhecer e aprofundar sobre as novas competências e as suas relações/possibilidades com a educação física, não perdendo de vista o olhar histórico crítico.
Obs.
O autor é aluno do Programa de Especialização em Fundamentos Teórico e Metodológicos do Ensino da Educação Física Escolar
Referências bibliográficas
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