Representando a Educação Física no Ensino Noturno
Por Elaine de Brito Carneiro (Autor).
Em VI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Esta pesquisa tem por objetivo identificar, analisar e interpretar as Representações Sociais reveladas através do discurso dos alunos do ensino médio noturno sobre a Educação Física na escola. Este estudo justifica-se ao passo que estará investigando um grupo diferenciado em relação aos demais na escola. Trata-se de um grupo já inserido no mercado de trabalho, na maioria das vezes precarizado, contribuindo com o sustento da família e muita das vezes, assumindo a sua própria. Estes alunos trabalhadores enxergam na escola a possibilidade de melhorarem de vida, além da escola também constituir-se no principal espaço de socialização, pois, é onde estão os amigos e onde é possível descarregar o estresse do trabalho diário. Tem-se o entendimento de que os alunos do ensino noturno deveriam ter os mesmos direitos que os demais alunos de acordo com o ítem I do Art. 3O da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 20/12/96 , que prevê igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.Costa(2000) Porém, não é isto que acontece na prática. Particularmente, em relação à Educação Física, esta lei mostra-se contraditória à medida que prevê a facultatividade deste componente curricular no ensino noturno, privando o aluno-trabalhador de ter acesso a cultura corporal de movimento. Sim, pois sendo facultativo o oferecimento deste componente curricular, no Município pesquisado - Niterói - a maioria das escolas optam por não oferecê-la.
Ao analisarmos de que forma os alunos trabalhadores estão construindo suas representações sobre a Educação Física, nos reportamos a um dos sete saberes citado por Morin (2000): "os princípios do conhecimento pertinente". O autor coloca a importância de conhecer os problemas-chave e informações-chave sobre o mundo: "A era planetária necessita situar tudo no contexto e no complexo planetário. O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital" (p.35). E paralelo a este saber, o homem necessita conhecer mais proximamente sua condição humana para que de fato interaja com os problemas-chave sobre o mundo. De forma que além de simplesmente conhecê-los, o homem sinta-se mobilizado na tentativa de superação dos mesmos. Já que é ele que habita este mundo e que interage de diferentes formas, exercendo por vezes inúmeros papéis.
Ao dissertar sobre Ensinar a condição Humana, outro saber apontado por Morin, o autor faz a seguinte observação:
"Para a Educação do futuro, é necessário promover grande remembramento dos conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humanas, bem como integrar (na educação do futuro) a contribuição inestimável das humanidades, não somente a filosofia e a história, mas também a literatura, a poesia, as artes ... " (p.48)
A partir deste fundamento percebemos o quanto a Educação Física pode ser uma disciplina altamente rica ao tratar o seu saber sob a ótica deste remembramento(1) de conhecimentos. O quanto uma aula de Educação Física possibilita educadores e educandos a ensinarem e apreenderem o seu conteúdo onde as ciências naturais e humanas possam estar presentes ao serem enfocadas simultaneamente na arte da comunicação de uma determinada informação ou solução de problemas pertinente ao seu conhecimento.
Desta forma, conhecer e compreender a representação de um grupo de alunos acerca das suas vivências e entendimentos da Educação Física se torna relevante para que esta disciplina avalie de que forma vem contribuindo na formação do aluno possibilitando-o aproximar-se de sua condição humana e auxiliando-o na superação dos desafios e incertezas de nosso tempo. (Morin, 2001).
Nesta pesquisa optou-se por trabalhar um referencial teórico-metodológico das Representações Sociais visto que é a partir deste referencial que busca-se identificar de que forma os atores sociais envolvidos no contexto desta pesquisa constroem seus sentidos sobre a Educação Física no ensino noturno. Para tal, recorremos às fontes primárias e dissertações que abordassem tal tema no contexto da educação física na escola.
Muitos são os conceitos definidores da teoria das Representações Sociais. Optou-se pelo de Moscovici (1978, p. 67)
"um conjunto de proposições, reações e avaliações que dizem respeito a determinados pontos, emitidas aqui e ali, no decurso de uma pesquisa de opinião ou de uma conversação, pelo "coro" coletivo de que cada um faz parte, queira ou não.Esse coro é, muito simplesmente, a opinião pública, nome que lhe era dado outrora e em que muitos viam a rainha do mundo e o tribunal da História."
Após esta definição, percebemos o quanto este estudo está preocupado em entender, com fundamentação nas Representações Sociais, o conjunto de conceitos e explicações que emergem através das relações interpessoais no contexto da Educação Física. O entendimento de tais significados que emergem da Educação Física noturna são importantes no processo de formulação de propostas e práticas pedagógicas. Entender como se processa a Educação Física no ensino noturno segundo a ótica dos alunos, é um compromisso em revelar o que pensam os alunos sobre a Educação Física na escola. É um compromisso com aqueles jovens e adultos que aspiram por condições melhores de vida, estando a Educação Física fazendo parte deste contexto.
Metodologia
A metodologia utilizada acompanha a abordagem qualitativa, onde segundo Chizzotti (1991,p.78): "a complexidade e as contradições de fenômenos singulares, a imprevisibilidade e a originalidade criadora das relações interpessoais e sociais" são valorizados na pesquisa. Segundo Menga (1986): "Ao considerar os diferentes pontos de vista dos participantes, os estudos qualitativos permitem iluminar o dinamismo interno das situações, geralmente inacessível ao observador externo". (p.12) E é com o dinamismo destas relações internas que estamos preocupados em pesquisar como se dá, como se processa e como se relaciona o aluno do ensino noturno com a Educação Física na escola. Neste tipo de pesquisa, estamos interessados em analisar "os significados que os indivíduos dão às suas ações". (1991, p.78), não em buscar resultados que atendam uma combinação constante do comportamento dos seres humanos.
Desta forma, acredita-se que a pesquisa fundamentada na teoria das representações sociais seja apropriada, uma vez que analisar-se-á os significados construídos pelos alunos sobre a Educação Física no noturno. Não priorizando, assim, um resultado único e constante, mas dentro do que se propõe a fazer, respeitando as inúmeras interpretações sobre esta temática. Para isto o contato direto do pesquisador com o ambiente natural da sua fonte de dados é fundamental, pois fica mais fácil visualizar como se processa o fenômeno, suas implicações, as influências que sofre de partes distintas; enfim, é possível acompanhar as inúmeras interações presentes no cotidiano da pesquisa. Por esta razão "a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto." (1986, p.12), pois busca-se valorizar as inúmeras possibilidades de entender a construção do objeto dentro do ambiente pesquisado, não nos preocupando em chegar a um único lugar, pois este tema poderá vir a ser objeto de estudo para outras pesquisas, com uma outra percepção e entendendo o fenômeno relacionado a outro contexto.
Num estudo piloto, realizado em três Escolas Estaduais do bairro de Jacarepaguá-RJ, foram entrevistados um total de quinze alunos-trabalhadores. Observou-se que, embora esta disciplina estivesse justificada na grade escolar destas escolas, as aulas de Educação Física pareciam estar descontextualizadas do projeto pedagógico da escola. Em uma delas, as aulas aconteciam em tom de "aula livre", ou seja, os alunos escolhiam suas atividades conforme suas preferências sem que houvesse a intervenção do professor. Na segunda Escola, as aulas aconteciam esporadicamente. As aulas de Educação Física na terceira escola eram oferecidas com maior regularidade. Nesta última Escola, alunos do curso de graduação em Educação Física de uma Universidade do Rio, realizavam seus estágios supervisionados.
Ao analisar uma das nove questões do roteiro de entrevista, "Como você se sente quando é dia de Educação Física", observou-se que os alunos representam a Educação Física como um momento de "lazer, de descontração, de relaxamento, de ludicidade e de práticas esportivas".
Considerações finais
Acredita-se que os dados empíricos deste estudo possam subsidiar os profissionais da área escolar, supervisores, diretores de escola, coordenadores de área e os professores de Educação Física, assim como os educandos a um repensar criterioso a respeito da ação, dos conteúdos, dos planejamentos abordados nas aulas de Educação Física no ensino noturno, a partir do significado dado pelo aluno e das finalidades da Educação Física Escolar apontadas na Educação brasileira.
A Educação Física, sendo uma área que abraça os conhecimentos da cultura corporal, segundo o entendimento da autora desta dissertação, pode e deve ousar na tentativa de diversificar a sua prática; porém, sem se deixar levar pela ausência da criticidade, contextualização e significado.
Torna-se necessário romper com o desinteresse docente e discente que vem sendo observado nas aulas de Educação Física no ensino noturno e com o descaso de seus profissionais para a discussão e tentativa de se encontrar soluções para esta problemática.
Observa-se que esta disciplina a cada ano que passa está sendo definitivamente "banida" da grade curricular da escola noturna, não havendo perspectiva de retorno em muitas escolas. Percebe-se que muitos administradores escolares não visualizam a "funcionalidade" desta disciplina à noite e acreditam que ela pouco contribua para a formação do homem, este mesmo homem que há tempos atrás foi alvo de investidas da própria Educação Física para atender as necessidades emergentes de uma sociedade que buscava pelos moldes capitalista de produção. Observa-se com isto, que os diferentes sentidos representados por esta disciplina ao longo de sua existência no Brasil "vai ao encontro" dos diferentes contextos históricos, econômicos e culturais desta sociedade. Este trabalho assume a postura de que a Educação Física como componente curricular da Educação Básica segundo parágrafo 3º da lei nº 9.394 deveria ser oferecida para todos os três turnos escolares e mais, defende-se aqui um repensar criterioso quanto aos métodos adotados por esta disciplina junto aos alunos-trabalhadores. É necessário que a Educação Física seja repensada em sua metodologia para que de fato possua um significado para estes alunos.
Notas
- Para Morin (2001), remembramento a que se refere está em relacionar os conhecimentos das ciências naturais aos conhecimentos das ciências sociais, de forma que o homem possa ser visualizado de forma global e contextualizado
Referências bibliográficas
- Antunes, R. (1999). O Sentido do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial
- Chizzoti, A. (1991).Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez.
- Costa, G. C. (2000). LDB e Educação Física no ensino noturno: entre outras questões uma questão de direito. Anais do IV Encontro Fluminense de Educação Física Escolar. Niterói. p, 98-100.
- Marques, M. S. (1997). Escola noturna e jovens. Revista Brasileira de Educação. São Paulo. Nº 6: 63-75.
- Menga, L. & Marli, E. A. A. (1986). Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU.
- Morin, E. (2001). Os sete saberes necessários à educação do futuro. 3ª edição. São Paulo: Cortez.
- Moscovici, S. (1978). A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.