Integra

 Dar aula para Educação Infantil é algo muito complexo e de difícil execução. Só mesmo professores preparados para o trabalho com o público infantil percebem as mudanças epistemológicas presentes a cada passo de sua ação pedagógica. Os professores da E.M.

 Professora Aurelina Dias Cavalcanti perceberam o mesmo problema em diferentes turmas da Educação Infantil. Um problema que parte dos meios de comunicação de massa e segue introgetando nas mentes infantis, danças sensualistas de época, o discurso funk presente nos movimentos corporais dos alunos e as falas colocadas no mesmo contexto educacional dão conta de um novo fenômeno educativo: "As mulheres são maravilhosas, gostosas e poposudas." (Ruan, 4 anos, 2º período da Ed. Infantil E.M. Professora Aurelina Dias Cavalcanti).


 Este discurso nos apresenta a educação funk difundida por todo o Brasil. Possibilita a Ruan expressar um novo comportamento e efetuar descobertas sobre a situação da mulher na sociedade brasileira, da cultura de massa e de palavras novas, diferentes do vocabulário escolar. Apresenta-nos, também, que as crianças trazem para dentro da escola uma cultura que a própria antropologia nacional busca explicações. Junto com as músicas, as danças que as crianças aprendem fora da escola, vêm a tendência da sexualidade precoce, do sexismo e da afirmação masculina: "O funk provoca uma separação brutal entre os sexos e acentua a hipertrofia da sexualidade como forma de afirmação masculina. Além disso, não é uma cultura enraizada na população brasileira." (Zaluar, 2001:1)


 Este fenômeno suscita, no nosso entender, uma situação didática específica para abordar um problema cultural, uma pedagogia que investigue e estude a realidade social dos nossos alunos e quais os instrumentos educativos que dispomos para responder às questões formadoras que representam a história e o contexto real da escola em que trabalhamos.


 Há uma visão social de que a brincadeira infantil pode vir a ser instrumento de entreterimento das crianças na Educação Infantil.

 Atividades que aparentemente não têm nenhuma função educacional. Esta visão foi radicalmente desconstruída pelos professores que trabalham com o público infantil. Aliás, o resgate das brincadeiras tradicionais na Educação Infantil foi o caminho pedagógico mais consciente e lúcido a ser seguido, encontrado pelos professores para superar a alienação cultural em que vivem as crianças na escola.


 Foram muitas as situações didáticas encontradas pelos professores para reviver, discutir, praticar suas ações pedagógicas no seu local de ensino. As bases se assentaram a partir das brincadeiras tradicionais socializadas pelas crianças, obrigando os professores a construírem um anedotário repleto de jogos e brinquedos. Esta ação levou-nos a explicar a trajetória histórica das brincadeiras infantis, da sedução das imagens televisivas, da iniciação sexual precoce, da tecnologia formando habilidades e cultura.


 Como segunda atividade pedagógica, fomos desenvolver uma pesquisa histórica junto dos pais dos nossos alunos, que contribuíram enormemente, nos oferecendo diferentes situações de brincadeiras históricas, que brincaram e ainda brincam com seus filhos. O que estamos vivendo confirma o que nos diz o referencial curricular nacional para Educação Infantil: "A presença dos familiares como elementos integrados ao trabalho pedagógico constitui-se em outro recurso interessante. O convite aos familiares para irem à instituição pode ser feito sob diversos pretextos, desde o simples relato ao vivo de um caso já mencionado pela criança, até a participação em alguma atividade para a qual possa ter uma contribuição especial."(Brasil,, 1998:42)


 Procuramos compreender o fenômeno educativo do "funk" e a sua divulgação propagada no cotidiano social do aluno. As ações pedagógicas foram no sentido de interpretar, ouvir e compreender a representatividade cultural que está subjacente ao seu fazer social, confrontando com as brincadeiras tradicionais que nos permitiram uma nova ação pedagógica, uma nova visão espistemológica e a construção coletiva de outras ações para nortear o trabalho escolar.


 Através do resgate das brincadeiras tradicionais vivenciamos um processo permeado pelos avanços educativos que o jogo promove, da riqueza motriz que as brincadeiras proporcionam, da construção de pesquisa de alunos, professores, pais, que a escola experimentou. Uma das ações pedagógicas trabalhadas na Educação Infantil foi o "chá da vovó", em que os pais e avós das crianças resolveram aceitar o convite dos professores para comunicarem as brincadeiras e os jogos que viveram na sua infância.


 Esta ação permitiu que as crianças compreendessem o processo histórico das brincadeiras tradicionais. Os professores construíram com seus alunos diferentes jogos e brinquedos tradicionais como "biloquê", "vai e vem", bolas de meia, boliche, "pé de lata" etc. Os pais perceberam que era necessário também a sua contribuição e produziram alguns brinquedos tradicionais como carrinho de rolimã, futebol de pregos, carrinhos de lata etc.


 Aprofundando a pedagogia de resgate das brincadeiras tradicionais, uma turma de 6ª série da escola abordou o tema com sua professora de Educação Artística extraindo uma discussão sobre as brincadeiras tradicionais. Disso resultou a construção de brinquedos, fazendo com que os próprios alunos do 2º segmento vivenciassem um tema pedagógico que foi detonando na Educação Infantil.


 O trabalho com as brincadeiras tradicionais desde a Educação Infantil está sendo um caminho para compreendermos o valor da linguagem "funk" no seio escolar e no contexto do aluno. Nossa finalidade persiste na busca de compreendermos a inculpação, via meios de comunicação, para não sermos (professores e alunos) agentes passivos frente à ideologia sexista e secregadora. Vivenciar outras experiências motrizes, perceber outros paradigmas educativos são os objetivos dos sujeitos históricos, críticos e independentes dentro da escola.


 Câmara Cascudo (1989) divulgou a importância dos jogos tradicionais e testemunhou as épocas, as iconografias e as expressões corporais em geral dos brinquedos. Esta via aberta, nos serve de motivo para nos desafiar no mundo das brincadeiras. Com efeito, a postura histórica de Câmara Cascudo pode estudar no âmbito da cultura de massas, de maneira crítica e de confronto, aproximando cada vez mais o universo lúdico da realidade escolar:


 "A reunião dos jogos e brinquedos infantis num ensaio de confronto seria tarefa maravilhosa de beleza e utilidade. Beleza de trabalho humano e sensível durante séculos. Alegria de pesquisar, cortejar, deduzir, descrever o movimento, a força, o ímpeto desses jogos perpétuos mantidos pelo homem na memória, repetidos, como que ressuscitados, quando a idade atinge a área deliciosa da agilidade e do arrojo juvenil. E ainda o calor espiritual com a criança que vive em nós. Todos esses jogos têm a sua mímica imortal."


 Obs.
As autoras, profs. Profa. Nadir Guido Ramos, Ana Cecília Rosa da M. Silva, Angela Marques S. Rodrigues, Claudinéia Nascimento das Neves, Mônica da Cunha Monteiro e Nilcéia Tiburso da Silva são professoras da E.M. Aurelina Dias Cavalcati


 Referências bibliográficas:


 Alves, Sérgio. Cientistas sociais se dividem: uns apontam preconceito velado contra pobres, outros alienação. Rio de Janeiro: Idéias Livros, Jornal do Brasil. n.º 747, 24/03/01.
Brasil, Referencial curricular nacional para a Educação Infantil / MEC. Brasília SEF, 1998.
Carneiro, Angela. Tapa de pelica. O Globo. Rio de Janeiro, Opinião, 13/03/01.
Cascudo, Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo : Ed. Global, 1989.
Sant’ana. A.R. Anomia ética e estética. O Globo. Rio de Janeiro: Prosa e Verso, 17/03/01.
Utzeri, Fritz. Búlica ou búrica? Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18/03/01.
___________. Funk you. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 28/03/01.
Winnicott, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.