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O corpo feminino sempre foi objeto de fascínio e pesquisa da ciência ao longo da história. Hoje, ele se tornou, porém, muito mais do que isso. Representa um dos principais – e urgentes – desafios para a medicina. A razão é simples. Nos últimos anos ele vem sendo submetido a uma revolução resultante das mudanças de comportamento vividas pelas mulheres. Com a entrada no mercado de trabalho e a maior liberdade sexual, o organismo feminino ficou mais exposto a fatores de risco antes não incluídos na lista de agressores ou que pelo menos contavam pouco. Entre eles, o stress no emprego e com os afazeres de casa. Outro é a possibilidade de ter mais parceiros sexuais sem culpa, o que pode deixá-la mais vulnerável às doenças sexualmente transmissíveis. Sem falar no adiamento da gravidez, o que também tem impacto sobre um corpo capacitado pela natureza para gerar filhos.

O resultado físico dessas mudanças começa a ser sentido com maior clareza. O mais contundente é o aumento da incidência de doenças cardiovasculares, especialmente infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Segundo o Instituto do Coração, de São Paulo, há 40 anos, em cada dez casos, um era feminino. Hoje, a proporção de AVC é de dois homens para uma mulher e a de infarto de três homens para uma mulher. “Elas estão mais expostas aos fatores de risco como fumo e hipertensão”, diz o cardiologista Antonio Mansur, do InCor. Essa constatação aparece na pesquisa recém-concluída pela Clínica Med-Rio Check-up, do Rio de Janeiro. Eles analisaram cinco mil mulheres entre 1990 e 2006 e observaram mudanças importantes. Há 16 anos, 30% fumavam. Hoje, são 45%. Em relação ao colesterol, 25% apresentavam índices acima do limite. Neste ano, são 40%. Em 1990, 40% tinham alto nível de stress. Agora, já são 60%.

O impacto vai além do coração. Aumentou, por exemplo, a taxa de mortalidade por câncer de mama. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, em 1999 morreram 8,1 mil vítimas da doença. Em 2004, foram 9,7 mil. “O estilo de vida é determinante para a ocorrência desse tumor. Gerar o primeiro filho depois dos 30 anos faz ter um risco 30% maior. Dieta gordurosa também aumenta as chances”, explica o ginecologista Eduardo Zlotnick, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Uma das vítimas foi a bióloga Cristina Musmanno, 32 anos. Mãe de duas filhas e envolvida em pesquisas em zoologia, ela teve a doença em 2004. “Quando descobri, pensava em fazer doutorado. Agora retomarei meus projetos”, conta. A mesma linha de ascensão motivada por novos e maus hábitos é verificada em relação a outros tumores, como o de pulmão. “Sua principal causa é o tabagismo”, diz Riad Younes, do Hospital do Câncer de São Paulo.

Outra constatação é o crescimento de males como a Aids, associado à maior liberdade sexual, entre outros fatores. Nos anos 80, a proporção era de 26 homens soropositivos para uma mulher. Hoje, a proporção se aproxima de um para um. Há ainda a endometriose, caracterizada pelo depósito do sangue menstrual na cavidade pélvica e que já atinge 20% das mulheres. “Houve aumento porque elas adiam demais a gravidez”, afirma Marco de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Endometriose. Quanto mais tardia a gestação, mais menstruações, o que eleva o risco de o material não ser totalmente expelido. E temos o problema dos miomas, tumores benignos uterinos. “A gravidez protege contra eles”, diz o médico Vilmon de Freitas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Como se vê, a medicina depara com um organismo feminino repleto de desafios. E a ciência se esforça para entender como funcionam as engrenagens dessa nova mulher. Uma das áreas mais investigadas é a de doenças cardiovasculares. O resultado são descobertas interessantes. Um trabalho do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio, revela diferenças nos sintomas do infarto. “Elas apresentam mais palpitação e aceleração cardíaca. Eles sofrem mais de dor torácica e alterações na pressão”, informa o cardiologista Antônio Nóbrega.

A pesquisa sobre os AVCs traz novidades. Um estudo divulgado no início do mês mostrou que as vítimas mais jovens podem sofrer a ação de um gene que eleva o risco de 50% a até 100%. O trabalho, da Universidade de Maryland (EUA), abre frentes de prevenção. “Faremos um teste para achar o gene”, informa John Cole, um dos autores do trabalho. O achado se soma a outros dados recentes. “Nas mais jovens, outro fator de risco é a enxaqueca precedida por distúrbios como visão de luzes piscando”, explica Christy Jackson, da Universidade da Califórnia (EUA).

A ciência procura pistas em outras áreas. Descobriu, por exemplo, que o câncer de pulmão afeta homens e mulheres diferentemente. “O cigarro danifica mais os pulmões femininos”, diz Kathy Albain, da entidade americana Mulheres contra o Câncer do Pulmão. Outra linha de investigação são as doenças auto-imunes, causadas por um ataque do sistema de defesa ao próprio corpo. Entre elas está a esclerose múltipla. Esses males atingem mais as mulheres e o que preocupa é a exposição ao stress. “Ele é um desencadeador”, afirma a psiquiatra Vera Lemgruber, do Rio.

As doenças da mente são outro alvo. Sabe-se que as mulheres são mais
vulneráveis à depressão e que têm surgido muitos casos nas mais jovens. Por isso, investe-se para aprimorar o tratamento. Recentemente, cientistas da Universidade de Brasília mostraram que o cérebro de homens e mulheres reage de maneira distinta aos estímulos emocionais. Nelas, a formação das lembranças é feita no lado esquerdo do cérebro. Nos homens, do lado direito. “Com essas informações poderemos criar remédios para cada um dos sexos”, acredita Carlos Tomaz, coordenador do trabalho.

A vontade de aprender mais sobre a mulher fez crescer até as pesquisas na área da beleza. Na Unifesp, cientistas testam os efeitos de um gel produzido com estradiol (estrógeno) para combater o envelhecimento da pele após a menopausa. Esse fenômeno ocorre naturalmente, mas o stress e o fumo aceleram o problema. “Nos testes, o produto aumentou a fabricação de colágeno, dando mais firmeza à derme”, diz a ginecologista Marisa Patriarca, da universidade. O trabalho foi objeto da tese de mestrado e agora de doutorado da ginecologista Andréa Regina de Moraes.

É na área dos hormônios, no entanto, que se concentra boa parte da ciência. E já há especialistas defensores da idéia de ser a mulher regida por uma inteligência hormonal. Enquanto o homem possui basicamente um hormônio mais ativo, a testosterona, a mulher tem uma orquestra comandada pelo estrógeno e progesterona. Segundo a teoria, esses hormônios sofrem intensa modificação de acordo com as emoções. E, nos dias atuais, a afinação é prejudicada pelo cortisol, o hormônio do stress. “Ele descontrola essa orquestra”, explica o médico Eliezer Berenstein, de São Paulo, autor do livro A inteligência hormonal.

Esse cenário está causando uma revolução nos consultórios. “Lidamos com um corpo feminino novo. Precisamos ampliar nossas investigações”, defende o médico Carlos Dale, do Rio. Isso significa incluir nas consultas perguntas sobre riscos para doenças cardiovasculares, problemas de distúrbios hormonais e sondar como vão as emoções. Um reflexo dessa moderna abordagem é o fato de vários especialistas já atuarem com equipes multidisciplinares. “É importante para o médico atuar junto com terapeutas e outros profissionais”, diz o ginecologista Alberto D’Aurea, do Hospital São Luiz, em São Paulo.

Essa tendência tem sido reforçada por quem forma novas gerações de especialistas, como a médica Tânia Santana, do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. “Os jovens médicos começam a entender que precisam ver a mulher de maneira integral. Estão aprendendo que a sexualidade, o trabalho e as emoções interferem na saúde feminina e devem ser levados em consideração”, diz. À mulher, cabe tomar consciência de que está sujeita à ação desses fatores e procurar meios de se proteger. Uma das maneiras é reservar tempo para cuidar do corpo. É o que faz Simone Castelli, 40 anos, diretora de marketing do Shopping D&D, em São Paulo. Ela chega a trabalhar dez horas por dia, mas organiza a agenda para caber a ginástica, o encontro com os amigos e para ir ao ginecologista, ao dentista e ao dermatologista pelo menos três vezes por ano. “Já me senti estressada no passado. Mas entendi que é necessário dar atenção ao próprio bem-estar. Hoje tenho mais energia e tranqüilidade. Quer coisa melhor?”, ensina Simone.

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