São Gonçalo e seus jogos estudantis: Uma análise Crítica
Por Marcelo Paula de Melo (Autor).
Em V EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
O esporte pode ser considerado um dos mais importantes fenômenos sociais de nossos dias. Sendo assim, imagina-se que a Escola represente um papel relevante no que se refere a sua contextualização enquanto um de seus conteúdos. Entretanto, o que se costuma evidenciar em alguns casos são abordagens que pouco contribuem para sua apreensão.
Durante muito tempo, papel da disciplina Educação Física na Escola resumia-se a identificar os alunos mais hábeis que comporiam as equipes esportivas desta instituição nos jogos escolares. Aliada a uma concepção estritamente tecnicista de ensino dos esportes pensava-se então na descoberta de grandes talentos através destes eventos (GHIRALDELLI JUNIOR, 1997)2.
Buscando contrapor visões limitadas acerca da Educação Física, começou-se a questionar alguns valores arraigados em seu interior. Um desses valores é em relação ao esporte escolar. Com isso, pensou numa concepção que o considerasse não apenas perspectivando a formação de atletas, ou seja, que sua prática no âmbito escolar não venha a ter os mesmos objetivos da Instituição Esportiva (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Uma das maneiras de entendermos como o esporte é concebido, pelo Poder Público, enquanto conteúdo curricular pode ser através dos Jogos Estudantis. Neste evento podemos avaliar que concepções pedagógicas são privilegiadas; ou então se estrutura favorece destes Jogos condiz com sua o papel que acredito que deva ter na Escola.
A partir dessas considerações iniciais é que pretendo discutir os sentidos e os papéis atribuídos ao esporte escolar pela PMSG, através da Secretaria Municipal de Esporte Lazer. A escolha deste órgão se deu pelo fato de ser este o setor responsável pela elaboração dos JESG e do JEEMSG. Partiu-se da análise do regulamento geral que regem tais competições, de documentos da Semel bem como de entrevistas com seus dirigentes. O material investigado é referente ao ano 2000.3
JESG 2000- Discutindo sua estrutura
A já outrora denunciada utilização do esporte escolar unicamente como base para a pirâmide esportiva ainda se faz presente como um dos objetivos que regem o JESG. Nota-se isso na identificação dos objetivos principais do evento, que seria de "propiciar oportu-nidades para o surgimento de novos talentos esportivos" (PMSG/SEMEL, 2000, p. 01).
Além disso, a associação entre o esporte de alto rendimento com o esporte Escolar ocorre a todo instante no Regulamento Geral do JESG 2000 (PMSG/SEMEL, 2000). Neste os alunos participantes são classificados de três maneiras diferentes: como aluno-atleta (14 vezes); como atleta (8 vezes); somente como aluno (6 vezes). Por conseguinte ao referir-se ao professor responsável pela equipe, assume a ambígua denominação de "professor-técnico" por sete (7) vezes, inclusive dando nome ao Título XI, que discorre sobre a situação deste profissional, ao passo que por apenas quatro (4) vezes este é denominado professor.
Sob um olhar menos atento esses fatos podem parecer de menor importância ou então como sendo somente questão de denominação. No entanto, penso que à figura do estudante é acrescida ou então sobreposta à figura do atleta, que seria o esportista profis-sional. Tal situação também se faz presente no caso do professor, que é o profissional da educação, onde a figura deste é transformada/ transfigurada com a de um treinador.
Mesmo que um aluno tenha alguma experiência em clubes, o comportamento exigi-do dele enquanto partícipe de jogo do campeonato estudantil não pode ser o mesmo que treinador dele esperará/exigirá na competição da Instituição esportiva. Na medida que a denominação que é atribuída as duas situações da prática esportiva é a mesma, também poderia afirmar que situação é a mesma embora é mister que fique claro a diferença no que se refere aos propósitos das duas situações.
O outro objetivo a que se propõe os JESG 2000 é da mais alta validade pedagógica, ou seja, "promover o esporte como manifestação das atividades desenvolvidas na comuni-dade escolar" (PMSG/ SEMEL, 2000, p.01). Entretanto, é preciso definir o que se espera dessa promoção, e mais ainda, que esporte quer-se promover. Levanto essas questões pensando na possibilidade dessas competições apenas como um palco para o chamado Esporte na Escola (VAGO apud OLIVEIRA, 1999), que é aquele relacionado com os princípios da instituição esportiva que entra pelos portões da Escola sem receber nenhum tratamento didático-pedagógico, ou melhor, até recebendo, mas sempre visando o rendimento máximo, a competitividade exacerbada, em detrimento do Esporte da Escola, que seria aquela manifestação social que é pedagogizado para tornar-se um assunto a ser tratado pela escola como um conteúdo curricular, procurando permitir aos alunos a oportunidade não apenas de aprendê-lo, como também de apreendê-lo (OLIVEIRA, 1999) de maneira a não ser somente mais um consumidor passivo do espetáculo esportivo.
O terceiro objetivo do JESG refere-se a capacidade do esporte escolar "democra-tizar a prática das atividades esportivas, assegurando a todos o direito de participação e valorizando o tratamento didático-pedagógico" (PMSG/SEMEL, 2000 p.1). Sinceramente, prefiro relativizar essa última afirmação por entender que o esporte escolar pode tornar-se um elemento que promoveria justamente o contrário do afirmado acima, que seria a exclusão sistematicamente dos menos hábeis, o comprometeria a tal democratização das práticas esportivas.
Pensar em democratizar a prática da atividade esportiva significa criar mecanismos para que pelo menos todos os inscritos participem. Ainda assim, não devemos esquecer que os "escolhidos" são apenas um diminuto grupo do universo de cada escola. Com isso, não seria errado afirmar que, mesmo que democratizássemos o acesso a prática esportiva nos Jogos Estudantis estaríamos atingindo apenas uma pequena parcela de alunos. Ainda assim teria mais sentido pedagógico do que Jogos com modelos copiados de competições oficiais.
No que se refere ao tratamento didático-pedagógico é importante discutirmos, pois tal expressão pode assumir vários significados. Seu caráter dúbio pode ser expresso nas várias possibilidades de abordar a questão. Desde uma perspectiva altamente tecnicista, estando identificada com um competitivismo extrema, passando abordagens crítico-superadoras, entre outras poderíamos estar abordando pedagogicamente o esporte. No entanto, quanto se aponta a valorização do tratamento didático-pedagógico não se está definindo o que realmente se espera disso.
Para definir o que realmente espera-se dos jogos, passo a bola a SEMEL :
"Intercolegial consagrado no município, os Jogos Escolares de São Gonçalo acontecem a onze anos. Dele participam em torno de seis mil atletas de estabelecimentos de ensino das redes particular, municipal e estadual, durante cerca de 9 meses do ano. A competição é conhecida por revelar talentos no esporte gonçalense" (PMSG/SEMEL 2000, p. 18. grifo meu).
Além do JESG, também realiza-se outra competição estudantil no município: Os Jogos das Escolas Estaduais e Municipais de São Gonçalo -JEEMSG. Nesse torneio só fazem parte as escolas públicas existentes no município.
A proposta de existência desses jogos é no mínimo surpreendente, pois afinal as redes municipais e estaduais de ensino também fazem parte do JESG. A justificativa de sua existência é pautada num paternalismo que considera a escola pública inferior a escola particular, sendo incapaz de competir com esta em pé de igualdade. É claro que em nenhum momento se ouve que este contexto histórico é fruto do descaso para com a educação pública de qualidade. Paulo Roberto Rocha, superintendente de esporte, ao justificar a criação do JEEMSG, afirma que:
"como o JESG envolve a escola particular e esta tem uma estrutura muito maior que a escola pública. Não é que a escola pública não participe do JESG, mas na maioria das modalidades ela tem uma certa inferioridade e no caso do JEEMSG, onde só participam escolas públicas, elas têm uma certa equivalência na disputas das modali-dades" (comunicação pessoal, 2000)
O reconhecimento da menor infra-estrutura da Escola pública é citado nesse caso como se fosse uma simples questão de competência, e não como fruto da ação do próprio Estado, que ao longo dos anos, foram promovendo o sucateamento da rede pública de ensino em consonância com a expansão da rede privada. Fica bem explícito que esta proposta busca não privilegiar a Escola pública e sim atuar como um elemento que buscará amenizar a situação.
Conclusão
Indubitavelmente acredito nos potenciais pedagógicos existentes nos esportes, e com isso penso esta crítica ao esporte de rendimento na escola não tem a intenção de abolir sua prática do universo escolar. Penso sim, que esta deveria dar-se de maneira diferenciada da propalada pela visão hegemônica de sociedade. Não obstante, é preciso conceber os esportes para além da aptidão física e de celeiro de craques (BRACHT, 2000). Isto sim garantiria a ampliação de suas possibilidades pedagógicas no que se refere a formação dos alunos.
Abordar criticamente o esporte não significa a desconsiderar sua dimensão técnica. O que é mister nessa nova abordagem é que o ensino das técnicas -fundamentais para seu andamento- adquira novos sentidos, e sobretudo, possibilite aos alunos a compreensão de sua inserção e importância como um dos elementos a serem considerados, e não o único que deva ser prestigiado no ensino dos esportes.
Interessante observar que "sendo a escola uma instituição da sociedade, nela se manifestam todos os conflitos, os antagonismos que constituem a existência destes" (COELHO, 1992, p. 37). A partir disto, considero importante que o trato com os esportes assuma o compromisso de perspectivar a não o ocultamento e a desconsideração dos problemas que rondam o esporte no Brasil, e com isso, estender a leque de informações que os alunos precisam ter para poderem realizar uma leitura crítica do mundo.
Termino este texto sonhando e mais ainda lutando para que chegue o dia em teremos Jogos estudantis que não mais pautados em princípios da instituição esportiva. Que o esporte possa ser considerado como de fundamental importância para a formação do aluno não por possibilitar que este seja atleta de um clube, mas sim que este possa viver o esporte para o resto de sua vida. Não esporte altamente competitivo, e sim aquele que o possibilitará encontra-se com seus amigos e jogar futebol ou outra modalidade no fim de semana. E independente de quem vença que todos possam curtir estarem juntos jogando. E só.
Notas:
1 Texto produzido a partir de minha monografia de fim de curso apresentada à Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ, sob a orientação do Prof. Dr. Victor Andrade de Melo. Ver referências.
2 Segundo Ghiraldelli Júnior "nos anos 60-70 praticamente cria-se uma situação inédita: o desporto de alto nível subjuga a Educação Física, tentando colocá-la como mero apêndice de um projeto que privilegie o Treinamento desportivo" (1997, p.30).
3 Neste ano realizou-se a décima- segunda edição do JESG.
Referências bibliográficas
Bracht, Valter. Esporte na escola e esporte de rendimento. Movimento, Porto Alegre, v.06, n. 12, p. XIV-XX, 2000/1.
Coelho, Ildeu Moreira. A questão política do trabalho pedagógico. In. Brandão, Carlos Rodrigues (org.) O educador: vida e morte. 10edº Rio de Janeiro: Graal, 1992.
Coletivo de autores. Metodologia do Ensino da Educação Física. 2º Ed. São Paulo: Cortez, 1992.
Ghiraldelli Junior, Paulo. Educação Física Progressista: A pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física brasileira. 6º ed. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
Melo, Marcelo Paula. Políticas públicas de esporte/lazer em São Gonçalo: Uma análise crítica da atuação da Semel/SG. Rio de Janeiro: EEFD/UFRJ, 2001. (memória de bacharelado em Educação Física).
Oliveira, Sávio Assis de. A Reinvenção do esporte: possibilidades na prática pedagógica. Recife: UFPE, 1999. Dissertação (Mestrado em Educação).
Prefeitura Municipal de São Gonçalo. SEMEL Integrar para vencer: São Gonçalo. São Gonçalo. 1999.
___________. XII JESG 2000. Jogos Escolares de São Gonçalo: Regulamento Geral. São Gonçalo, 2000. 16p.