Integra

Inicio esses anos 20 emprestando um pensamento do querido amigo Fernando Meligeni: o êxito não está em vencer sempre, mas em não se render nunca. Parece uma boa assertiva para nortear tempos que exigem esperança.

Começo é aquele momento que tem tudo para dar certo se o passado for compreendido com certa ternura. Sobre o que passou não há muito o que fazer, a não ser avaliar, refletir, transformar e, por que não, perdoar. Se do passado vierem os rancores, os temores, as mágoas, arrisco a dizer que o futuro não promete bons augúrios. 

Na vida, e no esporte, a busca por objetivos parece ser a força que nos mobiliza a sair da cama todos os dias. O que parece estar meio confuso na atualidade são os limites dessa busca e o preço a ser pago. Render-se não significa desistir. Representa apenas uma mudança de estratégia. Isso mesmo, há momentos em que é preciso dar um cavalo de pau e mudar a direção das coisas antes que o fim chegue precocemente.

Nesse final de ano li com atenção as entrevistas com o prefeito Bruno Covas e com o jornalista Gilberto Dimenstein, ambos diagnosticados com câncer, ambos ressignificando a vida. Isso porque a doença faz o fim deixar de ser uma abstração para ganhar uma concretude desconhecida despertando a necessidade de viver o real presente. O canto do sabiá, a solidariedade dos desconhecidos, o barulho e o cheiro da chuva deixam de ser eventos banais para ser sensibilidade, pura humanidade. O tempo é precioso demais para ser perdido com banalidades, ou com a intolerância, que consomem uma energia preciosa para quem efetivamente deseja viver.

Susan Sontag, depois de ser surpreendida com o diagnóstico de câncer, escreveu “A doença como metáfora”. Nessa obra discutiu como as doenças são cercadas por discursos que fazemo enfermo crer em um desenlace fatal. Contrapondo essa perspectiva Sontag aponta a necessidade da resistir, muito emborNem a refute a ideia de uma batalha contra alguma coisa. Afirmava que a força da resistência não se dá apenas contra a doença em si, mas, principalmente a um discurso socialmente construído, que leva o doente a crer que o diagnóstico é também uma sentença de morte. 

O esporte oferece lições que todos, mais ou menos habilidosos, deveriam aprender. Não se ganha sempre, mesmo depois de liderar uma prova até alguns poucos centímetros da linha de chegada. O imponderável predomina e o jogo só acaba quando termina, como afirmava Abelardo Barbosa, o Chacrinha. 

A São Silvestre de 2019 é a metáfora perfeita sobre a determinação do não se render jamais. Atletas maravilhosos, uma prova perfeita, com a liderança se alternando entre Jacob Kiplimo, de Uganda e Kibiwott Kandie, do Quênia. O resultado parecia determinado já no final da tão temida subida da Brigadeiro com o jovem ugandense à frente. A preocupação em manter contato visual com o adversário era evidente até que a chegada ficou visível com a entrada na avenida Paulista. A perspectiva do fim tem mesmo esse efeito inebriante, mas não para os experientes. Experimentar a vitória em situações dadas como perdidas ensina muito. E parece que Kandie aprendeu essa lição em algum momento de sua carreira. Seguiu de perto Kiplimo que deixou de olhar para trás hipnotizado com a linha que se achegava. O sprint final do queniano o levou à vitória e ao recorde da prova com 42min59s. Seu adversário ugandense fez o tempo de 43min00s, provando que o tempo é verdadeiramente uma abstração, mas não para o esporte.