Integra
Tornamo-nos humanos mediante a aquisição de ‘technés’ referentes às várias dimensões existenciais. Isto é, para honrar o selo de humanidade necessitamos de uma panóplia de ‘artisticidades’ ou ‘tecnicidades’ que nos permitam corresponder às contingências da vida e às formas de relacionamento com o mundo.
Os pensadores gregos perceberam isso muito bem. No âmago do seu entendimento morava a ideia de que os humanos, embora sujeitos às leis da natureza, são terreno cultivável e devem alcançar uma segunda natura, dada pela cultura e orientada para o bem e a harmonia, de tal modo que, segundo Protágoras, sejam a medida de todas as coisas. Nessa conformidade assumiram a reflexão sobre as ‘tecnologias’ a priorizar na composição do quadro da educação. Esta começava com o ‘Trívio’ (gramática, lógica e retórica), voltado para o cultivo do intelecto, da beleza, bondade e verdade, categorias entendidas como portas para a sabedoria. Seguia-se o ‘Quadrívio’, termo designador das quatro vias disciplinares (aritmética, geometria, astronomia e música) percorridas para a compreensão da matéria e do cosmos. O conjunto formava as ‘sete artes liberais’, incumbidas de proporcionar o conhecimento harmonioso e unificado do universo. Elas queriam ‘recordar’ (trazer de volta ao coração), na visão de Platão, o que corria o risco de ser esquecido, e utilizar a ‘recordação’ como método de gerar admiração e imitação, de alargar a imaginação, a curiosidade e inventividade. As ‘artes liberais’ estabelecem sequências, mas não antinomias entre teoria e prática, física e metafísica, corpo e alma, razão e emoção. Todas são indispensáveis à aquisição do saber e da ‘teoria’, visando perceber, propor, almejar e praticar o superior ou divino.
As propostas de estudo, formuladas na Idade Média, no Renascimento e nos períodos áureos do Humanismo e Iluminismo, são herdeiras do pensamento grego. As novas artes poderão ter outros nomes, porém a função é a mesma, concordante com o espírito do tempo. Assim designava-se ‘politécnico’ o indivíduo que cultivava uma pluralidade de ‘técnicas’: anatomia, astronomia, caligrafia, filosofia, geologia, literatura, música, poesia, pintura, equitação, esgrima, dança, enfim, as artes performativas do espírito e do corpo. O ‘ser politécnico’ ama a beleza e a claridade; empenha-se no aprimoramento intelectual e moral, espiritual e corporal, sentimental, comportamental e gestual; é universalista, livre de preconceitos, aberto à mundividência e não murado psicologicamente.
Hoje o vocábulo está adulterado. É prisioneiro da pobreza simbólica e da ‘tecnicização do mundo’, denunciada por Heidegger. Ambas montam e encorajam a besta da incultura, da frivolidade e leviandade; e constituem a mais grave ameaça que se abate sobre o devir da Humanidade, da Comunidade e da Sociedade.
Urge reanimar o significado original de ‘Politecnia’ e ‘Politécnico’, para abater os muros erguidos entre a ciência e a arte, derrubar a estultice, e repor na educação o conceito da ‘Arété’ (unidade de técnica, ética, estética, transcendência, magnificência, sublimidade, virtude, excelsitude) na linguagem e nas atitudes, nas emoções, expressões e reações. A questão, que se coloca, é a de eleger as ‘tecnologias’ respondentes às exigências desta hora e às debilidades humanas que uivam ao nosso redor. Em que áreas da atividade e dimensões do Ser Humano carecemos de tecnicidade mais apurada? A resposta pede elaboração urgente, mesmo sabendo que será precária e provisória e estará sempre a caminho.
09.12.2025
Jorge Bento