Resumo

O voleibol tem se configurado como um espaço profícuo para o debate sobre questões relativas ao gênero e à sexualidade. Têm sido muito comuns: a confrontação dos postulados normativos de gênero, a saída do armário de muitos atletas, além da conformação a um modelo tradicional que busca reafirmar os direitos e privilégios de alguns. Constatamos que apesar desse movimento ser perceptível, há ainda no campo científico brasileiro, poucos registros de narrativas históricas da participação do coletivo LGBTIAPN+ no esporte, cuja ausência dificulta contrastar a uma história de invisibilidades e apagamentos. Cabe destacar também o silenciamento quanto a interseccionalidade com outros marcadores sociais nas pesquisas sobre a temática LGBTIAPN+ no esporte brasileiro, algo que ainda mantém intacta uma certa colonialidade no campo. Diante desta lacuna acadêmica buscou-se neste trabalho problematizar as significações vinculadas à xoxação em um contexto de prática de voleibol amador predominantemente LGBTIAPN+. Utilizando-se de pressupostos dos estudos de gênero, sexualidade e dos estudos queer, desenvolvemos um trabalho de campo etnográfico com um grupo em uma quadra pública na cidade de Vitória/ES. Os aspectos mais relevantes podem ser divididos em três pontos. Primeiramente, fiz uma descrição da imersão no campo via recorte auto etnográfico, destacando a competição via exacerbação de um ethos competitivo e o sentimento de filiação desenvolvido ao longo do contato com o grupo. À medida que os laços afetivos e de solidariedade se aprofundaram, surgiu um sentimento de proteção mútua, fortalecendo as redes de apoio. Estar neste contexto implicou estar em contato com pessoas diferentes, mas que compartilham significados de vida similares. Além disso, escrever na primeira pessoa me fez sentir vulnerável e ativou meu poder de agência. Em seguida, se discute as interpretações das vivências das pessoas do grupo, abordando as pedagogias da masculinidade, cooperação e resistência presentes neste ambiente. A pedagogia da masculinidade revela uma tensão entre normas tradicionais via exacerbação do ethos competitivo, enquanto a cooperação reforça o elemento festivo, o jogo bem jogado e a diversão como importantes. Destacamos que a tensão entre os conflitos apontados não é dicotômica; tanto a competitividade quanto a diversão coexistem. Na pedagogia da resistência, desafiar a masculinidade e resistir como pessoas marginalizadas é crucial. Isso significa estar juntos, conectar-se e ocupar o espaço público negado. Por fim, exploramos a construção performativa do gênero através da prática da "xoxação". Interpretamos que esse ato apresenta uma polissemia de significações: pode fortalecer a masculinidade esportiva tradicional, pode ser usada como forma de resistência através da confrontação às normas de gênero e, também, fortalecer vínculos dentro do grupo. Neste sentido, essas significações acontecem de forma contínua e se articulam de forma a estabelecer um tipo de masculinidade em trânsito que denominamos aqui de masculinidade afetada. A xoxação no voleibol, portanto, subverte a norma de gênero, promovendo a cooperação entre corpos dissonantes no campo esportivo. Como um ato de resistência, contribui para que esses corpos esportivos produzam uma masculinidade afetada, algo que os une enquanto dissidentes, mas que também exclui aqueles que desviem dessas performatividades, contribuindo dessa forma para a formação de uma territorialidade LGBTIAPN+.

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