Sobrevivendo ao Estigma da Hipertrofia: Notas Etnográficas Sobre o Fisiculturismo Feminino
Por Rafael da Silva Mattos (Autor), Eliane Grivet (Autor), Juliana Brandão Pinto de Castro (Autor), Wecisley Ribeiro do Espírito Santo (Autor), Jeferson Jose Moebus Retondar (Autor), Dirceu Gama (Autor).
Em Arquivos em Movimento v. 15, n 1, 2019. Da página 97 a 113
Resumo
Este estudo objetivou compreender o estigma da imagem do corpo hipertrofiado das fisiculturistas da modalidade bodybuilding em diferentes espaços sociais e as respectivas implicações na vida cotidiana. O referencial teórico-conceitual selecionado foi a teoria de Erving Goffman, privilegiando o conceito de estigma e de representação do eu; e a teoria de L. Wacquant sobre a construção socioantropológica do objeto de estudo a partir do próprio corpo. Para compreender os sentidos dessa problemática, realizou-se uma pesquisa qualitativa de campo etnográfico e entrevistas em academias de fisiculturismo no bairro da zona sul do Rio de Janeiro. Observou-se que, na construção de um corpo com grande volume muscular, para alcançar os padrões estéticos da modalidade, exagera-se no consumo de suplementos e esteroides anabolizantes andrógenos. A fim de obter uma imagem de corpo ideal, essas mulheres constroem uma espécie de obsessão por um corpo forte, musculoso, com baixo percentual de gordura e, ao mesmo tempo, maternal e feminino. Desse modo, permeia a desconstrução da imagem social da mulher frágil e dócil na história sociocultural do gênero feminino. Conclui-se que o bodybuilding insere-se num grupo especifico da sociedade contemporânea, reconhecida dentro dos espaços sociais de competições, adquirindo poder simbólico. Simultaneamente, as fisiculturistas tendem a ser estigmatizadas nas academias de musculação por serem consideradas exageradas, desproporcionais e monstruosas.
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