Resumo

: Após vinte anos de experiência com crianças de Creches e Pré-escolas, inicio um trabalho voltado para os profissionais que atuam nesses segmentos. Supervisão em psicomotricidade tem uma perspectiva clínica e na Educação ela sempre se apresentou como uma inspeção, uma espécie de controle de qualidade. Tento fazer uma junção dessas funções pegando o melhor de cada uma delas. Da primeira, destaco o valor terapêutico que acontece quando as pessoas, em seus grupos (sessões mensais com cada grupo de no máximo oito pessoas) conseguem colocar suas angústias, medos, inseguranças, sucessos e fracassos, nas propostas práticas (vivências corporais) e nas reflexões, estimulando a troca, a disponibilidade, a escuta e o vínculo com o outro, através do conhecimento de suas próprias questões. Da segunda, ressalto a importância do conhecimento das fases de desenvolvimento do ser, deixando os conteúdos programáticos para a coordenação pedagógica. Supervisão passa a ser uma forma do profissional poder ser escutado e trocar suas questões com os outros, identificando novas leituras no processo ensinar-aprender.

 

 

       

 

Integra

Em 1994, após vinte anos de experiência no Pré-Escolar, fui convidado a trabalhar na Creche Estrelinha (nome fictício, assim como todos os outros deste documento). No mesmo ano iniciei um trabalho com o título - "O CORPO DO EDUCADOR", tentando fazer com que os Educadores (Niterói - RJ) repensassem a sua prática, o seu quotidiano, a sua forma de aparecer para o seu aluno, para a instituição e para si mesmo.
Resolvi, então, fazer uma contra-proposta, indicando um ex-aluno do curso de Educação Física das Faculdades Integradas Maria Thereza, onde ministrei as cadeiras Psicomotricidade I e II e também coordenar duas vivências corporais no ano letivo, aos profissionais da instituição. Quero lembrar que paralelamente o Professor indicado por mim teria supervisão constante (uma vez por semana).
Todos gostaram muito do novo Professor e também das vivências, aumentando o interesse por esse tipo de atividade para o ano seguinte.
Em 1995, no primeiro semestre muitas questões estavam sendo levantadas. Como se fosse uma ventania que passara e tivesse aflorado questões polêmicas e desconhecidas nas formas superficiais como a maioria das instituições as encaravam. O Mestre Vento (Professor indicado por mim) continua as supervisões comigo, agora mensalmente, teria sido detonador do processo de supervisão na creche, pois tudo que discutíamos levantava um desejo grande por parte da Diretora, Da Formiga, ao ver o desenvolvimento do Vento com suas ventanias, de reflexão e encaminhamento das dificuldades e até das facilidades também, numa confirmação do êxito do seu trabalho.
Foi quando em maio iniciamos a proposta de supervisão aos profissionais da Estrelinha.
A princípio a Da Formiga queria propor mais vivências para o grupo, mas, lancei a sugestão da supervisão e as suas vantagens. De imediato foi aprovado e em junho começamos o trabalho.
A experiência foi tão interessante e enriquecedora para ambas as partes que tive a idéia de documentá-la nesta monografia, denunciando com isso a oportunidade que tive de perceber a importância desse movimento no desenvolvimento das atividades de uma creche.
Este trabalho tem como objetivo levantar questões sobre a importância da supervisão nas creches. Essas questões estão baseadas na proposta e execução da supervisão à Creche Estrelinha.
Considero, como primeiro trabalho meu nesta área da Educação Psicomotora, uma tentativa, ainda que com muitas lacunas a serem preenchidas, de exposição de uma prática fundamental ao funcionamento e mais um importante degrau para a profissionalização dos funcionários de creches, colocando-o em discussão e reflexão a outros profissionais, tornando possível a reestruturação de hipóteses numa evolução constante.
As creches, de uma forma geral, começaram a aparecer, desvinculadas não só do nome, mas também da ideologia pedagógica da Pré-Escola, por diversas razões.
Eu poderia enumerar algumas como: desligamento da Secretaria de Educação e suas cobranças, não obrigatoriedade de contratação de mão de obra especializada, ou seja, educadores com formação, uma vez que a fiscalização fica a cargo da Secretaria de Saúde, salário dos profissionais orientado por outro sindicato e não o dos educadores, estrutura de funcionamento e prestação do serviço com menos rigidez em normas legais como espaço e materiais, etc..
Tudo isso, me parece, trazer algumas vantagens superficiais, mas que no dia-a-dia se complica muito no todo do processo e deixa a mercê do acaso a possibilidade de unir pessoal e Dirigentes com bom senso, o que não é suficiente, para funções tão importantes, como a de acompanhar o início da vida de tantas crianças pequenas.
Essa responsabilidade considerável está longe de ser norma em muitos estabelecimentos de hoje.
O Curso de Especialização em Terapia Psicomotora do CETA me abriu horizontes, na percepção de diversos movimentos dentro da Educação. Pude observar melhor as diversas questões enfrentadas pelos educadores que nas suas próprias situações particulares não observam (a maioria não observa) as suas questões, a sua forma de se relacionar e acima de tudo o papel de esponja que assumem com as questões dos outros (principalmente dos seus alunos).
Eu diria que: pude observar melhor o quanto a contra-tranferência aparece na prática do profissional em educação e o quanto isso dificulta o processo ensino-aprendizagem.
A idéia da supervisão, apesar da vontade de Da Formiga continuar com as vivências, me fascinou, pela possibilidade de troca com diversas pessoas, atuando dentro de um mesmo espaço e com funções tão variadas, voltadas ao atendimento de crianças pequenas, até 4 anos apenas.
Para mim, trabalhar diretamente com a criança passou a ser pouca contribuição neste universo de assuntos que a Psicomotricidade me trouxe, quando eu ainda, em 1985, era confortavelmente um professor de Educação Física mergulhado em profundo mundo cartesiano de observar o movimento.
Elaborar uma experiência na formação de profissionais de creche se tornou por demais importante, como uma nova alternativa de contribuição de minha parte, nesta apaixonante profissão de educar.

Refletir sobre nossa atuação profissional frente a criança, tornou-se o caminho para uma mudança no comportamento pessoal de cada um de nós, pois mobilizou-nos a pensar neste adulto que somos, e na nossa atuação como agentes de mudanças, educadores desnudados de metodologia quadradinhas de cartilhas e rodinhas, tentando manter com a criança um diálogo autêntico, sem assumir papéis de "mamães", "papais", "titias" ou quem quer que seja e sim o de sujeitos de nossas próprias histórias.
O vínculo e a relação com a criança, nesta proposta de supervisão, seriam assuntos obrigatórios, assim como a preocupação desse corpo que trabalha outro corpo, também para mim, estaria obrigatoriamente em questão.
Mostrar a importância do trabalho corporal ao profissional, não é tarefa fácil, muitas vezes o processo o afasta mais ainda, pois lidar com as próprias questões muitas vezes não nos é agradável e nos causa dor, também.
A estratégia utilizada foi: refletir sobre isso, do ponto de vista do adulto para a criança e do adulto com o objeto, até se chegar a voltar a fazer vivências, e finalmente compreender ou tentar compreender, pelo próprio corpo, a questão da importância do vínculo, da relação, uma vez que, primeiro, estas situações, já estavam sendo trabalhadas consigo mesmo.

"A atividade motora espontânea está em contato direto e ativo com o inconsciente. Sob este ponto de vista o "fazer o que quiser", toma um sentido, uma significação, que é mais uma finalidade."(A. Lapierre e B. Aucouturier, 1984, p. 45)

"Querer introduzir na escola este corpo vivido e permitir-lhe exprimir-se, é uma atividade subversiva." (A. Lapierre e B. Aucouturier, 1984, p. 45)
É importante observar com isso tudo mexe com o profissional e aí os cuidados se tornam maiores, na tentativa de aproximar e não afastar o grupo dessa proposta. O importante é não queimar etapas nessa conquista, nessa sedução, pois o educador está sempre ligado na questão do método, do tempo letivo, na regra a seguir, nas normas, na segurança, etc. que caracterizam o didático-pedagógico.
"Quanto mais a pessoa se aprofunda nas suas experiências, mais originais são as reações e resultados." (Rollo May - Revista do Corpo e da Linguagem, artigo de Regina Morizot, 1982, p. 28)
Deixo claro de imediato que apesar da literatura levantada, conduzir a uma proposta idêntica à formação do psicomotricista, o encaminhamento da supervisão é para favorecer especificamente o despertar para estas questões que a meu ver deveriam, na educação, ter mais espaços e maiores reflexões.

"Nosso corpo não é nada sem o corpo do outro, cúmplice de sua existência. É com o outro que ele se vê, e se constrói na atividade dos sistemas que lhe são oferecidos pela natureza, na intimidade deste espelho refletor, que é o outro e que faz de nós um ser único."(Julien de Ajuriaguerra, Revista do Corpo e da Linguagem, 1983, p. 163)

 

CONCLUSÃO

Através da exposição dos relatos da supervisão ao Vento e posteriormente aos grupos da Estrelinha, pude concluir e confirmar as hipóteses formuladas:

1. Que a supervisão ao Vento influenciou na decisão de se fazer uma supervisão a todos os profissionais da creche.
2. Que a supervisão foi importante para a creche, no sentido do aprimoramento da profissionalização do pessoal e consequentemente favorável aos clientes da instituição.

Trabalhar as dificuldades do vento no seu dia-a-dia profissional através do trabalho de algumas de suas questões, também foi fundamental para detonar um processo maior que era a proposta de fazer uma supervisão aos profissionais de uma instituição. Pode falar e discutir sobre as dificuldades de todos foi muito importante. Colocar-se incapaz propiciou uma troca imensa, deslocando as pessoas do pedestal do educador que não se relaciona corporalmente com o seu aluno, não entra na sua fantasia e consequentemente não favorecer o desenvolvimento desse aluno.
A supervisão é o passo inicial para as pessoas poderem ficar mais disponíveis para um trabalho corporal onde o importante é se trabalhar para poder trabalhar o corpo do outro. Entender-se para poder entender o seu aluno.
Acredito estar começando um caminho muito longo, mas que muitas esperanças nos mostram de imediato no processo de transformação da postura do educador diante da criança e já no seu início, demanda mil assuntos interessantes que nos apaixona e nos faz querer mais.
Espero poder continuar com a Estrelinha tentando aprender bem mais do que consegui até aqui e poder levar a outras Estrelinhas a possibilidade de rever suas posturas de forma que o Educador possa estar diante da criança com outra postura e não a de adulto o tempo todo.

BIBLIOGRAFIA

1. AJURIAGUERRA, J. de. Manual de Psiquiatria Infantil 2. Ed Barcelona, Toray-Masson, RJ, 1987.

2. LAPIERRE, André e Anne. O Adulto Diante da Criança. Ed. Manole, SP, 1987.

3. LAPIERRE, André e AUCOUTURIER, Bernard. Fantasmas Corporais e prática Psicomotora. Ed. Manole, SP, 1984.

4. Revista do Corpo e da Linguagem. Ed. Icobé, RJ, no 1 de 1982, no 6 de 1984, no 10 de 1985 e no 3 de 1983.