Integra

Venho de uma família de corintianas e corintianos. Mistura de italianos e espanhóis, que migraram do campo campineiro para as fábricas paulistanas. Nenhum jejum ou derrota em final tirava daqueles loucos a paixão pelo time. A loucura é tanta que levou um dos primos a batizar o filho com o nome de Rivelino. Isso mesmo, não é Roberto. É Rivelino.

Meu pai, por sua vez, deixava claro para quem quisesse ver as marcas da sua paixão. Logo cedo, ao se levantar punha os pés sobre um tapete com o símbolo do time. A chave de casa, comprada com o resultado do labor de suas mãos, era presa em um chaveiro com um São Jorge e o símbolo alvinegro. Em nossa última viagem fez questão de levar na mala a camiseta de seu coração com a qual desfilou pelas ruas de Buenos Aires garbosamente. Do alto de seus 1,92m transitou pela Casa Rosada, La Boca e outros recantos até encontrar com um portenho que o saudou efusivamente depois de reconhecer sua empatia com o craque Teves. Louco que é louco se reconhece de longe.

Sofredor que era acompanhava a política com a mesma paixão que o futebol. Larião, como era conhecido o respeitável patriarca Seo Hilário, era um utopista. Caçula de 11 irmãos cedo aprendeu sobre a exploração promovida pelo capital e se engajou em causas sociais. Trabalhava muito mais do que simplesmente torcia para um mundo melhor. Gastava horas sem fim em diálogos com pessoas da família, amigos e amigos de amigos, sempre com erudição – adquirida de forma autodidata – e paciência comum a poucos mestres.

Além das palavras cruzadas tinha o xadrez como passatempo favorito. Dizia ele que a vida podia ser comparada ao tabuleiro onde a hierarquia das peças projetava o jogo de poder que acontecia no cotidiano. Mais que tudo, afirmava a importância do respeito ao adversário e a difícil lição aprendida com a derrota.

Larião se foi no ano em que o timão foi campeão do mundo. Não viu o que aconteceu no Japão, infelizmente, nem tudo o que aconteceu na política e no esporte de lá para cá.

Dono de um senso de humor raro costumava perder amigos, porém não as piadas. Certamente seria um criador de memes de primeira, muito embora não fosse dado às tecnologias. Costumava subornar os netos em busca de piadas de salão para criar as páginas de entretenimento do jornal da cidade com o qual colaborava. E com isso mandava recados para os próximos que costumavam cometer deslizes, principalmente no campo da política.

Não estaria fora de si ao ver o país como está.  Talvez estivesse com o humor abalado,projetando no futuro, as consequências das bizarrices produzidas pelos donos do poder nos últimos dias.

Por outro lado, como utopista que era,  diria que assim como a vizinha Dona Esperança,velhinha que parecia nunca morrer, ele também continuava a acreditar na  apaziada e no poder da força do voto.

Sinto muita falta dos nossos encontros e dos almoços de domingo quando a conversa ia do samba de Nelson Cavaquinho a algum trecho de Grande Serão Veredas ou do Diário da Cegueira. Com a ficção, trovas e poesia ele respondia a algum evento da dura realidade.

Acredito que por considerar a vida o bem maior do ser humano, costumava encerrar uma conversa repleta de assuntos densos, e de difícil solução, com um tapa na coxa, um largo sorriso e a afirmação: é minha filha, não desista. Tá ruim, mas tá bom.

Dedico esse texto a todas e todos que perderam seus entes queridos, pessoas iluminadas que faziam essa nossa jornada ser menos árida. E, se o mundo anda meio ruim, o fato de existir permite afirmar que pode ficar melhor. Força é o que eu desejo.