Tai-Chi-Chuan:Ginástica ou Dança?uma Experiência não-formal em Educação Física Escolar
Por Salo Talaver (Autor).
Em I EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Resumo
O objetivo da presente investigação foi o de pesquisar o nível de aceitabilidade da prática do Tai-Chi-Chuan por alunos da Escola Municipal Gonçalves Dias, localizada na região suburbana do Rio de Janeiro. A experiência em questão foi vivenciada por um grupo de alunos de 6ªs. (sextas) séries, nas faixas etárias de 12 a 14 anos.
Integra
O objetivo da presente investigação foi o de pesquisar o nível de aceitabilidade da prática do Tai-Chi-Chuan por alunos da Escola Municipal Gonçalves Dias, localizada na região suburbana do Rio de Janeiro.
A experiência em questão foi vivenciada por um grupo de alunos de 6as (sextas) séries, nas faixas etárias de 12 a 14 anos.
Duas vertentes de pensamento inicialmente nortearam nossa iniciativa: primeiro foi o de aproveitar o acontecimento mundial da Copa do Mundo de Futebol como motivação para a Educação Física, e o segundo, o de integrar o educando dentro do aspecto da interdisciplinaridade (Faria-1974).
O pressuposto básico nestas circunstâncias, referiu-se às deficiências da prática pedagógica da Educação Física, hoje presa a um círculo vicioso de dúvidas conceituais e operacionais, principalmente quanto ao desinteresse por parte dos alunos.
Diversas causas têm sido apontadas ao se explicar a disfuncionalidade das práticas da Educação Física no interior da escola, fato frequentemente detectado por pesquisas realizadas no estrangeiro e no Brasil, como se verifica em Lovisolo et alli (1992), em DaCosta (1993) e Montenegro et alli (1994 - no prelo).
Estes dados traçam um quadro dicotômico envolvendo o “dever-ser” que a escola se propõe e o que ela realmente é e oferece, descontextualizando assim a educação física escolar nos seus diversos objetivos sócio-pedagógicos.
Reconhece-se também que diversos caminhos têm surgido como soluções de prática, sob forma de discursos das mais variadas matizes políticas-filosóficas ou pedagógicas. Mas o que verdadeiramente observamos e constatamos na vivência cotidiana de professor é que esses discursos não estão se ajustando à realidade escolar.
Diante desses impasses que ora assumimos como pressuposto, encontramo-nos num dilema de fazer ou não fazer, mas que indica o caminho da experimentação, legítimo caminho da transformação da escola e de seus procedimentos.
Por isso, optamos por uma prática pouco comum, uma atividade não formal, que pudesse ser levada aos alunos fora das tradições curriculares da Educação Física. No caso a experimentação visaria ao exame de aceitabilidade por parte dos alunos, mesmo diante dos obstáculos e impasses habituais do sistema formal vigente no primeiro grau escolar. Isto posto, escolhemos o Tai-Chi-Chuan como hipótese de trabalho
- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1- Alguns pedagogos alemães da Educação Física Dieckert, por exemplo, evidenciam uma tendência que preconiza “soluções adaptativas do exterior para o interior da escola” (Costa, 1988), embora não defendam a institucionalização de práticas não formais na escola.
2- As práticas físicas usuais de ordem formal são essencialmente seletivas e competitivas por razões de ordem cultural, hereditariedade pedagógica (Rego Barros, 1994 - Pires, 1993) e pela própria conduta dos educandos, que induzem à seleção natural dos melhores (visão do aluno e por vezes de mestres). Assim sendo, recomendam-se práticas que possam ser adaptadas e oferecidas dentro do escopo de eqüidade e acessibilidade às capacitações psicomotoras.
O fator competição deve estar ausente, prevalecendo o prazer e a satisfação de praticar pelo menos numa primeira tomada de posição, note-se que, todavia, o sentido competitivo pode resultar em fator de auto-exclusão por alguma parcela de alunos, quando esta escolha é demasiadamente acentuada.
3- A fundamentação pedagógica das práticas não formais vem ao encontro do contexto operacional FIN (Formal, Informal e Não-Formal) proposto por DaCosta em 1989, implicando em práticas que se completam de acordo com o ambiente físico (instalações, equipamentos, etc.) e a estratégia de mobilização e motivação dos praticantes. Nesta proposição, as práticas não-formais se ajustam às necessidades e aspirações dos praticantes e não o inverso, como acontece habitualmente nas dimensões formais (informal, no caso, refere-se ao praticante totalmente autônomo, sem participação direta de instituições). Isto se traduz, em tese, à otimização das práticas nas quais “incapazes” tornam-se “capazes” e não meros observadores.
4- Uma das “heranças pedagógicas” nefasta que possuímos é a “síndrome da medição”, fato também constado por Soares et alli (1992), pela qual mensuramos, quantificamos, medimos, classificamos, selecionamos e, no final, alijamos sem considerar conteúdos, sentidos e significados.
O trabalho na opção não-informal representa o resgate do aspecto qualitativo do indivíduo em si mesmo e não das partes mensuráveis. Ou seja: seremos nas escolas a equipe de resgate e o produto rejeitado retornará ao nosso convívio.
5- A criatividade, aspecto também esquecido e adormecido, as práticas físicas habituais e relembrado por Taffarel (1985), é nesta opção não-convencional estimulada e incentivada, pressupondo-se que o potencial criativo e a própria linguagem corporal tornam-se essenciais para um corpo tão bloqueado e dominado por regras de todos os tipos.
6- A maioria de nossa clientela origina-se de classes carentes e de comunidades onde a violência é constante companheira. Isto provoca multiplicação dos fatores de stress, com repercussões nas condutas sociais.
A prática regular de atividades físicas voluntárias contribui sobremaneira para melhoria nos domínios da concentração, relaxamento e auto-disciplina e na própria gestuação corporal.
7- As proposições informais não recomendam substituição de conteúdos em detrimento de outros e sim o de acrescentar, promovendo dessa maneira a estimulação psicomotora, valência não muito vivenciada em práticas regulares da educação física (Le Bouch (1978), Le Camus (1986)).
8- Acompanhando-se Lovisolo et alli (1992) entende-se que os alunos no primeiro grau não aceitam a escola a partir das instalações deficientes e da administração negligente. Daí uma solução plausível é a de oferecer, por via experimental, alternativas de práticas que não dependam da infra-estrutura escolar. Em princípio, atividades informais atendem a este requisito já que se baseiam nos próprios alunos e nos professores, com um mínimo de interveniência institucional.
- METODOLOGIA
O trabalho consistiu em propor a 85 alunos (sendo 54 meninas e 31 meninos), que se pronunciassem por meio de questionários / inventário de perguntas semi-estruturados do tipo fechado, sobre questões relacionadas à Educação Física, e nela incluindo a prática do Tai-Chi-Chuan, que é diferente do ambiente cotidiano escolar (setting) e não oferecida como prática tradicional da Educação Física (formal).
Esta nova prática corporal não foi proposta como obrigatória, sendo facultativa a todos que o desejassem fora das unidades vigentes na disciplina Educação Física e no macro teórico das atividades físicas informais.
Com base na teoria do “Cubo” (Powell et alli, 1991), procuramos estabelecer a relação e o equilíbrio entre local, estratégia e o grupo alvo a ser atingido para uma maior eficácia na consecução dos objetivos da prática proposta, à vista de uma maior adaptação cultural aos alunos, em lugar do desenvolvimento dos destinatários preconizado pela pedagogia tradicional.
A partir das respostas dos alunos e diante da exiguibilidade cronológica (30 dias) e da experiência do Autor em lecionar práticas corporais, decidimos oferecer aos voluntários demonstrações práticas e palestras teóricas de cunho histórico-cultural, relacionados aos novos conteúdos a serem ministrados.
Para o desenvolvimento das atividades, explicitamos aos alunos condições operacionais como se seguem:
1. Todos poderiam praticar esta nova atividade (ambos os sexos e qualquer idade).
2. Nosso objetivo a curto prazo seria uma demonstração para a escola (demais turmas) como trabalho multidisciplinar.
3. A exigência da demonstração em público estaria facultativa a todos que assim o desejassem e não seletiva aos melhores.
4. Os alunos poderiam sugerir e criar movimentos para compor as séries.
5. Apresentamos esta nova proposta de trabalhos aos demais professores de Educação Física do colégio num total de nove, de modo que pudessem avaliar e opinar sobre esta nova prática corporal em forma de entrevista pessoal.
6. Os alunos comprometidos com esta prática, foram convidados a se apresentar em ginásio fechado, fazendo parte de uma solenidade de abertura dos jogos municipais do Rio de Janeiro (junho 1994).
- RESULTADOS
Os resultados foram obtidos, após um total de dez aulas oferecidas:
a) Embora a quase totalidade dos alunos desconhecia a prática do Tai-Chi-Chuan, 26 meninos e 14 meninas mostraram-se favoráveis à prática desta nova modalidade de modo regular.
b) Significativamente, vários alunos do sexo masculino indagaram se isso seria uma nova “ginástica”, enquanto algumas meninas mencionaram que talvez seria uma “dança”, o que nos levou a denominar a experiência de: “Tai-Chi-Chuan: uma ginástica ou dança?”
c) Do grupo de alunos que foram favoráveis à experimentação (40, sendo 26 meninos e 14 meninas) apenas 18 freqüentaram as aulas práticas e teóricas, totalizando um percentual de 45% de adesão, o que se considerou de bom nível de aceitabilidade.
- CONCLUSÕES
Afora os dilemas e os problemas inerentes ao dia a dia da escola, conseguimos reforçar nossa hipótese em que o informal consegue conviver lado a lado com o formal.
Um dos aspectos importantes a considerar para a perfeita convivência dessas duas abordagens será o de relacionar os objetivos e que tipo de contribuição ela pode trazer para o mundo corporal e global do educando, conforme sugerido pela Teoria de Powell e associados, antes mencionada.
Práticas como fator de enriquecimento cultural é de certa forma um dos caminhos a serem trilhados pelos novos “andarilhos pedagógicos” que rejeitam a elitização da Educação Física.
Da pedagogia tradicional há que recuperar a noção de “uniformidade do grupo”. Em outras palavras, isso se daria no resgate do indivíduo em benefício de todos, de acordo com interesses peculiares.
Muitos alunos considerados incapazes por atestados médicos comprovados e os não comprovados, ou outros que apresentam certas seqüelas, podem sobremaneira se beneficiar da prática não-formal, bastando que participem de experiências.
Finalmente, acompanhando a teoria de Powell, sabemos que cada SETTING possui suas próprias características o que delimita a validade da experimentação à Escola Municipal Gonçalves Dias, mas que simultaneamente produz novas necessidades de estudos e pesquisas, no mesmo tema, em outros ambientes escolares, e fora deles.
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.Costa, L. P. Educação Física e Esporte Não formais. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1988.
.Le Boulch J. Psicomotricidade. Universidade Federal de Uberlândia, 1983.
.Le Camus, J. O Corpo em Discussão. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1986.
.Lee et alli. Tai Chi Chuan para a Saúde. São Paulo, Ed. Pensamentos, 1989.
.Lovisolo et alli. A Educação Física na Escola. Projeto de Pesquisa, Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, 1992.
.Montenegro et alli. (no prelo). Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho.
.Taffarel, C. N. Z. Criatividade nas aulas de Educação Física. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1985.
.Pires, A. G. Ensino e Avaliação em Educação Física. São Paulo, Ed. Ibrasa, 1993.
.Powell et alli. Sport for all, procedings of the world congress on sport for all. Finland, Elsevier Science Publishers B.B., 1991.
.Rego Barros. Notas de Aulas, Mestrado em Educação Física. Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, 1994.
.Soares et alli. Educação Física e Esportes. Campinas, Ed. Papirus, 1992.