Resumo

O objetivo da presente pesquisa foi analisar relações entre corpos de mulheres atletas e novas tecnologias. Buscamos saber como produções discursivas da mídia, da ciência e do establishment esportivo sobre a condição do feminino promovem rupturas e propõem novas concepções corporais e na sexualidade. Trabalhando com inspiração metodológica em trabalhos de Michel Foucault, em especial no que ele propõe como arqueologia, analisamos práticas e formações discursivas na descrição de enunciados. Os discursos oficiais da Agência Mundial Antidoping (WADA) e das Federações e Confederações de Atletismo (IAAF e CBAt) e da Natação (FINA e CBDA) foram analisados como dispositivos biopolíticos, mostrando-se por que e como o doping continua a ser condenado. A escolha por esses dois esportes deu-se, fundamentalmente, em função dos casos das atletas Rebeca Gusmão e Caster Semenya. Os conceitos de biopolítica e de governamentalidade foram empregados para analisar as políticas transnacionais de doping, que visam governar corpos dopados e não dopados. Traçamos nossa reflexão a partir da análise de um conjunto de políticas da WADA, tais como os testes fora de competição e o Programa Passaporte do Atleta.Em outro momento o enfoque foi para a entrada do doping nos discursos, entendendo que ele é identificado/relacionado à produção de atletas mulheres com outros tipos de feminilidades, que fogem do padrão heterossexual. Analisamos o caso da nadadora brasileira Rebeca Gusmão, centrando nossa reflexão no Painel Antidoping dessa atleta, dando ênfase na transformação corporal pela qual passou e pela repercussão que o caso teve na imprensa. Levamos em conta, juntamente com o material presente no site da Federação, os discursos da imprensa sobre a atleta, antes e depois da comprovação e divulgação do doping, para refletirmos sobre como se constroem as relações entre corpo e performance esportiva, visto que Rebeca excedeu a norma de um ?corpo feminino?. Retomamos a história da Política de Verificação de Gênero, que surge com as preocupações em torno do doping, e analisamos o caso da atleta sul-africana Caster Semenya. Semenya foi protagonista de um grande investimento da mídia tanto por causa de sua aparência, fora dos padrões heteronormativos, quanto por suas capacidades atléticas, muito superiores às das adversárias. Sugerimos que a WADA é constituída não com base em sua capacidade de resolução de assuntos esportivos, mas sim em sua capacidade de apresentar qualquer dispositivo necessário para preservar as reivindicações de fair play e de outros ditames do esporte moderno, como, por exemplo, a manutenção do território esportivo classificatório, baseado também na separação dos sexos. O antidoping não é apenas uma questão específica de esportes, mas um exemplo de como os valores da heterossexualidade dominante estão implicados na sociedade. Ao analisarmos os discursos da mídia e do campo esportivo pudemos verificar que o doping tem implicações com formas e aparências de algumas mulheres estigmatizadas e julgadas por isso, já que não são somente as suas performances que interessam, mas a afirmação/confirmação/repressão de que são, ?de fato?, mulheres. 

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