Integra

Para nós, do Hemisfério Sul, o começo do ano traz o descanso merecido depois de um ano intenso de trabalho.

Para os desavisados janeiro parece ser aquela calmaria sem fim de um mês de férias de verão. O trânsito na cidade flui como nas pacatas cidades do interior. As pessoas andam mais devagar e parece até que o dia tem bem mais do que 24 horas. A calmaria só é quebrada quando as nuvens começam a se acumular anunciando as águas que no final da tarde lavam calçadas, jardins, corações e mentes. Se para alguns isso sugere higiene e limpeza, para outros chuva é tempestade e provoca desabamentos e destruição. Água é elemento fluído que carrega consigo tudo aquilo que está pela frente. As vezes limpa, outras tantas mata. Mar de lama é a expressão que anuncia uma enxurrada de denúncias e novidades pouco agradáveis.

Para quem desfruta das férias, seja na praia ou nas montanhas, é importante saber que esse ano olímpico começou com chuvas e trovoadas.

Depois de quase dois anos de convivência pacífica com a estrutura olímpica brasileira, o advogado Alberto Murray Neto, membro do Conselho de Ética do COB, e também seu presidente, pediu afastamento do cargo. Alberto, neto do ex-presidente do COB Sylvio de Magalhães Padilha, durante alguns anos fez parte do conselho da entidade olímpica brasileira, de onde foi retirado durante a Era Nuzman. Ao longo dos anos ocupou o lugar de crítico das ações ilícitas promovidas dentro do COB e na atual gestão passou a colaborar, acreditando que os ares da renovação tinham finalmente chegado. A date não durou o tempo suficiente para se transformar em namoro.

Costumava dizer minha sábia avó sobre os casamentos, e eu passei a adotar a máxima para os relacionamentos de forma geral, que efetivamente conhecemos com quem convivemos depois de gastar um quilo de sal juntos. Em tempos de geração saúde sabe-se bem qual o prazo necessário até se consumir um quilo de sal.

Conheço Alberto desde a edição do livro “Heróis Olímpicos Brasileiros publicado em 2004. Quando a gestão Nuzman moveu contra mim uma ação por causa do livro “Esporte, educação e valores olímpicos” foi ele quem me defendeu. Era apenas um livro para crianças, mas não deixava de ser uma oportunidade para os donos dos anéis demonstrarem seu poder. Nos tempos em que as pessoas relacionadas com o esporte falavam de lado e olhavam para o chão, com temor de sentir sobre o pescoço o peso de uma espada, Alberto e jornalistas como José Cruz e Juca Kfouri eram incansáveis detratores de desmandos e ações ilícitas, senão obscenas, do então mandatário olímpico.

Sim, foram tempos difíceis que pareciam não ter fim. Mas, passou. Ou melhor, em certo sentido sim, em outros não. Denúncias despontam nos meios de comunicação demonstrando que a distância entre o discurso e a prática é maior do que as promessas feitas em tempos de campanha.

A marca olímpica carrega consigo um imaginário que envolve valores como respeito, amizade, excelência. O custo dessa imagem tem levado o Movimento Olímpico Internacional a se desdobrar em ações que tentam sensibilizar a opinião pública internacional sobre a necessidade de transparência e honestidade. Embora secular o Movimento Olímpico no Brasil ainda engatinha na direção dos valores preconizados em âmbito internacional. É uma pena.

Assim como Alberto, eu imaginei que veríamos uma página da história olímpica brasileira virada com a queda da gestão anterior. Mas, cultura é algo que necessita de muitas gerações para mudar. Espero ainda viver para ver o COB refletir os valores consagrados como olímpicos.