Integra

 A comissão de avaliação do III EnFEFE foi composta de três membros. Na avaliação desenvolvida procuramos situar o Encontro no atual contexto histórico, relacionando-o com a conjuntura nacional e as condições da Universidade. Uma outra preocupação foi a de ouvir as opiniões dos presentes, cujos dados tabulados e analisados, são apresentados no texto.


 Avaliar a partir de um ponto de vista


 Como em qualquer avaliação, obviamente que os avaliadores a fazem partindo de algum lugar. Posto isto, trata-se de, introdutoriamente, revelar de que ponto de vista estamos avaliando o III ENFEFE, qual o nosso lugar histórico e relação com este encontro.


 Nos últimos anos, os três governos eleitos por meio da democracia conseguida através das lutas dos movimentos organizados no Brasil, paradoxalmente, fizeram o país perceber um fenômeno já sentido pela Europa Ocidental e parte da América Latina, qual seja, o da desresponsabilização do Estado na intervenção econômica aliada aos ataques aos direitos sociais conquistados mundialmente pelos trabalhadores. Neste plano, principalmente após o ano de 1994, as instituições públicas brasileiras vêm sofrendo dois movimentos concatenados: o sucateamento, através do discurso de sua onerabilidade à nação, e a privatização, apresentada de forma salvaguardista para o problema anteriormente apontado.


 As universidades públicas, notadamente as federais, outrora símbolos utilizados ideologicamente para demonstrar o desenvolvimento e autonomia do país, entraram no ciclo acima descrito e, apesar de ainda não leiloadas para a iniciativa privada, têm sofrido um claro desmonte estrutural acompanhado de um tipo singular de privatização, aquele que se inicia de dentro para fora, com a ajuda dos próprios trabalhadores, ou seja, dos professores, que na angústia de combater a falta de condições do seu trabalho (ensino, pesquisa e extensão), acabam admitindo as formas privadas como sendo inevitáveis para a sua própria sobrevivência, ou ainda do meio universitário.


 Posicionamo-nos contra este movimento interno da universidade, bem como defendemos radicalmente que esta última, se pública, deve ser gratuita e de qualidade, socialmente referenciada e garantida pelo Estado para o conjunto da sociedade brasileira. E a defendemos cotidianamente, em nossas salas de aula, em nossos projetos acadêmicos, no interior do sindicato, na organização dos trabalhadores para o enfrentamento político, como na greve de 1998, quando assistimos, ao vivo, a voz do poder nos mandando calar dentro da própria Casa do Povo, ou seja, no Congresso Nacional em Brasília.


 E o ENFEFE é fruto desse contexto. Filho gestado, parido e criado com muitas dificuldades, mas com o orgulho imenso dos pais (e tios, avós, amigos, etc!). Foi criança mimada de tanta atenção recebida, mas que agora, na puberdade da sua terceira edição foi ganhando contornos de maturidade, formando o seu caráter, o de vanguardista das discussões que afetam a educação física e têm como público os professores do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, o III ENFEFE cresceu de proporções, sofreu um estirão próprio do adolescente, e deixou de ser simplesmente um encontro fluminense, agremiando participantes também de Minas Gerais e Santa Catarina.


 E apesar do menino crescido que se tornou este último ENFEFE, não deixou escapar em toda sua trajetória de vida o que tinha de mais vivo quando foi criado: a necessidade de fazer juz ao posicionamento de resistência frente aos ataques à educação brasileira, bem como à educação física dentro desse contexto. A educação brasileira, ainda que sucateada, tem sido alvo de modelamento para um novo projeto conservador e ao mesmo tempo liberal de formação humana. A educação física, por sua vez, tem sido esvaziada dentro desse projeto, tratada como artigo de luxo, e ao mesmo tempo sendo colocada conceitualmente também fora da escola. Este último campo, ainda não muito claramente identificado, seduz o professor com o discurso do empreendedorismo liberal, e esconde uma das facetas que há de mais perversa na sociedade capitalista contemporânea: o trabalho precarizado.


 Assim, o ponto de partida desta avaliação é justamente o contexto brasileiro em que foi gestado o III ENFEFE, as dificuldades da educação física identificar-se no interior escolar, que são tão intensas a ponto da necessidade de se denominar educação física escolar o que, historicamente, foi chamada de, simplesmente, educação física. O ponto de partida do qual saímos é de avaliadores participantes, que ajudaram a construir os ENFEFE’s, que se empenham para que estes tragam no seio da educação física uma discussão que possa relacionar esta área específica de intervenção com a realidade vivida e os projetos em disputa para a construção da sociedade brasileira.


 Tema do evento e programação (palestras e temas-livres)


 O tema do III ENFEFE, "Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Educação Física na Escola" traz interessantes reflexões para o debate. Tratam-se, entre outras, das questões: de onde vieram tais parâmetros (PCN’s)? Com que intencionalidades foram criados? O que dizem? Concordamos com eles? Podemos utilizá-los incondicionalmente, ou ainda, com algumas modificações/adaptações? A contemporaneidade do tema e sua relevância para a educação física se justificam enquanto diretrizes propostas pelo governo federal no que tange à organização do trabalho pedagógico e que farão parte do cotidiano escolar. A relevância se mostrou visível a medida que a discussão tomou conta do evento e consumou os participantes em torno da programação proposta.


 A programação, como nos anos anteriores, foi constituída pelas palestras e apresentação de temas-livres. Falar de um tema ainda tão novo, seja na área da educação física, ou em outra qualquer, seria um problema inicial a ser enfrentado por qualquer organização de evento com propostas de temas desta natureza. Não obstante, o III ENFEFE conseguiu reunir dois professores, Dinah Vasconcelos Terra e Paulo Ricardo Capela, de outros Estados que sistematizaram reflexões e colaboraram nacionalmente com a elaboração de um livro organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (Educação Física Escolar Frente à LDB e dos PCN’s: Profissionais analisam renovações, modismos e interesses. Ijuí, 1997). Fora os dois conhecidos professores da nossa área, o encontro teve a preocupação de posicionar a professora Gelta Terezinha Ramos Xavier, da Faculdade de Educação, para proferir a palestra de abertura, com um caráter mais ampliado de discussão, para além da educação física. O critério de escolha dos palestrantes também parece ter passado, de forma coerente, pela defesa que fazem da educação pública, na perspectiva do ENFEFE, visto que percebemos, além da competência acadêmica, a militância desses professores junto ao sindicato e outros movimentos sociais.


 Já em relação aos temas-livres, um aspecto a ser ressaltado foi a integração da discussão que se iniciou logo após a palestra de abertura, e teve seu aprofundamento na proporção em que alguns deles enfocaram também os PCN’s. Assim, o encontro não mostrou-se fragmentado, palestras e temas-livres se mostraram compondo uma unidade inseparável até mesmo para fins avaliativos. Ainda a respeito dos temas-livres, vale lembrar que houve espaço para os vários trabalhos que enfocaram outras questões da educação física que não diziam respeito ao tema principal do evento, alguns que apontavam reflexões também acerca de contextos recentemente incorporados na educação física, como a questão do ensino noturno na nova LDB, ou o currículo, mas também outros com tradição de discussão tais como a questão metodológica na dança, esporte, jogos, entre outros.


 Debate e participação

 A linha argumentativa dos palestrantes trouxe um eixo conceitual para o III ENFEFE na perspectiva de apreensão do objeto (PCN’s) ligado à materialidade concreta em que este é gerado na base social. As palestras convergiram em apontar os Parâmetros Curriculares como estratégia de modelamento a um determinado projeto educacional gerado no seio da nova fase do sistema capitalista de produção, o neoliberalismo. Evidenciaram, desta feita, os ajustes estruturais no plano da educação, e a necessidade de diretrizes para a formação humana, promovendo reflexões no contexto da educação física. Esta interlocução dos palestrantes gerou a polarização de duas posições no interior do evento: a) uma primeira, concordando com tal linha, que apontava a necessidade de se aprofundar críticas aos PCN’s e possíveis propostas de superação, tanto dos parâmetros, como também do próprio modelo social que os sustenta; b) uma segunda, que afirmava uma determinada autonomia dos professores em relação aos PCN’s no que diz respeito à sua aplicação dentro do processo pedagógico, vislumbrando possibilidades de recriação (ainda em seu contexto), ou mesmo a sua utilização a partir de modificações e adaptações do texto original às diversas realidades presentes. Criou-se, dialeticamente, o debate.


 Um impulsionador deste debate - mas não o único - foi o professor Gilbert Coutinho Costa, que além das intervenções críticas feitas durante as palestras, apresentou dois temas-livres, com os títulos "Crítica da crítica dos PCN’s: uma concepção dialética" e "Educação física e os temas transversais nos PCN’s: a possível formação do cidadão". No primeiro deles, teceu uma crítica ao já citado livro organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte a respeito dos PCN’s, em especial ao texto escrito pela professora Celi Taffarel. Argumentava o trabalho de Coutinho que o texto de Taffarel, ao proceder análise dos PCN’s, recorria ao conceito althusseriano da escola como aparelho ideológico do Estado, e portanto interpretava, de forma reprodutivista, a relação entre escola e sociedade. Lançou, por fim, como desafio, o apontamento da discussão a respeito de eixos contemplados nos temas transversias (ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo), uma vez que concorda que estes últimos se mostram contaminados pela ideologia dominante. Já no segundo texto, Coutinho tenta dar conta de solicionar o seu próprio desafio, tomando como objeto os temas transversais, e propondo saídas para o entendimento deles no que o autor chamou ser "uma concepção dialética" para a formação do cidadão "crítico, reflexivo, participativo e autônomo, através da sua consciência de classe".


 A apresentação dos temas-livres de Coutinho levantaram polêmicas junto aos participantes. Muitos argumentaram ver no autor uma fragilidade de exposição teórica em suas críticas, bem como uma impossibilidade de retratamento dos temas transversais, sem que este caísse, ao mesmo tempo, em um processo de ecletismo teórico-metodológico. Como o debate não limitou-se aos momentos de apresentação de temas-livres, mas foi presente em todo o encontro, e dado o interesse em que os participantes se envolveram nesta polêmica, é justo avaliar que o III ENFEFE teve uma participação muito rica, que não se limitou qualitativamente à dinâmica da exposição/questionamento/resposta. Além da riqueza teórica da participação, houve também uma fraternidade no debate, ponto este buscado a todo custo no interior dos eventos de nossa área, mas com pouco sucesso tal como vimos neste fórum.


 E como exemplo último (mas não o último) desta intensa participação, ainda na mesa de final de avaliação do III ENFEFE, quando sentamos e expusemos as razões do evento, neste texto contidas, e que atentamos para a preocupação da desvalorização e esvaziamento da educação física no atual projeto de formação humana no neoliberalismo, houve questionamentos no sentido de alguns professores não perceberem tal desvalorização, muito pelo contrário, de verem nossa área de intervenção pedagógica obtendo prestígio a cada dia. Devolvendo, neste momento, dialeticamente a questão levantada: será que a educação física vem obtendo prestígio a cada dia no seio escolar? Será mesmo?


 Estrutura e anais


 Por fim, a questão estrutural do evento. Neste ponto apenas uma reflexão para além da questão de identificar que os anais foram impressos com a capa em qualidade inferior aos outros anos. Este apontamento seria apenas um olhar no pseudo-concreto. A realidade se mostra submersa a este dado. Ela vem do movimento concreto histórico, que vem sucateando, como já exposto, a universidade pública. Ainda assim, o III ENFEFE garantiu instalações de alta qualidade (porque públicas), anais completos (impressos e digitais), palestrantes vindos de outros Estados e, fundamentalmente garantiu um espaço que não é só físico para que a discussão acima relatada e avaliada se desse em condições de dignidade que esperamos que um evento deste porte possa nos oferecer.


 Opinião dos congressistas


 O objetivo de conhecer melhor o público participante do III ENFEFE assim como as suas necessidades e interesses, nos levou a distribuir uma ficha de avaliação ao final da segunda palestra da sexta-feira. Contudo, com esse mecanismo não se tem o número exato de fichas distribuídas. Recebemos o total de 45 avaliações, porém, este número é menor que a metade dos participantes inscritos. Apresentamos a seguir as informações encontradas, sabendo que elas podem não representar fielmente o grupo participante do III ENFEFE.


 O ENFEFE tem por missão atender os profissionais que atuam diretamente na escola. A maioria dos participantes que respondeu a avaliação são professores do Ensino Fundamental (principalmente do segundo segmento) e do Ensino Médio, além de cursarem uma Pós-graduação. Nesse aspecto, muitos são alunos do curso oferecido pelo nosso Departamento de Educação Física.


 Dentre as formas de divulgação do ENFEFE (cartaz, folder, cartaz e comunicação pessoal), as mais eficazes na primeira informação sobre o evento foram o folder (36%) e a comunicação pessoal feita pelos alunos do nosso Curso de Especialização (49%). Uma vez que o professor já tinha o conhecimento do ENFEFE, o cartaz e o folder foram os materiais mais acessados (78% e 64%, respectivamente).


 Os participantes da avaliação relataram que tanto os temas das palestras quanto o tempo para palestra e as perguntas foram adequados. A maioria assistiu a pelo menos três (03) palestras. Em termos de tema livres, esses professores discordaram que tempo reservado para apresentação e perguntas/discussão seja suficiente. No entanto, o aumento do tempo por trabalho causaria uma diminuição do número total de temas livres apresentados. A maioria dos participantes assistiu a nove (09) apresentações, sendo que apenas cinco (5) professores manifestaram terem visto temas livres inadequados ao Encontro.


 A organização do Evento foi classificada com boa pela maioria dos profissionais que responderam à avaliação. Na última questão da ficha de avaliação pedimos sugestões de temas para os próximos ENFEFEs. Os temas sugeridos estão diretamente ligados a questões do papel da Educação Física na escola, à sua integração ao projeto político-pedagógico escolar e à sua prática educacional. Sendo assim, o IV ENFEFE vem satisfazer o anseio apresentado pelos participantes, quando define "Planejando a Educação Física na Escola" como tema central do evento.


 Apesar das dificuldades e das barreiras que continuamos a encontrar, resistimos e continuamos na luta, em vias de realizar IV EnFEFE, o que fazemos como parte do compromisso assumido com a manutenção da Universidade Pública, gratuita e de qualidade.


  A comissão de avaliação


  Prof. Ms.Hajime Takeushi Nosaki
  Profa. Dra. Rosane Carla Rosendo da Silva
  Prof. Dr. Waldyr Lins de Castro

 Observação:


 A diagramação dos Anais foi alterada na gráfica por motivos técnicos. Por isto este texto distribuido em disquete tem formataçãao diferente dos Anais impressos, afetando inclusive a numeração das páginas.