Uma Ponte Preta para os negros no futebol, o caso de Miguel do Carmo
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Miguel do Carmo, o Migué era um ferroviário. Um homem negro que nascera três anos antes, de 1888, em Jundiaí, o ano da abolição. Mas ele não era apenas um ferroviário, funcionário da Companhia de trens. Ele foi um dos fundadores da Macaca, apelido carinhoso da Ponte Preta.
Migué foi um dos que assinaram o documento de fundação do clube. De quebra, foi um dos primeiros jogadores da equipe. E ainda desempenhou o papel de tesoureiro.
Ele seria, portanto, o primeiro negro a atuar por uma equipe do futebol brasileiro, seja como jogador, seja como dirigente.
O ano era 1900. Nascia às margens da ferrovia que cortava Campinas, a Associação Atlética Ponte Preta, vizinha da Ponte Preta, isto mesmo, uma ponte que permitia a passagem da locomotiva. Ela ainda está lá. Apesar de nunca ter sido campeã de torneios importantes, a Ponte Preta, de Campinas, é um dos clubes de futebol mais antigos e tradicionais do país. Foi fundada em 11 de agosto de 1900, só perdendo o posto para o Sport Club Rio Grande, fundado em 19 de julho de 1900. A Ponte Preta é fruto da construção da malha ferroviária do estado de São Paulo trazida pelos ingleses. Aliás, dezenas de clubes de futebol nasceram às margens das ferrovias pelo Brasil afora. Era a extensão para o interior da São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí.
Rio de Janeiro e São Paulo disputam o protagonismo cultural do Brasil desde a Semana de Arte Moderna, em 1922. Uma das proezas da Semana de 22 foi alterar a condição de província culturalmente inexpressiva que até então definia São Paulo em relação ao Rio de Janeiro. Mario de Andrade, Osvaldo de Andrade, Di Cavalcanti, Heitor Villa Lobos entre outros foram personagens que ajudaram a alterar a condição de São Paulo que transformou-se em centro cultural do Brasil, dividindo este protagonismo com a então capital federal da República, o Rio de Janeiro.
O desenvolvimento do futebol brasileiro se concentra no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Neste caso, São Paulo e Rio de Janeiro também disputam o protagonismo de seu desenvolvimento. Mas uma coisa une os dois estados quando o assunto é futebol: o racismo.
Por exemplo, Vasco da Gama e Bangu, times do Rio de Janeiro, se unem quando o tema é democracia racial no esporte, não confundam com a tese de democracia racial atribuída de forma polêmica à obra e o pensamento de Gilberto Freyre. O futebol no Vasco da Gama só começou efetivamente em 1915. Antes era só um clube multicampeão das regatas de remo. Já o Bangu Atlético Clube nasceu em 17 de abril de 1904, apesar de haver registros de práticas de futebol associadas à fábrica Companhia Progresso Industrial do Brasil, que deu origem a abrigou o Bangu Atlético Clube antes de 1904. Vasco em Bangu têm em comum o fato de serem os únicos na época a permitirem que funcionários, tanto do comércio feito pelos portugueses no Rio, quanto operários fabris em Bangu, de se tornarem os principais jogadores de suas equipes. Fato que conferiu aos dois clubes uma feição popular, o que incluiu a participação de jogadores negros, coisa rara para a época.
Ponte Preta, Bangu e Vasco da Gama, portanto, são clubes que nasceram e cresceram ligados ao povo, aos negros e aos trabalhadores. Podemos dizer que, em certa medida, o futebol foi arrancado das mãos de uma elite brasileira, acima de tudo racista e tosca quando o assunto é povo e democracia.
Para saber mais:
Filho, Mario. O Negro No Futebol Brasileiro. 2003. Editora Mauad. Rio de Janeiro