USO SOCIAL DOS ESPAÇOS ABERTOS URBANOS [1]
por
LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ
Mestre em Ciência da Informação
RESUMO
O uso dos espaços abertos urbanos é essencial para o desenvolvimento de atividades comunitárias de caráter recreativo, pois além de permitir o uso social desses espaços por uma parcela da população, permite a urbanização e manutenção de áreas consideradas como problemas para as administrações públicas. Após análise do processo histórico do surgimento de parques públicos, apresenta-se sugestões do uso de espaços abertos urbanos para atividades de recreação pública.
Introdução:
As grandes cidades brasileiras vem crescendo sem o necessário planejamento urbano. Suas zonas centrais, geralmente tombadas pelo Patrimônio Histórico, não permitem o estabelecimento de um plano de ocupação dos espaços abertos sob pena de descaracterizá-las. As novas áreas residenciais que vêm sendo criadas apresentam inúmeras áreas institucionais – chamadas de “áreas verdes” – que não recebem urbanização quando da entrega dos conjuntos residenciais. Outras áreas, públicas ou particulares, também não recebem qualquer tratamento. Constituem-se problemas – como centros de procriação de ratos, baratas e outros inconvenientes, quando não o são simplesmente invadidas por um contingente populacional proveniente das migrações da zona rural.
As sugestões ora apresentadas visam sanar alguns desses problemas, com o uso social dos espaços abertos urbanos, planejando-se ambientes para o lazer.
Espaço aberto urbano: origens:
Na Inglaterra, antes da era industrial, grande parte da recreação ao ar livre se realizava em terrenos que se consideravam de propriedade comum. Os jovens nadavam despidos nos rios e canais; os esportes eram praticados em terrenos informalmente reservados para uso comum; as pessoas caçavam e passeavam em locais sem se importarem a quem pertenciam. Isto se modificou com a industrialização do país.
Em algumas aldeias em desenvolvimento, os ricos conseguiram estabelecer zonas para seu uso exclusivo. Muitas dessas áreas eram antes ocupadas por pessoas comuns para sua recreação. Considera-se que essa situação levou o trabalhador a utilizar-se cada vez mais das tabernas como lugar para empregar seu tempo livre. Segundo CUNNINGHAN (apud GODBEY, 1986):
“(…) o espaço que até então era considerado comum e público, um núcleo de atividades comunitárias, foi expropriado para o uso (ou de acordo com os parâmetros morais) de uma classe exclusivamente. O crescimento das cidades trouxe consigo a segregação de classes e uma ruptura com o sentido de comunidade usuais”.
Nos Estados Unidos, como na Inglaterra, antes do desenvolvimento dos parques urbanos, a recreação era realizada em pequenas porções de terras que estavam disponíveis – pátios de colégios, ruas, jardins de tabernas, ou qualquer outro local. Quando os primeiros parques urbanos foram desenvolvidos entraram em concorrência com os parques de diversão. De modo geral foram criados sobre terrenos que eram inapropriados para outros usos – terrenos pantanosos, dunas de areia, barrancos, solos rochosos – eram convertidos em parques.
Segundo CRAZ (citado por GODBEY, 1986), o desenvolvimento do parque urbano pode ser dividido em quatro etapas históricas:
- O Parque de Prazer: desenvolvido por Frederic OLMSTED e outros, representavam uma tentativa de recuperar a vida do campo na cidade, com o intuito de dar condições opostas à vida urbana. Se caracterizavam por terem lagos artificiais, gramados aparados, caminhos para carruagens. Os edifícios eram considerados um horror nestes locais, mas às vezes eram necessários. O ideal era permanecer o dia todo no parque, por isso necessitavam de locais para as pessoas se refrescarem, tomarem banho e outras necessidades. Igualmente surgiu a necessidade de se estabelecer ordem nesses parques, o que conduziu a muitas regras e regulamentações, reforçada pela polícia;
- O Parque Reformatório: entre 1900 e 1930 as crianças foram um ponto importante no planejamento dos parques urbanos. O Parque Reformatório não constituía um substituto da zona rural, seno da rua. Era para uso diário, porém não para todo o dia. Impulsionaram a natação – para promover o banho entre as classes trabalhadoras -, os hortos infantis, a venda de leite puro, as artes manuais, os bailes populares, os serviços de biblioteca e a promoção do atletismo foram características dos Parques Reformatórios, planejados para melhorar a vida física, intelectual e moral dos habitantes das cidades;
- As Facilidades Recreativas: durante essa etapa, os parques perderam a característica de melhoramento ou controle social. Os parque se voltaram para a vida urbana. Os sistemas de parques e de recreação começaram a guiar-se pelo conceito de “demanda” em vez de servir a considerações éticas ou morais – demanda significava o que as pessoas faziam ou queriam fazer durante suas horas de lazer. Os programas de recreação eram planejados para grupos comunitários, cujos interesses eram em uma única atividade, como a fotografia, treinamento de cães, tiro com arco e flexa;
- O Sistema de espaço aberto urbano: esta etapa inicia-se em 1965 e se caracterizou pelo vazio filosófico a respeito da razão de ser dos parques. Por iniciativa de Thomas HORING, diretor de Recreação e Parques de Nova Iorque, os parques se tornaram cenários de concertos de “rock” e outros eventos de massa. A etapa de Sistema de Espaço Aberto representou, em certos aspectos a incapacidade de se estabelecer algum ideal de significado de espaço. Espaço aberto é definido simplesmente como “toda terra e água de uma área urbana que não está coberta de construção” – (GOLD, apud GODBEY, 1986).
Se tornou um conceito quase genérico, concebido para ser aplicado indistintamente a todas as áreas urbanas. Para GODBEY (1986), o processo de desenvolver parques urbanos não é tanto assunto tecnológico senão de descobrimento cultural.
Tendências atuais:
Os locais para a prática de atividades de lazer são, em quase sua totalidade, construídos sob a perspectiva de atividade física de lazer e seguem as exigências do esporte de competição e elaborados a partir somente dos conhecimentos de arquitetos e engenheiros, que tornam esses ambientes monofuncionais e não oferecidos para a maioria da população.
O cidadão comum tem outros objetivos, interesses e desejos do que o atleta, pois procura primeirammente a alegria, o prazer, a interação e comunicação com seus amigos e bem estar para seu corpo, através da prática das atividades físicas de lazer. É necessário planejar as construções esportivas respeitando as condições do homem, desenvolvendo outros tipos de instalações esportivas e recreativas de que as piscinas, estádios e ginásios tradicionais para a execução do esporte de alto nível. É necessário, nesse caso, considerar os critérios do movimento denominado ” Esporte para Todos”.
Segundo PEREIRA DA COSTA (1981)
“Esporte para Todos – EPT – é apenas um nome entre vários que convergem para pontos de identificação comum – esporte de massa; desporto de lazer; esporte recreativo; esporte comunitário; lazer esportivo; iniciação esportiva; educação física permanente…”.
A seguir so apresentadas algumas sugestões para ocupação de espaços abertos:
3.1. Parque “Esporte para Todos”: iniciado na Alemanha, o “Programa Trimm Dich” corresponde ao projeto ” Esporte para Todos”, e desenvolve programas com corridas, passeios a pé, de bicicleta. Foi desenvolvido também um programa denominado “TRIMM PARK” para aproveitamento de áreas disponíveis em todos os centros urbanos. O “Trimm Park” é constituído de:
- percursos de 000 a 3.000 metros, aproveitando a topografia do terreno;
- um total de 000 a 3000 metros quadrados para um grupo de aparelhos naturais feitos de troncos de árvores, cordas, argolas e construções simples;
- áreas definidas para grandes jogos e descanso;
- pequenas construções rústicas para proteção contra chuva, lanchonete, vestiários, sanitários e fiscalização do Parque.
Na Suíça foi montado um projeto padrão de nome “Vita Parcour” e se constitui de um percurso de 2.000 a 3.000 metros e 20 estações intercalando o percurso. Finlândia e França, com seus projetos ” Cross Promenade” e “Parcour” procuraram percursos variáveis mais simples de diversos tipos de pisos (terra, areia, grama, etc) aproveitando obstáculos naturais dentro do percurso.
O Parque “Esporte para Todos” é constituído de um conjunto de áreas, equipamentos e instalações que proporcionam aproveitamento total de áreas verdes disponíveis com objetivos de : lazer, esporte, ginástica e saúde. Constitui-se em um percurso de 1 a 3 quilômetros, acompanhado de estações (pequenas áreas livres para exercícios com e sem aparelhos); áreas para utilização de construções de apoio; vestiários, chuveiros, sanitários, salão de jogos recreativos, lanchonete, que deverão ser feitas de material rústico; áreas de grandes jogos: de acordo com o tamanho da área disponível e o número de freqüentadores, serão demarcadas áreas para realização de jogos que dispensem o uso de quadras oficiais; áreas para desenvolvimento de costumes regionais; áreas para “play-ground” e estacionamento.
3.2. Praças e Quadras de Esportes: projeto implantado pelo arquiteto Jaime LERNER em Curitiba-Pr, e estendido a outras cidades, como Florianópolis-SC, consiste na construção de equipamentos esportivos e de recreação em praças e quadras, com atividades voltadas para a comunidade. Os programas de Praças e Quadras de Esporte têm como objetivos:
- oportunizar a iniciação esportiva e a recreação orientada para as mais variadas faixas etárias;
- orientar a prática esportiva e recreacional ao ar livre, principalmente às crianças, de maneira a darem valor e a preservarem áreas verdes, parques, quadras e praças;
- criar oportunidade de melhoria de saúde do povo, no que se refere à prática de atividades físicas de lazer.
Funcionando nos períodos de 8 a 12 horas e das 14 as 18 horas para as populações infantil e juvenil e das 18 as 22 horas para a adulta, a programação proporciona o funcionamento de Escolinhas de Esportes (atletismo, basquete, futebol suíço, ginástica olímpica, handebol, volibol); Recreação (jogos e brincadeiras); Criatividade (desenho, pintura, colagem); Torneios inter e intra praças e quadras (visando a integração dos participantes) e outras atividades. Todas as atividades so orientadas por professores de Educação Física, mantidos pela Prefeitura Municipal, que organizam as turmas, respeitando as faixas etárias e desenvolvendo atividades de acordo com as mesmas.
3.3. O Quintal Comunitário: se constitui em uma ação conjunta entre o poder público municipal e a comunidade, na ocupação social de terrenos baldios existentes numa comunidade densamente povoada e com falta de equipamentos urbanos de lazer. A ocupação social de terrenos baldios, iniciativa pioneira da Prefeitura Municipal de Sorocaba-SP, projeto idealizado pelo Prof. Dr. Antônio Carlos BRAMANTE, tem como objetivo:
- oferecer à população equipamentos de baixo custo e alta eficácia de utilização comunitária;
- minorar os problemas decorrentes da existência de terrenos baldios em áreas povoadas;
- oferecer uma opção social de utilização de terrenos baldios a seus proprietários, quando o terreno não tem destinaçãoimediata ou mediata;
- oferecer uma opção de urbanização.
Para se atingirem esses objetivos, utilizou-se da seguinte metodologia:
- levantamento sumário, numa aço conjunta entre o poder público municipal e associação de moradores, dos terrenos baldios existentes num bairro densamente povoado e com falta de equipamentos urbanos de caracterização social;
- realização de um pequeno esboço do que poderia ser colocado no terreno, dependendo de sua localização, perímetro e condições topográficas;
- discussão, com o poder público municipal, sobre a maneira mais viável de realização de serviços necessários – ou por meio de aço direta do poder público municipal ou através de ação conjunta, mutirão comunitário, etc.;
- localização, via Prefeitura, do proprietário da terra, quando área particular;
- discussão e apresentação para o proprietário do terreno, visando a autorização de uso da área;
- elaboração de contrato entre o proprietário e o poder público municipalm contendo as finalidades do uso e o tempo pretendido para a utilização.
Com essas ações busca-se diminuir o custo/benifício ao atendimento à demanda da população aos locais onde se possam desenvolver atividades de lazer, possibilitando a integração familiar e criando oportunidades para que a comunidade participe de todos os passos de implantação, execução, manutenção e avaliação. Os equipamentos implantados tem de ser de baixo custo operacional, podendo se constituir em: minicampo de futebol (20x40m); quadra de volibol de areia; circuito de “jogging”; aparelhos para exercícios físicos; quiosques de 6 m de diâmetro, aberto, com bancos de madeira ou de cimento ao redor; tanques de areia com 4 metros de diâmetro, etc… A partir de um certo número de equipamentos, e dependendo da área, será necessária a contratação de um professor de Educação Física para coordenar as atividades do “Quintal Comunitário”.
Conclusão:
O crescimento das cidades só é possível com o desenvolvimento de áreas periféricas, com a construção de novos bairros. No traçado urbanístico dessas novas áreas são previstos espaços destinados ao uso comum – as chamadas áreas institucionais ou verdes – as quais não vem recebendo a urbanização necessária ou são abandonadas pelo poder público municipal, após recebê-las e incorporá-las ao seu patrimônio.
Inúmeras áreas particulares sem a ocupação a que se destinam – construções residenciais ou comerciais – também se constituem em problemas. Estes espaços podem ser ocupados com equipamentos e facilidades que permitam a integração da vida comunitária, melhorando não só as condições de vida – a urbanização dessas áreas evitará a procriação de ratos e baratas e impedirá que se façam uso das mesmas como esconderijos de marginais e pessoas desocupadas – como se constituirão em ambientes para o lazer, melhorando as condições de saúde da população, com a substituição do sedentarismo urbano por uma vida ativa.
Bibliografia:
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GODBEY, Geoffrey. Espaço Aberto Urbano – perspectivas norte-americanas. in ENCONTRO INTERNACIONAL DE PESQUISADORES DE LAZER, I, Bertioga-SP, 1986. Anotações de conferência.GUIMARÃES, Hélio.O Lazer. Comunidade Esportiva, n.8, p.8-10, 1980.
PEREIRA DA COSTA, Lamartine (ed). Teoria e prática do esporte comunitário e de massa. Rio de Janeiro : Palestra, 1981.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SOROCABA, Secretaria de Educação e Saúde. A ocupação social de terrenos baldios.Comunidade Esportiva. n. 24/25/26, p. 20-21, 1983.
REIS, Sérgio Roberto dos. Praças e quadras de esporte para todos em Florianópolis-SC. Comunidade Esportiva, n. 14, p. 9
THARGA, Jacintho F. O esporte e a família. Comunidade Esportiva. n. 21, p. 8-22, 1982.
TRAPP, Wilton Orlando. Ambiente de esporte de lazer em escola. Uma investigação sobre o planejamento de um modelo com a participação dos futuros usuários. Comunidade Esportiva n. 33, p. 16-24, 1985.
[1] Conferência apresentada no Seminário de Recreação da UFMa, I, setembro de 1989;