Resumo

Nos últimos dias fui invadida por informações referentes à apropriação indébita de dados do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Londres por parte de pessoas ligadas ao Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Eu mesma já manifestei minha indignação sobre isso em um texto anterior, mas tento agora ser menos teórica e mais afirmativa, ajudando, quem sabe, àqueles que desejam trabalhar com esse fenômeno sem ter nunca sido preparado para isso.

Quando falo em valores olímpicos não me refiro ao um fenômeno raro, próprio, nascido da inspiração de alguém criativo e iluminado. Já escrevi sobre isso em diferentes artigos e livros que o Olimpismo reflete as condições sociais e históricas do momento e lugar onde ele é ou foi produzido. Por isso ele carrega tanto da tradição inglesa, posto que Pierre de Coubertin aliou-se estrategicamente aos mentores do sistema esportivo inglês do final do século XIX para que sua proposta olímpica fosse bem sucedida. E ao longo do século XX assistimos a inúmeros avanços e recuos da Carta Olímpica por conta dos interesses em jogo, fossem eles políticos ou comerciais, associados principalmente à realização dos Jogos Olímpicos, a face pública e de maior visibilidade do Olimpismo.

Mesmo diante de tantas transformações do breve século XX as questões relacionadas aos valores talvez sejam as menos mutáveis dentro do programa Olímpico. Isso não quer dizer que não tenha havido transformações nesse ideário ao longo do século passado, mas seguindo de perto as transformações de uma sociedade vivamente afetada por duas grandes guerras em campo, uma guerra fria que consumiu grande parte da energia mundial na solução de conflitos e outros tantos confrontos regionais não menos sangrentos, os valores olímpicos expressaram os valores humanos na pauta dos diferentes grupos sociais.
São esses valores que hoje se encontram na nossa pauta do dia, seja nos programas de educação olímpica que estamos executando (e que pretendemos ampliar), na formação dos atletas (que podem ou não chegar aos Jogos Olímpicos) ou ainda na formação pessoal de todos aqueles que direta ou indiretamente já se envolveram (ou ainda se envolverão) de alguma forma com a realização daquilo que deveria ser uma grande celebração e não apenas um espetáculo altamente rendoso para grandes companhias.

Nos Jogos Olímpicos da Antiguidade um dos valores fundamentais daqueles que se envolviam com essa celebração era a areté, que equivale ao latino virtus, e representa hombridade, valor. O vigor, a saúde, a beleza, a força e a destreza são considerados expressões da areté do corpo, ao passo que a sagacidade, a bondade, a prudência, o senso de justiça, o amor às artes e a agudeza mental são areté do espírito. O adjetivo agathós (bom), que corresponde ao substantivo areté, é aplicado ao homem que reúne as qualidades de valentia e nobreza àquele que tanto na guerra como em sua vida privada pratica regras de conduta inatingíveis ao comum dos mortais. Esses valores, próprios da sociedade helênica, não se repetiram, porém inspiraram, a construção dos valores que dão suporte ao Olimpismo contemporâneo, como por exemplo, o fair play (1).

Muito embora o fair play esteja associado basicamente à situação de competição em si há outros sete valores que baseiam e fundamentam o Olimpismo em si, e são a base dos programas de educação olímpica que hoje são desenvolvidos em algumas partes do mundo. Como foi o trabalho apresentado por Katharina Galuba, da Alemanha, no seminário de pós-graduação em estudos olímpicos, na Academia Olímpica Internacional, em Olímpia, na Grécia. Em sua proposta destacam-se sete valores a serem discutidos em um programa de educação olímpica: a amizade, a excelência, o respeito, a coragem, a determinação, a inspiração e a igualdade.

Como os valores estão relacionados diretamente a questões culturais, faço aqui a minha interpretação, a partir da vivência e do entendimento que temos desses pontos em nossa sociedade.

- a amizade: é a disposição para a integração, para a inclusão, para a aproximação mesmo diante das diferenças culturais. O conceito de amizade sugere a integração entre os povos e no seu limite alcançaria uma das utopias olímpicas que é a promoção da paz.

- a excelência: que implica na busca pelo melhor de si próprio e não necessariamente a superação do outro. Essa condição pode ser estendida a muitos âmbitos da vida o que implicaria, em última instância, na transformação social.

- o respeito: condição básica da vida em sociedade. Aqui podemos entender não apenas o cumprimento da regra, mas essencialmente a incorporação dos valores no sentido de não se precisar de formas de regulação externa para o seu cumprimento.

- a coragem: condição associada à disposição do enfrentamento. Entenda-se por enfrentamento o ato de se tomar decisões a partir do julgamento que se faz de uma situação e não necessariamente ao cumprimento de uma ordem ditada por alguém. Esse talvez seja um dos maiores reveladores da formação moral do indivíduo.

- a determinação: gesto relacionado ao cumprimento de um objetivo. Aqui se cruzam a disposição pela ação, a disciplina para o seu cumprimento e o apego a princípios que norteiam essa execução, uma vez que a trilha que se usa para o seu cumprimento pode estar repleta de propostas que contrariam a virtude.

- a inspiração: consideração do sensível na realização da tarefa. É a incorporação dos planos afetivo e intuitivo tão necessários ao cumprimento de um chamado que pode ser imposto por uma determinação externa ou interna, resultante de uma ação sistemática e não esotérica.

- a igualdade: o direito à participação. Busca pelo reconhecimento e pelo pertencimento à aquilo que nos humaniza que é a vida em sociedade. Ainda que utópica talvez seja a mola propulsora de muitos projetos que têm o humano como a condição fundamental do desenvolvimento seja do conhecimento, da tecnologia ou da política.

Mas, mais do que se destacarem como valores olímpicos vejo esses valores como universais. Entendo que a amizade se soma a excelência, ao respeito, à coragem, à determinação, à inspiração e à igualdade e se destacam no trabalho daqueles que se notabilizam como pró-social. Eles não se aplicam apenas ao fazer do atleta na exposição de suas habilidades no território da competição esportiva.

Por isso é de admirar que aqueles que hoje estão envolvidos diretamente com a organização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro não tenham a menor ideia sobre essas questões, afinal tudo isso deveria ser um valor intrínseco, próprio do sujeito e não apenas um item a ser checado na entrevista de admissão do postulante a algum cargo.

Os valores olímpicos, e, portanto humanos, são os maiores propulsores do imaginário heróico que transpira dos Jogos Olímpicos para o público e que mantém vivo esse fenômeno que mobiliza, excita e emociona a tantos ao redor do planeta. Talvez por isso que situações que envolvam corrupção, descumprimento de regras ou falcatruas de qualquer ordem sejam tomadas de forma tão dramáticas, porque, no limite, elas representam a traição daquilo que nos torna, indiscutivelmente, humanos.

(1) RUBIO, K., CARVALHO, A. L. Areté, fair play e movimento olímpico contemporâneo. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto , v.3, p.350 – 357, 2005.

Por katiarubio
em 27-09-2012, às 10:30

2 comentários. Deixe o seu.

Categorias:
Sem categoria.

Tags:
ética
Fair play; ética; moral
Olimpismo
Valores olímpicos

Comentários

Katia, belíssimo texto, com certeza o que melhor contextualiza este “jeitinho” brasileiro na gestão esportiva. Um dia, quem sabe, poderemos vivenciar mudanças no comportamento de tais responsáveis pela organização do nosso desporto. Parabéns, abraça grande…

Por Walter Guimaraes
em 27-09-2012, às 15:52.

Bom dia.

Sensacional seu artigo.

Meu nome é Léo. Sou exatleta da geração de prata do voleibol.
Estou começando meu artigo para o curso de MBA em Gestão de Marketing Esportivo (Trevisan).

Seria possível a senhora (através) de meu email, enviar seu contato para possível acompanhamento do meu artigo?

Atenciosamente, Léo.

Acessar