Resumo
Esta investigação teve como motivo central compreender as relações educativas desenvolvidas em dois quilombos e em duas salas de Educação Infantil da rede pública municipal da cidade de Garopaba - Santa Catarina, para o que foi selecionado um grupo de sete crianças quilombolas (três meninas e quatro meninos) com idades situadas entre quatro e seis anos de idade como sujeitos principais da pesquisa. Ainda tomaram parte na pesquisa um grupo de vinte crianças não moradoras das comunidades quilombolas, mas integrantes das salas de Educação Infantil pesquisadas. Compuseram o corpus de analise da pesquisa: o lugar ocupado pelas crianças quilombolas nos dois contextos sociais em que transitam (quilombo e Educação Infantil) e suas manifestações e expressões diante das relações educativas (interações, normas e regras de sociabilidade) que estabelecem entre si e com as outras crianças, bem como com os adultos; um conjunto de significações pelo qual as crianças produzem a cultura infantil, em especial as brincadeiras, a identidade (autoestima, formação identitária, confronto com constrangimentos), a autonomia, a independência; o pertencimento à terra (territorialidade) e as relações sociais que estabelecem com outros sujeitos. A fim de apreender os diferentes aspectos que ocorriam nos ambientes investigados e obter a máxima compreensão possível dos fenômenos, foi empreendida uma pesquisa de cunho qualitativo e etnográfico, por meio da observação participante e a estada prolongada nos campos de pesquisa. Como estratégia para alcançar os objetivos propostos, foram utilizados diferentes procedimentos: registro escrito com base nas observações realizadas, entrevistas com os adultos, registro fonográfico e em vídeo, registro fotográfico, oficinas, moradia (da pesquisadora) em um dos quilombos por 40 dias. A perspectiva teórica principal direcionou-se para a Sociologia da Infância, cujos estudos tomam crianças como sujeitos sociais e competentes para dizer de si mesmas, como também para a Antropologia que evidencia a necessidade de perceber a alteridade das crianças frente a outros sujeitos. A investigação reafirmou algumas das hipóteses iniciais: há especificidades nos discursos, nas expressões e nas práticas educativas (institucionalizadas ou não) presentes em diferentes realidades culturais que, a depender da raiz de origem, marcam o pertencimento cultural das crianças; a dificuldade de lidar com as diferenças culturais no espaço institucionalizado se deve ao fato de não reconhecermos como legítimo tudo aquilo que está além das fronteiras do projeto hegemônico da sociedade contemporânea; as crianças quilombolas sofrem constrangimentos na relação com as demais crianças no espaço educativo. Ao final, a pesquisa evidencia que as crianças moradoras dos quilombos revelam um alto grau de cumplicidade entre seu grupo de pertença étnica, na formulação de argumentos e estratégias quando em confronto com crianças não-quilombolas, não se deixando submeter passivamente, especialmente nos contextos institucionalizados de Educação Infantil. Reagindo crítica e criativamente às tentativas de exclusão, demonstram autoestima e pertencimento étnico, ao mesmo tempo em que reafirmam suas especificidades e promovem a construção de uma cultura infantil quilombola. Finalmente, procura-se ressaltar que há infâncias que se distinguem por influência de seus contextos culturais e geográficos de origem. Desse modo, práticas educativas institucionalizadas devem fundamentar-se em projetos pedagógicos que levem em conta a perspectiva da diferença e da diversidade