Resumo

No final de curso no Instituto Nacional de Educação Física (INEF)/ Instituto Superior de Educação Física (ISEF) de Lisboa fui convidado por dois professores para ficar como Assistente Convidado. Porém, a realidade e o peso dos afetos familiares falaram mais alto e como tal recusei o convite. Com efeito, como seres humanos, e uma história de vida parecida, na verdade todos somos bem distintos porque encaramos essa vida com objetivos e valores diferentes. Ora, ironia do destino, nunca pensaria que um dia aceitava enveredar pela carreira académica numa instituição idêntica na cidade do Porto.
Quando em 1970, deixando a Universidade Católica, fizemos exame de admissão ao INEF, e alguns meses depois obrigado a embarcar no Vera Cruz para a guerra do Ultramar, o “mundo” que nos rodeava imediatamente passou a ter outro significado, i. e., fomos obrigados a mudar o que os franceses chamam “gabarit”. O cidadão cujo padrão de vida passava pela captação irrefletida dos detalhes locais de que precisava para sobreviver e as pressões ambientais de guerrilha, passa para outro que obrigava à refletida prática / aprendizagem de vários desportos, mas também de outras disciplinas teóricas e / ou práticas. Esta mudança só mais tarde a começámos a perceber quando as circunstâncias académicas nos levaram a comprar o livro “Les voies et centres nerveux” de André Delmas1.
Mas o responsável foi o Prof. Fernando Nelson Mendes (Diretor do INEF). E porquê? Numa aula prática de Ginástica (1.º ano), caminhando nós passo a passo na trave olímpica, com os membros superiores estendidos no prolongamento lateral dos ombros, aparece o Diretor, com os dedos das mãos nos bolsos (como era seu costume…) e, fixando-me nos olhos, pergunta-me: “Porque está com os braços abertos?”. “Para me equilibrar!!!”, respondi. “Então você acha que são os braços que lhe dão o equilíbrio?” e, perante o meu curto silêncio, diz ele a sorrir, com aqueles bondosos olhos azuis a brilhar: “Parece que os seus neurónios estão a arder!!!”.

Referências

1Delmas, A. (1975). Les voies et centres nerveux: Introduction à la neurologie. Paris: Editions Masson.

2Ferreira, V. (1992). Pensar. Lisboa: Bertrand Editora.

3Lindsey, P. H., & Norman, D.A. (1977). Human information processing: An introdution to psychology. Cambridge, MA: Academic Press.

4Damásio, A. (2010). O livro da consciência: A construção do cérebro consciente. Lisboa: Temas e Debates e Círculo dos Leitores.

5Botelho, M. (1998). A actividade gímnica e factores de eficácia no processamento da informação visual. Braga: Oficinas de S. José.

6Eagleman, D. (2017). O cérebro: À descoberta de quem somos. Alfragide: Lua de Papel.

7Papa Francisco (2016). A alegria do amor: Exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia. Prior Velho: Paulinas Editora.

8Mendes, N. (1974). Pedagogo ou peda bobo? Lisboa: Editorial Intervenção.

9Graça, A. (2013). Formar professores de educação física: Notas breves sobre o nosso percurso institucional. In P. Batista, P. Queirós, & R. Rolim (Eds.), Olhares sobre o estágio profissional em educação física. Porto: FADEUP.

10Magna Charta Universitatum (1988). University of Bologna, Italy.

11Cruz, J. F. (1996). Psicologia do desporto e da actividade física: Natureza, história e desenvolvimento. In J. Cruz (Ed.), Manual de psicologia do desporto (pp. 17-41). Braga: Sistemas Humanos e Organizacionais (SHO).

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