Resumo
Atualmente, diversos casos de violência interpessoal na formação de jovens atletas têm sido alvo de debates na mídia e no ambiente acadêmico. Nas modalidades ginásticas de competição, esse cenário é ainda mais alarmante devido às características do processo de formação esportiva culturalmente firmado. O presente estudo tem como objetivo analisar as percepções de ex-atletas de modalidades ginásticas sobre a violência interpessoal em que foram submetidos e a sua atual intervenção pedagógica no papel de treinadores. Para isso, foi realizada uma pesquisa narrativa com três participantes recrutados de forma intencional devido à sensibilidade do objeto de estudo. Os critérios para participação do estudo incluíram: (1) ser ex-atleta de modalidades ginásticas competitivas; (2) ter experienciado situações de violência interpessoal durante o período em que foi atleta; (3) ser formado em Educação Física e (4) atuar profissionalmente como treinador de alguma modalidade ginástica. Utilizou-se a técnica da linha do tempo como elemento de apoio para condução de entrevistas semiestruturadas. Cada participante foi entrevistado duas vezes dentro de um intervalo de uma semana. A primeira entrevista intentou identificar as percepções dos participantes sobre as experiências de violência interpessoal vivenciadas quando ainda eram ginastas. Já a segunda entrevista buscou compreender a atual intervenção profissional dos participantes no papel de treinadores. O tratamento dos dados ocorreu por meio da análise temática reflexiva e os resultados foram apresentados no formato de vinhetas do tipo retrato. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. Os resultados destacam que os participantes do estudo passaram por uma formação esportiva fundamentada na vivência de uma série de abusos físicos, psicológicos e negligências. Considerando isso, os participantes apresentaram diferentes formas de compreender a violência interpessoal vivenciada, sendo alocados em estágios de acordo com nível de profundidade da compreensão (conscientização, descoberta e normalização). Além disso, as condutas praticadas pelos participantes no papel de treinadores aparentam se distanciar daquelas que experienciaram quando atletas em função das diferentes formas de conceber e refletir sobre a violência interpessoal na ginástica, sendo classificadas nos estágios de transformação, reflexão e contradição. A relação observada no estudo sugere que os participantes com compreensões mais aprofundadas sobre a sua vivência com a violência interpessoal apresentam um maior potencial de conduzir a formação esportiva na ginástica de forma distinta da qual vivenciaram. Do contrário, a compreensão superficial da violência interpessoal na ginástica parece manter a reprodução de práticas abusivas.