Resumo
Desde os anos 2000 ocorreram ampliações e intensificações da comunidade de pesquisadores/as e dos aparatos científicos comprometidos com a Educação Física (EF). Esse processo aconteceu/acontece em meio a diversos tensionamentos que passaram a ser problematizados em estudos e debates. Instigada por esse processo e problematizações me aproximei dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, os quais provocaram a realização desta pesquisa, guiada pela seguinte questão: de que modo se faz ciência na EF brasileira? Para respondê-la realizei um estudo etnográfico em dois grupos de pesquisa da EF, com a duração aproximada de um ano e quatro meses em cada um deles, em que segui humanos e não-humanos, associações e controvérsias. Ao acompanhar/viver o dia a dia desses grupos cheguei à conclusão de que há múltiplas ciências da EF. Foi possível identificar que, na prática, a ciência da EF é aquela desenvolvida: por cientistas que possuem interesse pelas áreas exatas; com a dedicação exclusiva dos/das pesquisadores/as ao laboratório; com a utilização de aparatos tecnológicos; com o estabelecimento de relações com empresas privadas; com respostas às questões sobre comparações de forças, torques e exercícios; com metodologias científicas que ofereçam respostas à pergunta ‘como vamos medir(?)’; com a utilização de softwares que traduzem para o formato de números os resultados obtidos em diferentes testes e equipamentos; com análise estatística; e com inúmeros processos de ‘purificações’. Além dessa, a ciência da EF também é aquela desenvolvida: por cientistas que são professores de EF escolar; com base em questões sobre educação; com objetivos de ‘compreender’; com experiências adquiridas nas escolas; com metodologias qualitativas de pesquisa; com instrumentos metodológicos que permitem ‘dar voz’ ao professorado e aos estudantes investigados; com decisões sobre as ‘categorias de análises’; com resultados no formato de um texto descritivo e hermenêutico, com demarcações que ‘é um texto para o universo acadêmico’; com descrições ‘sobre quem’ e ‘onde’ os fatos científicos foram construídos; e posicionando-se em tensão com uma ciência historicamente hegemônica na EF. Mediante essas constatações passei a compreender/propor que se faz ciência na EF brasileira a partir de diferentes ontologias, as quais, conforme os espaços/tempos em que são promulgadas, existem de maneira independente ou coexistem para que, juntas, se tornem uma única ciência da EF. Apoiada na noção de distribuição identifiquei que os fatos científicos, as rotinas dos/as pesquisadores/as, os textos produzidos e as escolhas com quem dialogar estabelecem independências acadêmicas entre as ciências vivenciadas pelos grupos investigados. Já, ao analisar as relações que esses grupos estabelecem com um programa de pós-graduação em EF, e os processos de avaliação e fomento regidos pela Capes e CNPQ, por meio da noção de coordenação, constatei que, para se tornam ‘uma’, as múltiplas ciências da EF coexistem de maneira hierárquica e mediante a calibração de suas diferenças. E a partir da noção de inclusão refleti sobre os comprometimentos das ciências investigadas ao se associarem a diferentes práticas de intervenção da EF. Enfim, ao compreender que as ciências da EF são múltiplas, o principal encaminhamento/provocação desta tese é que ao se pensar/referir/indagar sobre a ciência da EF (nota-se, no singular) passa a ser indispensável pensar/referir/indagar sobre os tipos de relações que foram e estão sendo estabelecidas entre as ciências da EF (nota-se múltiplas), e quais são as suas consequências.