Resumo

A notícia mais antiga que se tem da capoeira na cidade de Sorocaba é a edição do Código de Posturas da Câmara Municipal, datado de 1850, e que trata, em seu artigo 151, da proibição dessa luta. O enunciado do artigo é o seguinte: “Toda a pessoa que nas praças, ruas, casas públicas, ou em qualquer outro lugar tão bem público practicar ou exercer o jogo denominado de Capoeiras ou qualquer outro gênero de luta, sendo livre será preso por dous dias, e pagará dous mil reis de multa, e sendo captiva será preso, e entregue a seo senhor para o fazer castigar naquela com vinte cinco açoites e quando não faça sofrerá o escravo a mesma pena de dous dias de prisão e dous mil réis de multa” . Desse texto legal se depreende que os legisladores sorocabanos, que refletiam a mentalidade da classe dominante, conheciam da existência da capoeira e que a mesma era (ou poderia ser) praticada por brancos e negros, homens livres e escravos; não sendo, portanto, exclusividade de uma classe específica. Outro aspecto importante é que a prática da capoeira já estava relacionada com o aspecto lúdico, eis que era conhecida como jogo, embora fosse reconhecida como luta, conforme explicita o próprio texto da lei: “...ou qualquer outro gênero de luta...”. Também é interessante notar que a intenção de punir era irrestrita (não obstante as punições aos homens livres fossem mais brandas), o que pode significar que a prática da capoeira era considerada nociva não somente porque dela poderia se utilizar o escravo a fim de combater a opressão. Desse modo é questionável até mesmo a concepção de que a capoeira tenha servido exclusivamente de luta do escravo pela sua libertação. As leis municipais de Sorocaba repressivas à prática da capoeira continuaram sendo editadas nas Posturas Municipais durante as décadas subseqüentes. Em 1865 o tópico referente à proibição da capoeira figurou no artigo 127: “Toda e qualquer pessoa que em praças, ruas, ou outro qualquer lugar exercer o jogo denominado capoeiras, ou qualquer outra luta, será multado em 4$ e dois dias de prisão ”. O texto mais sucinto e genérico não discrimina os participantes do jogo da capoeira, nem mesmo distingue a penalização, permanecendo, no entanto, a concepção da prática como jogo. Em 1871, o artigo 73 do Código de Posturas da Cidade de Sorocaba apresenta o seguinte texto: “Jogar capoeiras ou qualquer genero de luta em publico: penas, 4$ de multa e 2 dias de prisão ”. Já em 1882 o termo “capoeiras” deixa de figurar no texto legal: “Art. 72. É prohibido jogar pelas ruas e lugares públicos qualquer espécie de jogos ou luta, os infractores incorrerão na multa de vinte mil réis e cinco dias de prisão”. A imprensa sorocabana do século XIX registrou inúmeros eventos relativos a valentões e desordeiros, algumas evidências a lutas, sem que houvesse, entretanto, uma descrição clara desses eventos e que indicasse nomes de capoeiristas. Uma notícia interessante, colhida no Diário de Sorocaba, em 1887, diz: CARTEIRA DA POLÍCIA Á ordem do sr. delegado de polícia, foi a 16 do corrente recolhido à cadeia João de Almeida, vulgo Brizolla, por provocar desordens. —Á mesma ordem, no mesmo dia e pelo mesmo motivo foi recolhido o preto Antônio José da Silva, que trouxe mais aggravante de, no corredor do mosteiro de S. Bento fazer um grande rolo. Ahi está no que dão os valentões . A palavra rolo, que os dicionários atuais apresentam como sendo sinônimo de confusão ou perturbação da ordem, era, no século XIX, comumente associada a tumultos provocados pelos capoeiras ou por suas maltas. Artur Azevedo, na opereta “O Barão de Pituaçu”, narra a conversa de um capoeira: JOSÉ - Não é partido político, não sinhô. Como político, eu sou republicano. É partido de capoeirage. Eu sou guaiamu. BERMUDES - Tu é o quê, moleque do diabo? JOSÉ - Guaiamu, legítimo guaiamu, de princípios. Esse partido é a facção mais adiantada da flor da gente. Quando houver rolo, hei de convidar o Sinhô Bermudes. BERMUDES - Apois. JOSÉ. - Verá como eu sei entrar bonito. (Fazendo uns passes de capoeira.) BERMUDES - Pra lá, moleque! A mesma conotação parece ter a palavra rolo em Pernambuco, no século XIX, segundo a informação de Mário Sette: Acompanhando o desfile das bandas musicais do Recife desde os primeiros anos da segunda metade do século XIX, o nosso capoeira era, no dizer de Mário Sette, figura obrigatória à frente do conjunto "gingando, piruteando, manobrando cacetes e exibindo navalhas. Faziam passos complicados, dirigiam pilhérias, soltavam assobios agudíssimos, iam de provocação em provocação até que o rolo explodia correndo sangue e ficando os defuntos na rua". (RECIFE – PERNAMBUCO, 2004).

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