Cevnautas da PG,

Quem ainda não passou vergonha ao convidar pesquisador estrangeiro pra vir pro Brasil? Eu, muitas. Algumas vezes tive que ligar para o "convidado" informando que a passagem duguverno tinha gorado.

Não escondo a inveja desse trecho:

"Acabo de voltar de Hong Kong, por exemplo, para onde fui levada para palestrar e iniciar uma colaboração. Além de passagem e hotel já pagos, fui recebida com um cartão de débito pré-carregado para qualquer despesa em supermercados, restaurantes, lojas de conveniência dos arredores, transporte público.

Não me pediram qualquer recibo; pelo contrário, se os créditos minguassem, era só eu avisar. No "kit de sobrevivência" vinha também um guia de turismo, mapas, e – a cereja do bolo– um celular pré-pago com o número do meu anfitrião e de sua secretária já programados. Qualquer dificuldade que eu tivesse, bastaria ligar para eles e eu teria tradução simultânea cantonês-inglês."

O artigo completo:

Ciência internacional de verdade
07/01/2015 01h38

Como meus colegas, fiquei animada quando o governo anunciou um esforço para internacionalizar nossa ciência poucos anos atrás: imaginamos poder receber mais facilmente nossos colegas estrangeiros, iniciar colaborações, exportar nossos doutores e pós-doutores para especializações, trazer doutores e doutorandos estrangeiros.

Também como meus colegas, fiquei decepcionada com a concentração do esforço em números, o que só se consegue exportando adolescentes recém-admitidos em nossas universidades. Internacionalizar nossa ciência convidando estrangeiros para nos visitar, trazendo novas ideias e conhecimentos, continua dificílimo.

Mas já chego nessa parte. Primeiro, vejamos como a coisa funciona lá fora. As universidades e congressos que me convidam como palestrante oferecem minha passagem e estadia já no momento do convite, com meses de antecedência; reservam hotel de qualidade; várias vezes, pagam até honorário.

Acabo de voltar de Hong Kong, por exemplo, para onde fui levada para palestrar e iniciar uma colaboração. Além de passagem e hotel já pagos, fui recebida com um cartão de débito pré-carregado para qualquer despesa em supermercados, restaurantes, lojas de conveniência dos arredores, transporte público.

Não me pediram qualquer recibo; pelo contrário, se os créditos minguassem, era só eu avisar. No "kit de sobrevivência" vinha também um guia de turismo, mapas, e – a cereja do bolo– um celular pré-pago com o número do meu anfitrião e de sua secretária já programados. Qualquer dificuldade que eu tivesse, bastaria ligar para eles e eu teria tradução simultânea cantonês-inglês.

Agora, vejamos aqui. Convidar estrangeiros requer pedir fundos ao governo com meses de antecedência da viagem, mas só temos a resposta –que pode ser de inúteis fundos parciais– com um mês de antecedência, e olhe lá. A diária no país concedida pelo CNPq é de míseros R$ 320,00 para hotel, alimentação e transporte. Não é preciso fazer as contas: é inviável. Não posso convidar estrangeiros dizendo a eles que talvez tenha dinheiro para sua passagem e estadia, talvez não –e, se tiver, eles terão que complementar sua estadia do próprio bolso. Então simplesmente não convido. Eu, assim como meus colegas.

Como sequer pensar na ciência que poderia cruzar fronteiras quando precisamos fazer malabarismos para conseguir trazer os cientistas?
suzana herculano-houzel

Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

FONTE com fotos e links: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/suzanaherculanohouzel/2015/01/1571453-ciencia-internacional-de-verdade.shtml

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