Cevnautas, aprendi a gostar e admirar o Professor Amadio muito antigamente. Foi quem primeiro me mostrou a programação html com que tinha feito a página da EEFEUSP, escaneando o chaveirinho da Escola pra conseguir o desenho. Nessa página pioneira ele também tinha publicado um moderníssimo - para a época - gif animado. Sou avesso a essa mastigação de peiper que tomou conta da pós-graduação, mas sou a favor do Amadio pra o que der e vier. Boa Gaya. Laércio

A vaidade é a inconsciência da estupidez(1). Uma crônica em desagravo a Alberto Carlos Amadio;

Por Adroaldo Gaya

Se eu compartilhasse da ideologia do "politicamente correto" iniciaria esta crônica mais ou menos assim: não pretendo entrar no mérito das decisões (...), talvez afirmasse: não faço juízo de valores (...). Não é o caso. Assumo posições e como tal não tenho como não anunciar juízos. Não gosto do cinza, prefiro cores fortes ou bem definidas. Não gosto da hipocrisia e da mentira manifesta em palavras doces, mas que escondem ações amargas.

É fato. Alberto Carlos Amadio foi descredenciado por seus colegas do PPG em Educação Física e Esportes da USP. Motivo? Todos sabem. Provavelmente não atingiu o “cut off” da produtividade científica. É mais um professor renomado entre aqueles que deveríamos prestar eterna reverência pelos serviços prestados à educação física e as ciências do esporte em nosso Brasil. É bem verdade não foi o primeiro e talvez nem seja o último. Este meu grito de indignação já vai bem atrasado. Peço desculpas a João Batista Freire, Mauro Betti e a outros mártires da produtividade científica.

No entanto, quero deixar claro meu ponto de vista. Divirjo daqueles que culpam a CAPES por tais injustiças. Em primeiro lugar por que somos nós mesmos que a representamos. Em segundo lugar, porque acho legítimo que uma agência cuja responsabilidade é coordenar a formação pós-graduada exija níveis elevados de qualidade. Creio que é justo que se possam classificar programas de PG por critérios de qualidade tais como: inserção internacional, produção intelectual e tecnológica, qualidade da formação de seus alunos, etc... No entanto, o que não é justo é que na busca de alcançar a excelência a qualquer custo os PPGs utilizem estratégias que ultrapassam as fronteiras da solidariedade, do respeito pessoal e da ética acadêmica.

Proponho um exemplo para reforçar a tese que defendo. Um dilema ético presente no PPG em Ciências do Movimento Humano da UFRGS ao qual tenho a honra de pertencer. O PPGCMH tem conceito 5. Somos um programa com duas áreas bem definidas. Movimento Humano Cultura e Educação com preocupações voltadas às ciências humanas e sociais e Movimento Humano Saúde e Performance com enfoque nas áreas biológicas. Temos um programa bem consolidado. Deveríamos perseguir imediatamente o conceito 6? Eis a questão? Qual o custo desta pretensa progressão? Eis o dilema ético. Eu afirmo com toda a certeza que nossa progressão resultaria na própria implosão do programa. Por quê? Simples. Teríamos que descredenciar colegas, principalmente aqueles da área de concentração Movimento Humano Cultura e Educação. Por quê? Serão menos competentes? É evidente que não. Ora, todos nós sabemos que os pesquisadores envolvidos com as ciências humanas e sociais sequer têm periódicos A1 na área das ciências da saúde. E mais, os periódicos que são A1 nas ciências humanas e sociais caem para B ou C nas ciências da saúde. Por outro lado, não há a devida valorização da produção de livros e capítulos de livros, forma usual de publicações nestas áreas. Portanto, seria quase impossível na área das ciências da saúde atingir o Conceito 6 sem descredenciarmos tantos colegas. E, mesmo que fizéssemos estaríamos destruindo nosso programa de ciências do movimento humano, na medida em que o reduziríamos apenas as “Ciências Biológicas do Movimento Humano”, isto se ainda tivéssemos quadro suficientes de professores da área biológica que cumpram as exigências para um programa com conceito 6. De qualquer forma seria um disparate, posto que estaríamos, da mesma forma, implodindo a matriz epistemológica do PPGCMH . Seria justo e ético descredenciar colegas para exibir um Conceito 6? Todavia, não esqueçamos a vaidade é a inconsciência da estupidez.

Alberto Carlos Amadio é um homem de vanguarda. Fez parte da parcela mais consciente e combativa das ciências do esporte no Brasil. Especialmente a sua Escola de Educação Física e Esportes da USP lhe deve muita gratidão. O PPG, então..., nem se fala. Foi um dos idealizadores do doutoramento em Biodinâmica do Movimento Humano. Nos 33 anos de existência do programa foi presidente da Comissão Coordenadora por 10 anos. Fundador da Sociedade Brasileira de Biomecânica, da Revista Brasileira de Biomecânica. Responsável por inserir o PPG nas relações internacionais com a Alemanha. Um coadjuvante da maior relevância na construção da comunidade das ciências do esporte dos países de língua portuguesa. Professor convidado da Universidade do Porto em Portugal, da Faculdade de Educação Física e Ciências do Desporto da Universidade Pedagógica de Maputo. Orientador de inúmeras teses de mestrado e doutorado. Chefe de gabinete na Reitoria da USP nas últimas gestões, de onde, me atrevo a firmar, deve ter angariado muitos recursos para sua escola de educação física e esportes e o PPG. Todavia, se por um lado seus amigos, entre os quais me incluo, orgulham-se do cargo que assumiu na Reitoria da USP, por outro lado, seus colegas de PPG, entre eles provavelmente alguns de seus ex-alunos, retribuem com o descredenciamento. Será vaidade? Provavelmente, pois tantos méritos absolutamente reconhecidos ao Amadio não comoveram seus colegas do PPG cuja preocupação imediata, parece, era fazer do PPGEFE da USP o primeiro PPG em educação física do Brasil a obter conceito 6. Ou, quem sabe, já não planejam o Conceito 7. É a única explicação que encontro para o descredenciamento do Amadio.

Mas, também discuto o mérito. No item produção científica para os programas de conceito 6, consta:

“80% ou mais dos docentes publicaram no mínimo 4 artigos em Qualis A e/ou B, sendo pelo menos 1 em Qualis A”

Amadio, conforme informou publicou dois artigos internacionais sendo um deles Qualis A2 e outro B1; publicou 3 artigos em periódicos nacionais sendo um deles qualis B3, outro com Qualis B2 e um não indexado. Salvo melhor juízo, são atendidas as exigências de um orientador de programa de PPG nível 6. Mas, além disso, ele publicou 4 capítulos de livro e 14 artigos completos em anais de congressos. Para mim é vontade, mesmo que as palavras doces em cartas e e-mails queiram demonstrar outra verdade.

De outro modo, o Amadio com toda sua história nas ciências do esporte e na própria USP, não mereceria uma atitude mais respeitosa. Ou seria apenas Coordenadora, de que estava descredenciado do PPG?

Sobre a Ideologia da produtividade científica

Mas há muita injustiça em tudo isso. Pois já não dá para suportar este “neo-liberalismo” científico que explora estudantes de graduação, de especialização, de mestrado e doutorado, colocando-os numa linha de montagem que só enriquece o Currículo Lates de alguns orientadores que, por suposto, se julgam acima do bem e do mal. Publicam em série. Custe o que custar. Basta observar a descarada promiscuidade nas autorias científicas em tantos artigos publicados. São oito, nove, dez quinze autores num conjunto de artigos que mudam de títulos, mas que na essência permanecem os mesmos.

No mesmo artigo são co-autores alunos de iniciação científica do primeiro período da faculdade, formandos, mestrandos, doutorandos e dois ou três doutores. Assim, se constituem os imensos currículos. Empresto alguns reagentes, o laboratório, a máquina de café em troca da co-autoria. É o que denomino de ideologia do “produtivismo” científico.

A ciência deve estar a serviço da humanidade. É um pressuposto ético essencial. Como tal, não deveria ser utilizada como meio de afirmação pessoal, de grupos ou instituições como forma de satisfazer vaidades. Tampouco para excluir pesquisadores cuja história orgulha nossas ciências do esporte e que por assumir atribuições administrativas do mais alto nível não pode competir com a indústria dos ”pappers”.

Em nossas faculdades adotamos uma política de pesquisas que se configura num palco de disputas e concorrências que chegam às raias do inadmissível. Repito, é o modelo produtivista de ciência. Nele o que interessa é publicar. Publicar muito. O culto da vaidade ignora tantos outros valores relevantes. Importa, sobretudo, que nos interroguemos se não estamos possuídos de uma mentalidade meramente pragmática onde os objetivos da produção do conhecimento científico se limitam a dar prestigio ao nosso currículo acadêmico, insuflar nossos egos, independentemente do significado humano e solidário que deve guiar nossa prática científica.

1.Pascal Mercier. O Trem Noturno para Lisboa. São Paulo: Record, 2009.
2.Professor Titular do Departamento de Educação Física e do PPG Ciências do Movimento Humano da
UFRGS. Doutor em Ciências do Desporto.

Comentários

Por Afonso Nina
em 21 de Junho de 2011 às 18:39.

Quero me solidarizar ao professor Alberto Carlos Amadio em face dessa  estúpida decisão tomada pelo PPG/USP.Independente dos discutíveis critérios de julgamento sobre produtividade científica, a carreira acadêmica do professor Amadio enche de orgulho a categoria dos professores de educação física frente a outras categorias que constituem o campo da ciência,da educação e da cultura nacional.Seu espírito desprendido aliado a uma profunda percepção das necessidades de desenvolvimento nacional proporcionou a formação em pós-graduação de um sem número de profissionais por todo o país criando e coordenando cursos de mestrado e doutorado que, caso dependessem da vontade desses poucos, que hoje tentam lhe empanar(inultilmente) o mérito,jamais teriam sido oferecidos.

Professor Amadio, "a lua brilha alta porque alta vive", esteja certo que o campo do esporte, da educação física e das ciências do movimento humano reconhece seu inestimável valor e sua incalculável contribuição científica e moral ao desenvolvimento da educação física brasileira.


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