25/07/2011
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Na 3a feira, 12 de julho, foi realizada na Universidade Federal de Goiás a mesa-redonda "Debatendo os Sistemas de Avaliação da Pesquisa", coordenada pela professora Fernanda Sobral, com a participação do professor da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Renan Cunha Melo, e do diretor da Academia Brasileira de CIências (ABC), Evando Mirra. O debate fez parte da programação científica da 63a Reunião Anual da SBPC.
Cunha Melo contextualizou o tema, logo no início de sua palestra. Nos últimos 15 anos, segundo ele, a maioria dos países europeus implementaram diferentes versões de sistemas com base na performance para avaliar ou monitorar a produtividade em pesquisa de instituições e, em alguns casos, de indivíduos.
"Esses sistemas variam em relação a técnicas de medidas (número de publicações, número de citações, fator H), são frequentemente combinadas com versões do peer review [revisão por pares] clássico ou painéis e são, na maioria das vezes, relacionados a procedimentos de fomento nacional", observou o palestrante.
Pesquisa tipo 1 e tipo 2
Cunha Melo explicou a diferença entre os tipos de pesquisa. A pesquisa do tipo 1 (ciência acadêmica) tem como fim o conhecimento em si mesmo. É baseada na revisão por pares - pesquisadores de universidades que atuam na mesma área - e provou por muitos anos sua capacidade de criar conhecimento independente. A pesquisa do tipo 2 (ciência pós-acadêmica) é a aplicação prática do conhecimento. Deve ter relevância social, sem objetivo de excelência científica ou construções teóricas.
"A pesquisa do tipo 2 está em alta, a demanda pelos elaboradores da política de C&T e pela sociedade em vários países está aumentando, visando tornar a relevância social da pesquisa mais visível", afirmou Melo. No entanto, ele identifica um paradoxo: ao mesmo tempo em que se exige a inserção social da pesquisa, a avaliação continua sendo feita por revisão de pares, o que é incoerente.
A seu ver, a avaliação da pesquisa de tipo 2 deveria continuar a focar na excelência, mas deveria, também, avaliar sua contribuição para a economia, para as políticas públicas e para a formação de opinião pública. "A consolidação de um ambiente de pesquisa forte e a interação entre universidades e pesquisas no setor privado deveriam fazer parte do sistema de avaliação da qualidade da pesquisa", reforçou Cunha Melo.
Parâmetros atuais não avaliam adequadamente
Ele criticou os parâmetros de avaliação de pesquisa científica utilizados no país hoje em dia. "O que vale é o número de papers. Você vale pelo que você publica, nem tanto pela qualidade, mas pela quantidade. Hoje, felizmente, já existe um movimento para mudança". Em seu ponto de vista, o sistema atual faz com que as instituições maquiem os resultados para se encaixar nas metas de avaliação estabelecidas pela Capes.
O padrão de avaliação de pesquisas realizadas em diferentes áreas do conhecimento tem que ser diferentes também. "A pesquisa artística, evidentemente, tem que ser avaliada por outros parâmetros. Em Comunicação, por exemplo, com avaliar a pesquisa feita por um jornalista?’ perguntou o palestrante.
A pesquisa tem que ser a prioridade da universidade
O diretor da ABC Evando Mirra, ex-presidente do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) e ex-diretor de Inovação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), começou sua apresentação com uma pergunta: "Como avaliar a pesquisa no novo ambiente de produção do conhecimento?"
Ele explicou que a lógica moderna de avaliação, como a revisão por pares (peer review) é jovem, tem em torno de 50 anos. Já a organização do projeto acadêmico em torno da pesquisa científica é mais antiga: em 1810, essa forma de estruturar a aprendizagem já era discutida na Universidade de Berlim, com textos de Kant, Schleirmeyer, entre outros grandes pensadores e formadores de opinião. "A pesquisa era o eixo principal do ensino", acentuou Mirra. "Não significa que, além do ensino, se fizesse também pesquisa: com a pesquisa transformou-se o ensino. Aprendeu-se a criar conhecimento novo, produzir cultura, instaurar uma atmosfera de questionamento e de reflexão, um processo de auto-aprendizado permanente."
Para Mirra, a atividade de produzir pesquisa transforma o pesquisador. "Ele aprende a ler as coisas de outra forma. Produzir conhecimento faz a pessoa compreender melhor o conhecimento produzido". A primeira função da pesquisa, portanto, seria transformar pessoas. "E é por isso que ela deve ser avaliada."
Inovação requer ousadia
A pesquisa, segundo Mirra, sempre envolve riscos e incertezas. O sistema vigente para distribuição de recursos e prestação de contas no país não conta com isso, o que induz ao conservadorismo. "Para não correr riscos, o pesquisador propõe projetos que já foram feitos. Implantar flexibilidade é urgente, se realmente se deseja inovação."
A inovação, segundo Mirra, responde por mais da metade do crescimento econômico de longo prazo dos países industrializados. Geração de emprego e renda, crescimento sustentável e competitividade estão associados à capacidade de inovar. "O investimento em conhecimento é a chave do desempenho econômico e de ganhos no campo social", afirmou Mirra. "A sociedade se torna mais interconectada e cada vez mais colaborativa quando há criação e aplicação do conhecimento."
Mirra citou a pequena cidade de Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, que investiu em geração de conhecimento. A escolaridade média do brasileiro é de seis anos. Lá, com os investimentos feitos pelas empresas, a escolaridade média chega a 11 anos."
Transdisciplinaridade é fundamental para a inovação
Mirra comentou a evolução da pesquisa. Após a etapa das relações interdisciplinares, se sucede uma etapa superior, transdisciplinar, que não se contenta em atingir interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas relações no interior de um sistema sem fronteiras estáveis entre as disciplinas. "A transdisciplinaridade é o trânsito gentil das diferenças, a vontade de ouvir o outro", resumiu, poeticamente, o palestrante.
Um exemplo perfeito de transdisciplinaridade, para Mirra, é a que ocorre na área de nanotecnologia, que projeta e cria materiais com propriedades previamente determinadas, pela manipulação de átomos e moléculas. "Todo o trabalho é desenvolvido em redes cooperativas de pesquisa, que envolvem engenheiros, físicos, médicos e biólogos".
Outro bom exemplo, a seu ver, é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Recursos Minerais, Água e Biodiversidade. Ele é coordenado por três pesquisadores: o ecólogo Francisco Barbosa trabalha com biodiversidade, a engenheira e Acadêmica Virginia Ciminelli com minerais e o biólogo e Acadêmico José Tundisi, com recursos hídricos. "O INCT Acqua foi montado para enfrentar um problema: a combinação da expansão das áreas urbanas, agronegócio e mineração, que gera pressões significativas sobre os recursos hídricos e a biodiversidade. Eles fazem uma abordagem transdisciplinar, com ferramentas avançadas de investigação", destacou Evando Mirra.
A pesquisa contemporânea, portanto, é realizada cada vez mais em um contexto de solução de problemas. Os múltiplos atores envolvidos contribuem com uma heterogeneidade essencial de culturas e expertises, gerando um fórum que fornece novo foco para o empreendimento intelectual. "Essa multiplicidade agrega valor na busca de um produto melhor, da produção de conhecimento de mais qualidade", avalia Mirra. Em sua visão, esses fóruns têm que ter mais diálogo com a sociedade. "Os impactos sociais e ambientais são questões constitutivas de todas essas abordagens."
A conclusão de Mirra, depois desses exemplos, é de que a avaliação nesse novo ambiente tem que levar em conta a complexidade das interações locais, nacionais e internacionais entre instituições de ensino e pesquisa, governo, empresas e indivíduos. "É preciso considerar a formação de redes, os fluxos de conhecimento entre diferentes disciplinas, organizações, empresas e instituições de pesquisa, assim como as mudanças institucionais."
(Elisa Oswaldo-Cruz para as Notícias da ABC)
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