Cevnautas, certamente escrevemos e falamos muito sobre ética profissional. Mas, temos um padrão de profissionalismo que estabeleça a nossa Educação Física no ponto a que se refere o Prof Claudio de Moura Castro? Laércio

Revista VEJA, 1/6/2011
CLAUDIO DE MOURA CASTRO

O PROFISSIONALISMO COMO RELIGIÃO

Logo que me mudei para a França, tive de levar o meu carro para consertar. Ao buscá-lo, perguntei se havia ficado bom. O mecânico não entendeu. Na cabeça dele, se entregou a chave e a conta, nada mais a esclarecer sobre o conserto. Mais à frente, decidi atapetar um quartinho. O tapeceiro propôs uma solução que me pareceu complicada. Perguntei se não poderia, simplesmente, colar o tapete. O homem se empertigou: “O senhor pode colara, mas, como sou profissional, eu não posso fazer isso”. Pronunciou a palavra “profissional” com solenidade e demarcou um fosso entre o que permite a prática consagrada e o que lambões e pobres mortais como eu podem perpetrar.

Acostumamo-nos com a idéia de que, se pagamos mais ou menos, conseguimos algo mais ou menos. Para a excelência, pagamos generosamente. Mas lembremo-nos das milenares corporações de ofício, com suas tradições e rituais. Na Europa, e alhures, aprender um ofício era como uma conversão religiosa. O aprendiz passava a acreditar naquela profissão e nos seus cânones. Padrões de qualidade eram cobrados durante todo o aprendizado. Ao fim do ciclo de sete anos, o aprendiz produzia a sua “obra prima” (obra primeira), a fim de evidenciar que atingira os níveis de perfeição exigidos. Em Troyes, na França, há um museu com as melhores peças elaboradas para demonstrar maestria na profissão. Carpinteiros alardeavam o seu virtuosismo pela construção meticulosa das suas caixas de ferramentas. Na Alemanha, sobrevivem em algumas corporações de ofício as vestimentas tradicionais. Para carpinteiros, terno de veludo preto, calça boca de sino e chapéu de aba larga. É com orgulho que exibem nas ruas esses trajes.

Essa incursão na história das corporações serve para realçar que nem só de mercado vive o mundo atual. Aqueles países com forte tradição de profissionalismo disso se beneficiam vastamente. Nada de fiscalizar para ver se ficou benfeito. O fiscal severo e intransigente está de prontidão dentro do profissional. É pena que sindicatos, herdeiros das corporações, pouco se ocupem hoje da qualidade e virtuosismo. Se pagarmos com magnanimidade, o verdadeiro profissional executará a obra com perfeição. Se pagarmos miseravelmente, ele a executará com igual perfeição. É assim. ele só sabe fazer bem, pois incorporou a ideologia da perfeição. Não apenas não sabe fazer de qualquer jeito, mas a sua felicidade se constrói na busca da excelência. Sociedades sem tradição de profissionalismo precisam de exércitos de tomadores de conta (que terminam por subtrair do que poderia ser pago a um profissional com sua própria fiscalização interior). Nelas, capricho é uma religião com poucos seguidores. Sai benfeito quando alguém espreita. Sai matado quando ninguém está olhando.

Existe relação entre o que pagamos e a qualidade obtida . Mas não é só isso. O profissionalismo define padrões de conduta e excelência que não estão à venda. Verniz sem rugas traz felicidade a quem o aplicou. Juntas não têm gretas, mesmo em locais que não estão à vista. Ou seja, foram feitas para a paz interior do marceneiro e não para o cliente, incapaz de perceber diferenças. A lâmina do formão pode fazer a barba do seu dono. O lanterneiro fiza feliz se ninguém reconhece que o carro foi batido. Onde entra uma chave de estria, não se usa chave aberta na porca. Alicate nela? Nem pensar! Essa tradição de qualidade nas profissões manuais é caudatária das corporações medievais. Mas sobrevive hoje, em maior ou menor grau, em todo o mundo do trabalho. O cirurgião quer fazer uma sutura perfeita. Para o advogado, há uma beleza indescritível em uma petição bem lavrada, que o cliente jamais notará. Quantas dezenas de vezes tive de retrabalhar os parágrafos deste ensaio?

Tudo funciona melhor em uma sociedade que domina o profissionalismo de sua força de trabalho. Mas, isso só acontecerá como resultado de muito esforço em lapidar os profissionais. Isso leva tempo e custa dinheiro. É preciso uma combinação harmônica entre aprender o gesto profissional, desenvolver a inteligência que o orienta e o processo quase litúrgico de transmissão dos valores do ofício. Em tempo: amadores não formam profissionais."

Comentários

Por András Vörös
em 10 de Junho de 2011 às 15:54.

Caro Laércio e Claudio !!!!

Muito apropriada a veiculação deste texto.

Sem sombra de dúvida os verdadeiros profissionais de ofícios (que se formavam em escolas como o Liceu de Artes e Ofícios), ou em escolas técnicas de primeira ordem (como o Senai e os antigos CEFET), tinham muito orgulho do que sabiam fazer e como fazer.

Em determinado momento da sociedade contempôranea houve uma ruptura do conceito de qualidade, quebrado pelo "jeitinho", pelo "quebra-galho" e principalmente da filosofia de sempre levar vantagem. Com isso introduziu-se o descartável e o superficial, quer no conhecimento, quer no produto.

Hoje somos obrigados a conviver com os ditos fiscais das profissões (conselhos) que apenas verificam se o dito profissional está em dia com sua anuidade, mas nunca com a qualidade do serviço ofertado. Por sua vez o cliente ou usuário também pouco se importa com o que lhe é oferecido no primeiro momento, pois o que importa é a expertise de ter levado vantagem, mesmo que isso depois custe o dobro.

Lembro que no início dos anos oitenta participei de um curso com um expoente da área que para finalizar o curso pediu que os alunos em grupo preparassem uma "aulinha". Com muita enfase retruquei que não poderia preparar uma aulinha, pois isso confrontava com meus ideais. Estabeleceu-se um colóqio de 20 minutos sobre o termo e sua aplicação !!!!

Lamentavelmente há profissionais amadores formando outros pseudo profissionais graças ao compadrio.

Por Omir Jorge Muniz
em 24 de Julho de 2011 às 17:02.

CONCORDO PLENAMENTE. HOJE A FALTA DE PROFISSIONALISMO É MUITO GRANDE, TROCAM A QUALIDADE DO SERVIÇO POR UM CARGO DE CONFIANÇA E POR AÍ VAI.

CONHEÇO VÁRIOS QUE NUNCA DERAM UMA VERDADEIRA AULA E HOJE ESTÃO AÍ EM CARGOS POLÍTICOS E DITANDO NORMAS, REGRAS, E COBRANDO TRABALHO DOS OUTROS, É INACEITÁVEL.

Por Omir Jorge Muniz
em 24 de Julho de 2011 às 17:11.

OLHA LAÉRCIO, ÀS VEZES LAPIDAR NÃO ADIANTA. COMO LAPIDAR PESSOAS QUE TEM PREÇO? QUE FORAM ACOSTUMADAS A LEVAR A MELHOR? E GERALMENTE ESSAS VEM COM VÍCIOS E ELAS QUE ASSUMEM GRANDES CARGOS, DITAM E DETURPAM NORMAS E REGRAS.

   DE QUE ADIANTA SE A PARCELA EM DIA É MAIS IMPORTANTE QUE A QUALIDADE DE SERVIÇO? NÃO ESTOU SENDO PESSIMISTA, É O QUE ESTOU VIVENCIANDO. FIZERAM UMA VERDADEIRA CAÇA ÀS BRUXAS POR AQUI, E DE QUE ADIANTOU? APENAS AUMENTOU O RENDIMENTO DOS DETENTORES DO PODER..............

QUANDO NÓS MORTAIS NOS PROPOMOS A PARTICIPAR OU AUXILIAR NA CONSTRUÇÃO DE ALGO GRANDE NA ÁREA, SOMOS DESCARTADOS PELA HONESTIDADE, POR QUE NÃO TEMOS PREÇO.

MAS, É IGUAL A HISTÓRIA DO PASSARINHO QUERENDO APAGAR UM INCÊNDIO NA FLORESTA SÓZINHO E OS OUTROS ANIMAIS RINDO, ESTAMOS FAZENDO NOSSA PARTE.

ABRAÇOS.

Por Lúcio Rogério Gomes dos Santos
em 26 de Setembro de 2011 às 00:16.

Caro Laercio,

    Todo fato tem no mínimo três lados...

     Creio que temos profissionalismo, SIM, TEMOS PROFISSIONALISMO NA EDUCAÇÃO FÍSICA. Creio que muitos dos sérios profissionais que estão no mercado fazem o trabalho com embazamento ético e, assim, comprometidos com a qualidade !

     O Profissionalismo é encontrado mesmo em Profissões ainda não regulamentadas ou em ofícios passados de pai para filho - quase em extinção - como os "Sapateiros". Mas esse, me parece, não é o foco de sua provocação - Caríssimo Dr. Laercio.

     Nossa maior luta deve ser travada através da verdade dos fatos, e não por observação de mentiras contadas repetidas vezes até que "pareça verdade ! É hora de abandonar a trincheira da crítica pela crítica, do ser contra, porque só contra e nos unir - a Educação Física tem muitos colegas que agem com Profissionalismo, independente de fiscalização ou não. Nesses temos que concentrar o foco - é o exemplo desses que temos de divulgar - difundir e acreditar.

     Aqui no DF, têm um desses - figura pública - que enfrenta um Leão todos os dias - e as vezes ainda enfrenta o "fogo amigo" para honrar o fato de ser Formado em Educação Física - falo do Secretário de Esportes - Célio Renê.

     Taí uma Secretaria onde o Governador Agnelo acertou em cheio - com esse Secretário tenho fé de que a pouca verba destinada a Secretaria irá para os lugares certos, sem ralos e/ou sumidouros inexplicáveis, como ouvíamos dizer existirem, na mesma Secretaria em Governos anteriores.

     O Homem está apanhando injustamente por conta da questão das Vilas Olímpicas - herança maldita - que a atual gestão - com uma mãozinha do Ministério Público - está colocando nos eixos. Taí um bom exemplo de Profissionalismo - aliás - profissionalismo que o moço já demonostrava antes de ser Secretário - como Presidente de uma Federação Esportiva que antes de gestão dele viveu problemas, os quais foram devidamente atacados com ele na Presidência.

Saudações Profissionais.

Por Lalbercy Serejo Pinto
em 14 de Novembro de 2011 às 13:32.

logo que um calouro entra no curso de Educação Física, um amontoados de inadagações vem a sua mente e a princinpal sem dúvida é quanto a valorização de sua profissão, tanto dentro do ambiente de trabalho como na comunidade. 

a valorização do profissional de Educação Física depende da visão que a sociedade tem do mesmo, sendo cada profissional responsável não só pelo seu prestígio mais tambem pela imagem da profissão, é responsável importância que a sociedade posuirá dos que a exercem.

alguem formado em Educação Física não deve, em hipótese alguma, limitar-se a sua prática, pois dessa forma estaria ele bitolando-se a um mundo isolado, ondenem tudo gira em torno de cabeça.

este profissional é dono do próprio prestígio que a sociedade lhe dará, sendo responsável por uma futura valorização d o mesmo, não sendo visto como a escória da sociedade, tendo voz e vez, nunca sendo tratado como um profissional desprezível, tendo um dia o local merecido. 


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