Profissional de Educação Física: origem clássica
Walker Bezerra Vieira
CREF 000019-G/PE
A prática regular de exercícios físicos almejando poderio militar, por preconização filosófica, manifestação mítico-religiosa ou desempenho atlético, data de priscas eras, podendo ser encontrada em diversas regiões, sendo a literatura especializada pródiga nas citações de povos e culturas que fizeram do seu uso um meio para atingir metas múltiplas.
Nas sociedades pré-colombianas, os registros históricos apontam para a existência dos chasquis — corredores profissionais do Império Inca —, cuja finalidade era, através do revezamento, transmitir notícias e transportar objetos de pequeno porte.
Diante da necessidade de tornar mais eficaz a comunicação dentro dos seus domínios, o conquistador macedônio Alexandre III (356–323 a.C.), famoso pelo nome de Alexandre Magno, criou a Rota do Rei, onde, em uma distância de 2.683 km, distribuiu 100 corredores que se revezavam para a entrega de mensagens.
Na China antiga, Kung-Fu-Tze (551–479 a.C.) — cuja tradução do nome para o latim o tornou conhecido como Confúcio — deixou como herança o entendimento de que o exercício físico disciplinado é uma virtude e pode ser compreendido como um meio para alcançar o domínio espiritual sobre si mesmo. Para ele, mente e corpo não eram opostos, mas expressões de ch’i (energia).
Entre os filósofos pré-socráticos, ou filósofos da natureza, encontramos Pitágoras (570–490 a.C.). Homem de grande beleza física, de aspecto solene e majestoso, fascinava os que dele se aproximavam, usava sempre roupas brancas e não comia certos alimentos, como a carne. Eloquente, exercia considerável influência sobre o público no domínio religioso, intelectual e político. Fundou uma escola onde rígidas normas disciplinares regulavam o vestuário, a alimentação, o sono e o despertar e determinavam ocupações a cada hora do dia. As rotinas incluíam estudos de Geometria, Musicologia, Astronomia, Geografia, Meteorologia, Anatomia, Fisiologia e Medicina. A cultura do corpo incluía massagens, ginástica e exercícios de atletismo.
Fundada por Alexandre Magno em 332 a.C., a cidade de Alexandria, no Egito, foi palco, ao longo do século I, de embates políticos entre pagãos, cristãos e judeus. Um clima exacerbado que vitimou a mais famosa matemática e filósofa da Antiguidade, Hipácia (370-415), filha de Theon, um renomado filósofo, astrônomo, matemático, autor de diversas obras e professor da Universidade de Alexandria. Historiadores acreditam que Theon tentou educá-la para que ela fosse um ser humano perfeito. Hipácia e Theon tiveram uma ligação muito forte, este lhe ensinou seu próprio conhecimento e compartilhou com ela sua paixão na busca de respostas sobre o desconhecido. Quando ainda estava sob a tutela e orientação do pai, Hipácia ingressou numa disciplinada rotina de exercícios físicos para assegurar um corpo saudável para uma mente altamente funcional. Ela é um marco na história da Matemática. Inventou alguns instrumentos para a Astronomia, como o astrolábio e o planisfério, e aparelhos usados na Física, entre os quais um hidrômetro.
No período helenístico, surgiram na Grécia (Hellas) os cínicos. O precursor desse movimento, Antístenes (440–336 a.C.), e o seu discípulo Diógenes (400–323 a.C.) em uníssono enfatizavam a importância do exercício físico e eram peremptórios ao ratificar que o treinamento era necessário para a prática da virtude e que, para que ele fizesse efeito, deveria ser um hábito. É de Antístenes a seguinte citação: “Os que querem se tornar homens virtuosos devem exercitar os corpos com exercícios físicos e a alma com
raciocínios”.
Figura de proa na história do Ocidente, a Grécia antiga vai nos presentear com os Jogos Olímpicos em 776 a.C., ano que figura no catálogo de registro dos primeiros
vencedores. Apesar de estarem ainda inseridos em um contexto de visão mitológica do mundo — onde inúmeros aspectos da vida eram explicados pelas relações existentes entre
deuses e deuses ou deuses e humanos —, os helenos exemplificaram de forma poética, embora cientificamente correta — mesmo para os padrões hodiernos —, a transitoriedade
da forma física, fazendo jus a uma referência direta ao princípio da continuidade no treinamento esportivo. Para tanto, recorreram à relação entre o deus Apolo e a ninfa Dafne
e, como elemento comparativo, à folha de uma árvore.
A condição social de que desfrutavam os gregos naqueles tempos de antanho, a capacidade econômica e a supremacia militar prestaram contribuição para o
desenvolvimento do esporte. Nesse contexto, prevaleceram, sobretudo em Atenas, os ideais educacionais. As metas educacionais voltaram-se para a formação de um homem
kaloskagathos (kalòs kagathos), belo e valoroso, passando, os jovens, a receber uma tripla instrução: literária, musical e esportiva. Os exercícios físicos — característica da educação
grega antiga — são considerados necessários à higiene e à estética do corpo, sendo ministrados pelos pedótribas (treinadores dos garotos) e sob a supervisão geral do
gymnasíarkhos (o mestre de ginástica).
As organizações esportivas já esboçavam alguma complexidade de estrutura, e integravam-nas diversas pessoas com diferentes funções e responsabilidades, tais como:
árbitros de competição (agonothétai), o hellanodíkes (encarregado da supervisão da corrida), massagistas e, como na atualidade, técnicos profissionais dedicados diuturnamente
ao ensino da técnica e à preparação atlética, denominados paidotribos (paidotríbes). Existiam especialistas para os jogos com bola, dardo e esgrima, além de músicos que
acompanhavam os exercícios. Havia também um encarregado geral com a responsabilidade de prestar os primeiros socorros.
Os Jogos Olímpicos exerciam expressivo fascínio na população. Pesquisadores apontam a presença de personagens famosos nos locais das competições, como os filósofos Tales (624–545 a.C.), Anaxágoras (500–428 a.C.), Empédocles (494–434 a.C.), o dramaturgo Sófocles (494–406 a.C.), o sofista Górgias (484–375 a.C.), Platão (427–347
a.C.), o orador Isócrates (436–338 a.C.), Diógenes, dentre outros.
Paulatinamente, houve um aprimoramento do processo de preparação esportiva. Passaram a coexistir os seguintes elementos: dieta, massagens, exercícios diários e
caminhadas, técnicas de respiração, tática nas disputas e o esboço do que viria a se tornar a periodização do treinamento esportivo, com o tetra, ou plano de 4 dias.
Chegou até os nossos dias o nome de Teógenes de Tasos, um dos técnicos mais famosos e bem pagos da Hélade antiga. Os atletas que estavam sob a sua orientação não
faziam outra coisa ao longo do dia a não ser dormir, treinar, alimentar-se e estudar Filosofia.
A finalidade do trabalho do técnico esportivo era a melhoria da saúde e da força vital dos atletas. O filósofo Platão, por sua vez, creditava um conceito tão elevado ao
trabalho que deveriam realizar que dizia que, para a escolha dos técnicos esportivos, deveria se ter o maior cuidado e esmero. Um entendimento sobre o aspecto pedagógico do
treinamento é exposto pelo próprio Platão, ao preconizar que a paciência deve caracterizar o técnico esportivo, que deve pois, ocupar mais tempo com os carentes de talento do que com os que já demonstram suficiente habilidade. Buscando um desenvolvimento corporal harmônico, dizia que o lado esquerdo do corpo deveria ser desenvolvido tanto quanto o lado direito, recomendando inclusive o treinamento diário.
A preparação do técnico esportivo era intensa, tanto nos aspectos teóricos quanto práticos. Entre as disciplinas práticas que compunham sua preparação, estavam: corridas atléticas, corridas com armas, corridas de tochas, salto, disco, dardo, boxe, luta, remo, natação, equitação e lançamento do dardo a partir do cavalo. Entre as matérias teóricas, figuravam: Constituição, Fisionomia e Retórica.
Cientes da importância da educação como elemento integral na formação do homem grego, pode-se compreender por que tanto cuidado e importância eram dados à formação dos docentes. Os gregos entendiam que a idoneidade deles seria decisiva para a formação de futuros cidadãos. Portanto, não era simplesmente uma formação de técnicos, e sim de pessoas destinadas a desenvolver nos discentes a resistência à dor, a sensatez, a generosidade e o sentido de honra, ou seja, qualidades morais de importância capital para o estilo de vida. Os docentes tinham a responsabilidade de alcançar as metas impostas e, ainda que estivessem em momentos de terem de enfrentar situações difíceis, deveriam estar sempre munidos da paciência, da dedicação e do amor ao trabalho.
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Publicação
Recife, quinta-feira, 27 de outubro de 2011
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