Saiu na Veja, mas é bom... ;-)
A dor de nunca saber o bastante
O excesso de informação provoca a angústia típica dos tempos atuais e leva à conclusão de que, às vezes, saber demais é um problema
Por Cristiana Baptista. Veja.
http://veja.abril.com.br/050901/p_062.html
O eterno sentimento humano de ansiedade diante do desconhecido começa a tomar uma forma óbvia nestes tempos em que a informação vale mais que qualquer outra coisa. As pessoas hoje parecem estar sofrendo porque não conseguem assimilar tudo o que é produzido para aplacar a sede da humanidade por mais conhecimento. Alguns exemplos dessa síndrome:
- Uma edição de um jornal como o New York Times contém mais informação do que uma pessoa comum poderia receber durante toda a vida na Inglaterra do século XVII.
- Todos os anos é produzido 1,5 bilhão de gigabytes em informação impressa, filme ou arquivos magnéticos. Isso dá uma média de 250 megabytes de informação para cada homem, mulher e criança do planeta. Seriam necessários dez computadores pessoais para cada pessoa guardar apenas a parte que lhe caberia desse arsenal de conteúdo.
- Atualmente existem mais de 2 bilhões de páginas disponíveis na internet. Até o fim do ano esse número estará beirando os 3 bilhões.
- Até o início dos anos 90, a televisão brasileira tinha menos de dez canais. Hoje há mais de 100 emissoras no ar, em diversas línguas, com especialidades diferentes.
- Os americanos compram uma quantidade superior a 1 bilhão de livros por ano. Mais de 43% dos americanos que declaram ser consumidores vorazes de literatura lêem cinco deles por ano. De acordo com a mesma pesquisa, 7% dos compradores dizem ler mais de cinqüenta livros por ano.
Por trás desses elementos, há um fenômeno mais geral. Países, empresas, escolas, famílias estão se rearticulando em outros modelos numa velocidade nunca vista. Mudar é um inferno para a maioria das pessoas. Mais infernal ainda é a sensação de que o mundo está girando a muitas rotações a mais do que nós mesmos. "O mal-estar de nosso tempo é a inadequação, o sentimento opressivo de que as outras pessoas estão fazendo as coisas certas, lendo os livros que contam e usando os computadores e programas mais modernos enquanto nós estamos ficando para trás na carreira ou nos relacionamentos", diz o americano Wayne Luke, autor de um livro que compara o ambiente de excesso de informação que existe hoje a uma "areia movediça". Luke observa que nas sociedades ocidentais as pessoas se sentem pisando em um chão não muito firme, por não conseguir metabolizar a carga de informações disponível em livros, na imprensa, na televisão e na internet. "Quanto mais sabemos, menos seguros nos sentimos", escreveu Luke.
Para tornar essa angústia ainda mais palpável, atualmente as pessoas são bombardeadas pelo desempenho de modelos excepcionais cujas façanhas ganham espaço cada vez maior na televisão, em jornais, revistas e livros de auto-ajuda. Diante desses modelos de eficiência, a maioria se sente como algumas mulheres na presença de Gisele Bündchen. Em comparação com a modelo, há sempre algo errado com elas. Sobra ou falta alguma coisa. Segundo psicólogos, na imaginação de muita gente o mundo está apinhado de Giseles corporativas ou sociais. Daí resulta inevitavelmente um sentimento de inadequação.
Como toda ansiedade, a angústia típica de nosso tempo machuca. Seu componente de irracionalidade é irrelevante para quem se sente mal. O escritório de estatísticas da Inglaterra divulgou recentemente uma pesquisa que é ao mesmo tempo um diagnóstico. Cerca de um sexto dos ingleses entre 16 e 74 anos se sente incapaz de absorver todo o conhecimento com que esbarra no cotidiano. Isso provoca tal desconforto que muitos apresentam desordens neuróticas. O problema é mais sério entre os jovens e as mulheres. Quem foi diagnosticado com a síndrome do excesso de informação tem dificuldade até para adormecer. O sono não vem, espantado por uma atitude de alerta anormal da pessoa que sofre. Ela simplesmente não quer dormir para não perder tempo e continuar consumindo informações. Os médicos ingleses descobriram que as pessoas com quadro agudo dessa síndrome são assoladas por um sentimento constante de obsolescência, a sensação de que estão se tornando inúteis, imprestáveis, ultrapassadas. A maioria não expressa sintomas tão sérios. O que as persegue é uma sensação de desconforto – o que já é bastante ruim.
Segundo outra pesquisa feita em cinco países pela Reuters Business Information, metade dos executivos ouvidos pelos encarregados do trabalho afirmou não se sentir capaz de lidar com toda a informação que recebe. Uma terceira descoberta feita no Japão pelos pesquisadores Michael Song e Mitzi Montoya-Weiss mostra que as pessoas que trabalham com produtos de alta tecnologia são as mais afetadas. Elas tendem a ser mais inseguras de suas possibilidades profissionais que as empregadas em ramos mais tradicionais da economia. Com razão. Na vanguarda competitiva das empresas digitais, a temida obsolescência profissional é tão real quanto o ar que se respira. Tecnologias sobem aos céus da Nasdaq e descem ao purgatório da insignificância em questão de meses. Nesse setor, toda a informação disponível parece ser insuficiente para se manter à tona. O escritor americano Po Bronson, o maior cronista da civilização criada pelos zumbis do Vale do Silício, conta histórias apavorantes dessa corrida desenfreada. "Nunca houve uma disputa tão ríspida entre pessoas e empresas como a criada pela tecnologia da informação", diz Bronson.
A área de publicações científicas é um capítulo especial nesse terreno do excesso de dados disponíveis. Há 100 anos existiam cerca de 200 revistas científicas no mundo. Agora são mais de 100 000, 10 000 delas de medicina. Essa área ferve. Uma biblioteca eletrônica médica que arquiva os artigos das 4 800 principais revistas do ramo tem registrados mais de 12 milhões de arquivos, e a cada ano outros 700 000 entram para o catálogo. Há hoje os cybercondríacos, pessoas que por meio de pesquisas sobre saúde na internet descobrem informações que deveriam estar disponíveis apenas para médicos. São a versão 2001 dos hipocondríacos. Eles passam a apresentar sintomas imaginários. "Isso é cada vez mais comum", diz o infectologista do hospital Albert Einstein Artur Timerman. Um estudo recente feito com 17 000 internautas pelo site Netaddiction concluiu que 6% deles têm comportamento compulsivo diante da internet. Entre esses comportamentos está um francamente vicioso. "Há pessoas que se não lêem a mesma informação em três ou quatro fontes diferentes ficam inseguras sobre sua veracidade. São ’dataholics’, literalmente viciados em informação", define Renato Sabbatini, neurocientista da Universidade de Campinas.
Só agora os especialistas começam a distinguir o que é apenas uma manifestação de desconforto psicológico inespecífico de uma síndrome provocada pela correria da vida moderna. "A ansiedade por informação ainda não é considerada isoladamente. Está dentro de uma categoria denominada ansiedade por formação, que por sua vez é um dos componentes do stress associado ao trabalho", diz Márcio Bernik, psiquiatra-chefe do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. O Ambulatório de Ansiedade da USP ainda não pesquisa a ansiedade de informação especificamente. Mas tem atendido um número crescente de ansiosos que mencionam como causa de suas apreensões a incapacidade de absorver informações no ritmo que consideram ideal. "Ler e aprender sempre foi tido como algo bom, algo que deveríamos fazer cada vez mais. Não sabíamos que haveria um limite para isso. Está acontecendo com a informação o que já aconteceu com o hábito alimentar. Em vez de ficarmos bem nutridos, estamos ficando obesos de informação", diz Anna Verônica Mautner, psicanalista em São Paulo.
Vale a pena examinar, agora, como se sentem aqueles que a sociedade considera modelares, os vencedores na corrida profissional e social. O economista Odair Abate, há seis anos responsável pelo departamento de economia do banco Lloyds no Brasil, nos fornece um bom exemplo. É ele quem analisa os cenários econômicos nacional e mundial e dá as diretrizes para a atuação do banco. Como fontes de informação, Abate lê jornais, revistas e os relatórios de uma consultoria econômica. Consulta regularmente seu banco de dados, sabatina freqüentemente dois ou três políticos com quem mantém contato. Além disso, acessa sites exclusivos e caros na internet que lhe trazem informações fresquinhas 24 horas por dia. E como Abate se sente depois de carregar todos os seus neurônios com informações de primeira linha? "Tenho a nítida sensação de não ter lido tudo o que deveria. Isso me deixa ansioso. Felizmente, depois de muitos anos de trabalho, aprendi a lidar com isso e reduzir minha margem de erro", diz Abate.
Entre os vencedores, no imaginário das pessoas, estão sem dúvida os executivos com formação de padrão internacional, os diplomados dos cursos de MBA, o famoso Master in Business Administration. Pois bem, eles igualmente se sentem atolados em palavras, números, gráficos, imagens e sons. "Vivemos angustiados com tanta informação", diz Renato Cotta de Mello, coordenador do MBA da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Nosso curso é freqüentado por executivos de 35 a 37 anos que já sabem muita coisa. O objetivo é ensiná-los não a acumular mais conhecimento, mas a colocar o que sabem dentro de um contexto que faça sentido prático." Os professores dessas escolas, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, investem boa parte de sua energia em alertar os alunos para o fato de que não há esperança de que as exigências do mercado diminuam. "O grande desafio para esses estudantes é aprender que antes de gerenciar um negócio é preciso aprender a gerenciar a própria ansiedade", resume Alberto Luiz Albertin, professor e coordenador na área de negócios da era digital da Fundação Getúlio Vargas.
Isso é possível? Talvez para alguns, dificilmente para todos. O que se sabe ao certo é que a multiplicidade de informação sempre gera desconforto. "Há dados demais e eles muitas vezes não são confiáveis. Por isso a ansiedade é uma constante em minha vida. Além de rastrear tudo o que posso na internet, ainda checo o que descubro em fontes tradicionais, em geral mais confiáveis", diz o advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, paulistano de 30 anos, especialista em mercado de capitais. Queiroz é o mais jovem sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, de São Paulo. É também o que mais utiliza a internet como fonte de informação. "Meus clientes são instituições financeiras e empresas com títulos nos mercados de ações, que geralmente precisam de respostas imediatas. Dependem de eu estar a par de um acontecimento, uma mudança de regra. Preciso ser extremamente bem informado", afirma.
O americano Richard Saul Wurman, autor dos livros Ansiedade de Informação e Ansiedade de Informação2, este último lançado no final do ano passado nos Estados Unidos e ainda não publicado no Brasil, sugere que as pessoas encarem o mundo como um grande depósito de material de construção. E o que fazer com a matéria-prima? Ora, diz ele, seja um arquiteto de sua própria catedral de conhecimento. A arma para isso é a "ignorância programada", ou seja, a escolha criteriosa do que se quer absorver (veja mais detalhes das idéias de Wurman). O resto deve ser deixado de lado, como o compositor que intercala pausas de silêncio entre as notas para que a música faça sentido aos ouvidos. "A ansiedade de informação é o buraco negro que existe entre os dados disponíveis e o conhecimento. É preciso escapar dela", observa Wurman. Ou, ao menos, não deixar que ela assuma proporções dolorosas para quem precisa ultrapassá-la no dia-a-dia.
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