Acabo de publicar em meu Blog http://colunas.imirante.com/leopoldovaz/

Bem, Nelsinho, continuando: disse que estava a trabalhar em outro artigo, um pouco mais complexo, em que busco as ancestralidades da capoeiragem… algumas imagens bastante conhecidas - as de Rugendas, por exemplo - trazem-nos a Capoeira(gem) no Rio de Janeiro e em Salvador dos anos 1820/30… é a partir daí que se analisam os movimentos - e a lúdica - dos negros, identificando-os com o que hoje denominamos Capoeira, em suas diversas vertentes… Ragional, Angola e as suas variações. Prefiro o termo Capoeiragem, mais próxima de nossas raízes…

Prancha 27 - SÃO SALVADOR - 1820/1835 – publicada em 1835:

Servo-me de Araujo e Jaqueira (2008), que fizeram a análise das pranchas de Rugendas: “A iconografia denominada São Salvador, apresenta-se como um dado histórico que nos possibilita interpretações de alguns factos dos costumes dos grupamentos marginais da sociedade imperial brasileira, mais concretamente da Capoeira [...] a imagem de Rugendas, busca fundamentalmente retratar uma panorâmica da cidade do Salvador, apresentando-nos em primeiro plano, uma cena característica de um dos costumes baianos, o jogo da Capoeira, tornando esta iconografia de capital importância para a reescrita e/ou reinterpretação da história desta expressão corporal, visto ser este tipo de documento dentre tantos outros, até ao momento, o primeiro, mas não o único que confirma ter existido tal expressão corporal na sociedade soteropolitana, isto para os contextos históricos colonial, imperial e da 1ª república.” (69) [...] “Apesar de Rugendas não referir-se explicitamente nesta obra sobre a exercitação da capoeira pelos indivíduos enfocados, não podemos deixar de concluir pela presença de elementos de cariz corporal que bem podem evidenciar na imagem, isto pelos conhecimentos por nós adquiridos sobre esta expressão, trata-se estes, de gestuais específicos da luta, onde a cabeçada, ginga e esquivas se podem visualizar, não nos permitindo inferir acerca da sua forma de emanação – jogo; luta, aprendizagem. Destarte não haver indicações do autor sobre este enfoque, e considerando a sua descrição sobre a iconografia ‘Jogo da Capoeira’, nos conduz na admissão de estarmos na presença de jogo ou de aprendizagem, quando associamos as condutas miméticas de alguns, brejeiro e de admiração de outros personagens presentes na cena.[...] O que mais podemos extrair desta imagem, é a presença de uma movimentação rítmica configurada pelo movimento alternado das pernas e conhecida contemporaneamente por ginga, isto, sem qualquer auxílio de instrumentos musicais para a sua exercitação, indiciando portanto, a  não obrigatoriedade destes no seu contexto de expressividade, e muito menos a subordinação ao berimbau”. (p. 72-73)[2].

Araújo e Jaqueira servem-se da metodologia de Erwin Panofsky para compreender a luta-jogo da(s) Capoeira(s) por suas diversas formas de expressão e vieses, através do método de estudo etnográfico, da interpretação de imagens (objeto) para comparações e associações postas na história das relações sociais, conforme registra Lamartine Pereira da Costa na apresentação da obra dos autores[2].

Explicam:  “[...] abordagem de interpretação de imagens atribuídas diretamente ou mesmo indiretamente à luta/jogo da Capoeira, demanda de fatores distintos, onde destacamos a quase inexistência de análises imagéticas sobre a expressão referida, aliada ao fato de identificarmos na sua literatura específica, interpretações superficiais e pouco fundamentadas de algumas das iconografias[3] que historicamente retratam a possível presença desta expressão corporal na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX”. (ARAUJO e JAQUEIRA, 2008, p. 15).

 PRENCHA 7 – NEGROS BRIGANDO NOS BRASIS (NEGROES FIGHTING, BRAZILS) 1822 -  Negroes fighting, Brazil” c. 1824. Autor Augustus Earle (1793-1838) - Painting by Augustus Earle depicting an illegal capoeira-like game in Rio de Janeiro (1824)Fonte English Wikipedia, original: http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/detailsKeyword.php?keyword=NW0171&recordCount=2&theRecord=0

Comentário do apresentador da obra[4]Dois negros moços entregues ao ‘jogo da capoeira’, enquanto outros contemplam de uma casa própria e um policial colonial prepara-se para saltar uma cerca, afim de sustar a luta

Comentários sobre a obra:  [...] as figuras apresentadas por Rugendas forame ainda são as mais representativas para o contexto da capoeira, principalmente aquela que foi acompanhada pela descrição [...] A imagem de Augustuis Earle [...] apesar de ter sido elaborada no mesmo período das iconografias de Rugendas, foi durante muito tempo relegada ao esquecimento [...] Earle retratou uma cena típica dos costumes urbanos da cidade do Rio de Janeiro [...] ao tipo de exercitação visualizada pela imagem [...] entendemos ser esta, manifestadamente, a expressão corporal denominada Capoeira [...] onde depreendemos estarmos diante de dois movimentos conhecidos no contexto atual da luta brasileira, como ginga e benção/escorão/chapa[...]”. (ARAÚJO e JAQUEIRA, 2008, p. 80-87)12

 Araújo e Jaqueira (2008) analisaram também a obra de Frederico Guilherme Briggs – Negros que vão levar açoutes, estampa avulsa: tipos de rua e caricaturas:  

FIGURA 20, OBRA DO ANO DE 1832/1836, PUBLICADA EM 1984:

 Negros que vão levar açoutes  Briggs del.   Litho. R.B.   Rua do Ouvidor nº 118. Source: Biblioteca Nacional, acervo de gravuras sobre escravatura

Negros que vão levar açoutes, 1832/1836, publicada em 1984

Os autores se valem da obra de TURAZZI (2002)[5], que comenta: “Se as imagens podem ser tomadas como uma ‘narrativa’, as estampas de tipos de rua da Litografia Briggs nos permitem várias leituras [...] Para tanto, eles adotaram como estratégia uma figura de linguagem empregada com freqüência  na fala dos cariocas. Mas a substituição de nome próprio por perífrase (isto é, a designação de alguém ou de algo que dê relevo a uma de suas qualidades, e não por seu nome) tem sido, historicamente, um dos traços mais marcantes da linguagem popular do Rio de Janeiro. Pois é exatamente esse estilo de linguagem, saído das ruas, o recurso adotado pelos litógrafos da oficina Briggs para representar e legendar as figuras de suas estampas”.( TURAZZI, 2002, citada por ARAÚJO e JAQUEIRA, 2008, p. 94-95)

Esses autores apresentam-nos um quadro sinóptico sobre interpretação de imagens que possibilitam a interpretação das iconografias selecionadas sobre a Capoeira apresentadas neste trabalho, e que, como esses autores: “[...] identificando a partir dos conceitos apresentados por Alarcão, o que nelas se enquadrariam como dados ou fatos, e que nos fizeram inferir serem tais imagens, representações da expressão denominada em outros tempos e na atualidade, como o jogo/luta brasileiro, Capoeira.” (p. 20)

 

OBJECTO

DE INTERPRETAÇÃO

Conteúdo temático primário ou natural (factual; expressivo) constituindo o mundo dos motivos artísticos

Conteúdo temático secundário, constituindo o mundo das imagens, histórias e alegorias

Significado intrínseco ou conteúdo, que constitui o mundo dos valores

ACTO DE INTERPRETAÇÃO

Descrição pré-iconográfica ( e análise pseudofuncional)

Análise iconográfica, no sentido mais estrito da palavra

Interpretação iconográfica, em sentido mais profundo (Síntese iconográfica)

BAGAGEM PARA INTERPRETAÇÃO

Experiência prática (familiaridade com os objetos e as ações)

Conhecimento das fontes literárias (familiaridade com os temas e conceitos específicos)

Intuição sintética (familiaridade com as tendências essenciais do espírito humano condicionadas pela psicologia)

 

ARAÚJO e JAQUEIRA (2008) – Adaptação do Quadro Sinóptico de Panofsky sobre interpretação de imagens, p. 20

 Aqui reside o problema, ao aceitar o desafio proposto por Javier: bagagem para interpretação – experiência prática (familiaridade com os objetos e as ações). Não sou Capoeira, nem pratico Capoeira…  Mas tenho desenvolvido estudos em que busco recuperar a memória dos esportes, do lazer e da educação física no/do Maranhão[6]. Assim, neste ‘estudo’ limitar-me-ei em apresentar as imagens selecionadas por Javier Rubiera e disponibilizadas através da Sala de Pesquisa da FICA (http://aecfica.blogspot.com/, www.capoeira-fica.org), deixando a interpretação aos verdadeiros Capoeiras…

ARAUJO, Paulo Coelho de; JAQUEIRA, Ana Rosa Fachardo. DO JOGO DAS IMAGENS ÀS IMAGENS DO JOGO – nuances de interpretação iconográfica sobre a Capoeira. Coimbra-Portugal: Centro de Estudos Biocinéticos, 2008.

DaCOSTA, Lamartine Pereira.  In Apresentação da obra de Araújo e Jaqueira (2008) obra citada, p. 9 a 12

[...] a iconografia é a reescrita da realidade, compreendendo todo um universo de sinais não vernais de manifestação figurativa que vão do desenho à fotografia” ou Iconografia é o ramo da História da Arte que trata do conteúdo temático ou significativo das obras de arte, enquanto algo de diferente da sua forma”[...]. Nota de pé-de-página”, ARAUJO e JAQUEIRA, 2008, p. 15, obra citada.

[4] Não foram encontradas descrições de Augustus Earle sobre a obra, mas somente, a denominação atribuída à imagem como sendo; “Negros brigando nos Brasil” – (Negros fighting, Brazils). ARAUJO e JAQUEIRA, 2009, p. 80-81

[5] TURAZZI, Maria Inez (org.). Tipos e cenas do Brasil imperial: a Litografia  Briggs na Coleção Geyer. Pretópolis: Museu Imperial, 2002.

[6] Ver www.atlasesportebrasil.org.br/maranhão

 

Comentários

Por Roberto Aparecido Paz
em 31 de Outubro de 2009 às 12:23.

...parabéns pelo artigo perfeito , coisa de mestre...

...no entanto, o que o senhor diz sobre o ato médico proibir a capoeira entre outras atividades?

abraços;.

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 31 de Outubro de 2009 às 16:04.

Roberto

isso é novidade para mim... não ouvi falar de proibição de pratica de capoeira dentre outras atividades... onde esta isso? poderia expolicitar ou dar maiores detalhes?


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