Qui, 27/08/09 por leopoldovaz | categoria Capoeira, História, Literatura & Esporte, Raízes, Sem Categoria
Ontem, proferi palestra no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Falei sobre a Guarda Negra, procurando responder à questão: houve uma guarda negra em São Luís?
Li na da Revista História Viva 25 um interessante artigo de Carlos Eugênio Líbano Soares e Flávio Gomes – p. 74-79 – sobre “O combate nas ruas pelo Ideal Abolicionista”.
No artigo a que me refiro, da chamada consta “quilombolas, jornalistas e capoeiras foram personagens fundamentais do Rio de Janeiro contrários à escravatura”; e no corpo do artigo, inicia afirmando que “a abolição da escravidão não foi fruto apenas de uma suposta ação exclusiva de enfrentamentos parlamentares. Nas ruas – principalmente nas cidades -, abolicionistas de várias origens sociais, escravos, libertos, operários de fábricas que alvoreciam, capoeiras, jornalistas e pequenos negociantes transformaram a campanha pela liberdade dos cativos numa verdadeira batalha… [e mais adiante…] capoeiras se engalfinhavam com republicados contrários à abolição…”.
Isso, em cidades como Rio de Janeiro, Santos, Porto Alegre, Campinas, Salvador e Recife; não foram poucas as refregas nas ruas envolvendo polícia, abolicionistas, capoeiras, escravos e libertos.
José do Patrocínio cria a “Guarda Negra”, em função da Lei Áurea, que abriu caminho para uma temporária unificação dos grupos em prol da novel agremiação, talvez a face mais conhecida da capoeiragem política dos últimos anos da monarquia. Mais tarde, Patrocínio a iria renegar, após a queda do gabinete João Alfredo, que concretizou o 13 de maio.
Patrocínio foi quem introduziu os capoeiras no ninho abolicionista e circulava bem no complexo mundo das maltas de capoeira do Rio - José do Patrocínio era mulato, filho de uma africana e de um poderoso cônego do conservador clero católico, de Campos dos Goitacases -, algo muito raro entre as lideranças abolicionistas – Joaquim Nabuco e André Rebouças, dentre outros … -, em geral compostas de moradores de classe média que nutriam verdadeira ojeriza à capoeiragem.
Após o incidente de 14 de julho de 1889 entre os capoeiras da Guarda Negra e militantes republicanos no coração do Rio, Patrocínio gradualmente se afastou da organização…
A Guarda entraria em declínio, até ser completamente desbaratada pela repressão de Sampaio Ferraz em 1890. Informam os Autores que houve episódios da Guarda Negra em outras cidades, como Porto Alegre, Salvador e São Luís…
São Luís? Procurei em Mário Meireles, nosso maior historiador, e não achei nada; em Vieira Filho, em seu “A Polícia Militar do Maranhão”, de 1975, e não consta nada; Navas-Toríbio, em seu “O negro na literatura maranhense”, também não há referência…
A Guarda Negra, criada em 1888 por José do Patrocínio, composta por negros capoeiristas que tinham o objetivo de defender a monarquia e lutar contra a República (após a libertação dos escravos os capoeiristas ficaram ainda mais a favor da monarquia como agradecimento à Princesa Isabel por ter assinado a Lei Áurea). Logo após a Proclamação da República (1889), a capoeira foi proibida pelo Marechal Deodoro, permanecendo nessa situação até 1937 quando Mestre Bimba a tira do código penal e a leva a esporte nacional.
O ISABELISMO
José do Patrocínio foi o mais fervoroso adepto do isabelismo, e procurou aliciar libertos para defender a monarquia ameaçada pela onda republicana que crescera após a Abolição. Não satisfeito em beijar os pés da Redentora, José do Patrocínio inicia a arregimentação de ex-escravos, capoeiras e marginais de um modo geral, para fundar a Guarda Negra. Esse ajuntamento tinha como finalidade impedir a propaganda republicana, inclusive com a tarefa de dissolver comícios pela violência.
Natal também teve a sua Guarda Negra. Criação do Partido Conservador e instrumento de combate às idéias republicanas. Segundo os conservadores, os negros, por gratidão deveriam defender a monarquia. Em Natal, a Guarda Negra recebeu o nome de Clube da Guarda Negra. O seu presidente foi Malaquias Maciel Pinheiro. Instalada a 10 de fevereiro de 1889, com muita festa, essa organização, na apuração de Câmara Cascudo, nada fez de bom ou mal.
Em Belém, uma Guarda Negra continuou prestando serviços como capangas a políticos locais. Esses capangas eram, em grande parte, pernambucanos.
A Guarda Negra era um movimento contraditório e confuso. Apoiava a monarquia porque os escravos conseguiram libertar-se do cativeiro através da magnanimidade da princesa Isabel. Via a Abolição como um ato de munificência social praticado pela regente, sem analisar as estratégias ocultas nessa medida e as conseqüências negativas que a Abolição traria, feita da forma inconclusa como o foi.
O FUZILAMENTO DO DIA 17
Em São Luís do Maranhão, encontramos um episódio relacionado com a participação dos negros no processo de combate à República recém proclamada. Foi denominado de “o fuzilamento do dia 17“, e ocorreu com uma manifestação de escravos, recém-libertos, contra Paula Duarte, o único republicano no novo governo, conforme informa Mario Meireles, e isso porque se dizia que o novo regime vinha para tornar sem efeito a Lei Áurea. Os manifestantes foram à redação de “O Globo”, jornal republicano, e tentaram o empastelar. A polícia interveio, dispersando-os. Na boca do povo, e naquelas circunstâncias, teria ocorrido um massacre - os fuzilamentos do dia 17.
Milson Coutinho, ao descrever os acontecimentos daquele dia 17 de Novembro - Maranhão, 1889: fuzilamentos e torturas na alvorada da república - afirma que, após ler e reler inúmeros autores que se referiram aos fatos do dia 17 - Jerônimo de Viveiros e Mário Meireles - “provocaram, no autor deste estudo, um grande desejo de examinar, à luz da documentação da época, a origem desses distúrbios, sua ocorrência, amplitude e conseqüências” (p. 16). in www.tribunadonorte.com.br/especial/histrn/hist_rn_7f.htm)
Não foi possível apurar o cabeça do movimento, informa Coutinho, nem nos livros de história e nem nas pesquisas que empreendeu. Nem mesmo a polícia, naquela época, deslindou a sedição contra o jornalista Paula Duarte, talvez porque, convenientemente elucidado o fato, “esboroassem seus resultados nos costados d´algum ex-barão do Império, já devidamente engastado no novo regime.” (p. 17).
O estopim, ao que parece, foi uma conferência na Câmara Municipal, que seria proferida por Paula Duarte, em que falaria sobre o novo regime doutrinando sobre matéria republicana. O povo da cidade fora convidado, através de comunicação do dr. Sá Valle.
Prossegue Coutinho o seu relato, informando que a turba passou em frente à casa do Desembargador Tito de Matos, ainda respondendo pelo Governo da Província: “… estancou a passeata, com a finalidade de cumprimentar o Magistrado, derradeiro lampejo da Monarquia deposta e última esperança da malta enfurecida“. (p. 18-19).
Malta enfurecida? Coutinho a teria usado em que sentido? De identificar os manifestantes com as maltas de capoeira que agiam no Rio de Janeiro, dando vivas à monarquia e contra o novo regime? No-lo sabemos…
Prosseguindo, O Desembargador pediu às massas que aguardassem a ordem, dissolvessem a passeata. Esses acontecimentos se deram pela manhã. Os espíritos serenaram e a tranqüilidade pública volveu à Capital. Mas…
“… por volta das 15 horas do dia 17 os ânimos voltaram a se reacender, com novos grupos de anarquistas a percorrer as ruas e praças da capital, estocando todos os segmentos da balbúrdia em frente ao jornal de Paula Duarte, desaguadouro do contingente de alucinados que para ali convergiam, provindos de quantos becos se contassem, isto já em profusa massa humana. “O Comandante do 5º. Batalhão de Infantaria destacou, para o local uma força devidamente embalada, tropa essa que se postou em frente à tipografia de Paula Duarte, a partir das 16 horas, a fim de garantir a segurança do jornalista e evitar a depredação do edifício.”. (p. 19, grifos meus).
Os revoltosos debandaram, proferindo gestos coléricos e invulgar alacridade, e assim se passou o resto da tarde, sem outras conseqüências que não o clima de total intranqüilidade reinante.
“Os relógios assinalavam pouco mais das 19 horas, quando a multidão enfurecida e com muitos de seus componentes já armados voltou à carga para tirar a prova de fogo
“Iniciou-se a fuzilaria, de que resultou a morte imediata de três manifestantes, ferimentos em 11 outros, lesões em vários soldados, cabo e sargento do destacamento, vindo a morrer depois, na Santa casa, um dos sediciosos ferido por balaço da tropa.” (p. 20).
Nenhuma palavra sobre uma Guarda Negra…
Nem no relatório do suboficial que ordenou o fogo…
COUTINHO, Milson. Subsídios para a História do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1978).
Meireles, Mário. História do Maranhão. 2 ed. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1980, p. 307).
http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/uma%20historia%20do%20negro%20no%20brasil_cap09.pdf, informação mandada por Agrupación Española de Capoeira http://aecfica.blogspot.com/ www.capoeira-fica.org Javier Rubiera-Presidente, Vice -Presidente General de FICA
In http://www.vidaslusofonas.pt/jose_do_patrocinio.htm CARVALHO, Letícia Cardoso de. IN http://www.geocities.com/projetoperiferia6/historia.htm).
Revista História Viva, edição 25, de novembro de 2005
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